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Jornal da Unicamp - Setembro de 2000

Página 10

PALESTRA

O navegador solitário

Habituado a cruzar sozinho os oceanos, Amyr Klink fala da importância da equipe em terra para o sucesso de suas aventuras

LUCIANA LIMA

Quando imaginamos o navegador Amyr Klink solitário em seu barco, cruzando os
oceanos, não nos lembramos de todas as outras pessoas envolvidas em seus
projetos. Em palestra na Unicamp sobre o trabalho em equipe, Klink enfatizou que
sem a ajuda de companheiros em terra seria impossível chegar ao fim de suas
viagens. Viagens que se transformam em grandes aventuras.

Navegador, economista e escritor, Amyr Klink é paulistano, mas desde os dois
anos de idade freqüenta Parati, no Rio de Janeiro, onde se apaixonou pelo mar.
Conhecido internacionalmente por suas proezas marítimas, ele realizou em 1984 a
primeira Travessia do Atlântico Sul a Remo em Solitário, viagem contada no livro
Cem dias entre céu e mar. Em dezembro de 89, iniciou o Projeto de Invernagem
Antártica, também em solitário, a bordo do veleiro polar "Paratii", percorrendo
27.000 milhas do pólo sul ao pólo ártico em 642 dias. Outros dois livros, Paratii -
Entre dois pólos e As janelas do Paratii, relatam e ilustram este projeto.

No ano passado, Klink completou a volta ao mundo circunavegando a Antártica. O
projeto Antártica 360º durou 642 dias, obrigando-o a superar ondas de mais de 12
metros de altura, baixíssimas temperaturas, problemas com a neve e com as
fortes correntes de ventos que se formam naquela região. Saiu de terra com vários
desafios pela frente, mas conseguiu voltar sem grandes problemas.

A última viagem é tema do livro Mar Sem Fim, da Companhia das Letras, que está
há 14 semanas em 1º lugar na lista dos livros de não ficção mais vendidos no país.
Amyr se diz surpreso por ter alcançado esta marca, apesar de sua dedicação em
fazer um bom trabalho: "Gosto de escrever, caprichei no texto e fiz a revisão com
muito cuidado", conta. Ele lamenta apenas a falta de muitas fotos que tirou
durante a viagem, roubadas logo que desembarcou, juntamente com outros
registros da viagem.

Gratidão e irritação – Apesar de ter cruzado os oceanos sozinho no Paratii, Amyr
garante que não se sentia solitário: "Quando estou no mar eu sinto a presença da
equipe comigo, de duas maneiras: uma é a gratidão por ver que as coisas
funcionam, outra é um desejo profundo de trucidar alguém diante de um erro que
ninguém percebeu".

A equipe do navegador é aquela que cuida da "parte administrativa da viagem". É
fundamental também a comunicação com quem está em terra: "O simples fato de
poder ouvi-los já me transmite segurança".

A comunicação não oferece somente companhia. É muito importante no auxílio
para resolver imprevistos e na preparação para enfrentar problemas climáticos,
como grandes depressões, através de informações meteorológicas. Durante a
última viagem, quem colocava o navegador sobre as condições do tempo era a
mulher, Marina, que pesquisava diariamente na Internet, prevenindo-o quanto a
depressões meteorológicas do dia seguinte. Assim, ele conseguiu utilizar a
maioria dos ventos fortes a seu favor: "Em 18 depressões que enfrentei, apenas
em quatro tive maiores problemas, devido a erros de cálculo".

Klink frisou que, na volta ao mundo via Antártica, os resultados alcançados
dependeram de inúmeras competências dentro de seu grupo. "É um perigo achar
que uma tarefa de um membro da equipe é mais importante que outra. O sucesso
de um projeto é quase sempre fruto de pequenos resultados. Se existe uma
ciência para o trabalho em conjunto, é esta". Afirmando que um mastro é tão
importante quanto uma porca que serve para prender a vela aos cabos, ele
acrescenta: "raramente os barcos naufragam por causa de gigantescas ondas ou
de grandes tempestades. Quase sempre é por falta de pequenos componentes
que não parecem importantes".

Diferenças pessoais – Para Klink, deve-se valorizar também as diferenças entre as
pessoas. "Eu tinha essa ilusão de que uma equipe fosse um conjunto de gente
bonita, sorridente, que ia caminhando alegremente em direção ao trabalho. Na
verdade, a eficiência de um grupo, e a graça também, está na diversidade entre
seus membros". Ele aponta que o caminho para o sucesso está no interesse por
outras competências que não a sua: "Não há mais espaço para um profissional
que se envolva unicamente com sua área. Não basta fazer uma boa comida para
que um restaurante dê certo. São necessárias centenas de outras habilidades
para isso".

A equipe de Klink é formada por pessoas de diversas áreas. Fábio Tozzi é o
médico que treina o navegador em primeiros socorros para sobrevivência no mar.
Roberto Fernandes responde pelo projeto de comunicação e pelo site
www.360graus.com.br/amyrklink. Thierry Stump desenha e constrói as
embarcações, tendo participado de mais de 60 projetos. Atuaram no Projeto
Antártica 360º outros especialistas, amigos e um grupo de radioamadores que
acompanha o dia-a-dia de Amyr quando ele está no mar.

Viagem à China – O próximo plano de Amyr Klink é chegar à China pela
passagem polar norte, uma rota de circunavegação da Terra passando por todos
os oceanos. Seis tripulantes conviverão durante três anos no mar, percorrendo
50.000 milhas. "Mas esta é uma equipe diferente: não vai ter comandante e
tripulação. Vamos ser todos comandantes". Eles embarcarão no Paratii 2, uma
escuna polar de dois mastros, medindo 93 pés e deslocando 100 toneladas. O
projeto para a viagem está sendo desenvolvido desde 1993.

A palestra de Amyr Klink abriu a 6ª Sisa – Semana de Integração e Soluções
Administrativas) promovida pela Diretoria Geral de Recursos Humanos.

Torcendo por um cataclismo

O que eu mais queria na Antártica era uma chance de utilizar um equipamento que
ainda não tinha sido testado. Torcia por um cataclismo meteorológico. Até que
passei pela primeira depressão. As ondas tinham mais de 12 metros de altura e
eu estava totalmente em pânico. Passei o dia inteiro em pânico.

Num momento em que entrei na cozinha, a porta se fechou e de repente eu estava
grudado no teto. O barco deu mais um solavanco, as gavetas se abriram e todas
ferramentas estavam no teto comigo. Ouvi um estrondo tão grande, do novo mastro
batendo contra o mar, que tive certeza de que ele tinha se quebrado. Era o teste
que eu esperava. Sai para fora e vi que o mastro tinha suportado o impacto.

Na metade do dia seguinte a situação era a mesma. A pasta de dente estava dura
e não saía do tubo, o detergente também não, o azeite também não. Tudo
congelado. E eu ainda tinha de administrar o sono, uma coisa vital. Podia dormir
apenas em intervalos de meia hora.

Curiosamente, eu me sentia bem naquele dia, como poucas vezes em minha vida.
E fiquei pensando sobre o que define a sensação de bem-estar. Sempre pensei
que bem-estar fosse algo ligado a conforto físico. Que tivesse relação, ainda que
remota, com o fabricante da cadeira onde a gente está sentado, com o fabricante
do carro que a gente usa para passear, com o tamanho da casa onde a gente
mora ou com o tamanho da conta bancária. Naquele dia tive certeza de que
bem-estar nada tem a ver com benefício de ordem material.

Eu estava gritando sozinho, como um louco, cabelos ao vento, num estado de
euforia impressionante. Foi a primeira vez, em quatro anos de trabalho, que me
veio a certeza de ter optado pelo mastro correto. A sensação de que acertamos,
de que estamos indo na direção certa, é muito difícil de definir".


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