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Jornal da Unicamp - Setembro de 2000
Página 11
ARTE
Corpos
em silicone
Artista
plástica usa polímeros para construir pés, mãos e
seios,
expondo sua leitura do mundo
ANTONIO ROBERTO FAVA
A escultura mostra um busto de
mulher, os seios nus. De um deles sai um longo
fio branco, que simboliza o leite materno. A artista vai
tecendo, de maneira
compulsiva, pontos de crochê com o fio de leite
confeccionado em silicone. Aquele
fio que conduz o leite, o alimento, é o mesmo que produz
a arte.
Por um Fio integra um conjunto de 17 trabalhos
intitulados "Corpos em silicone:
uma escultura derivada", em exposição na Galeria
de Arte do IA da Unicamp. A
mostra é fruto da dissertação de mestrado da artista
plástica Marta Strambi,
defendida recentemente sob orientação do professor
Julio Plaza Gonzalez.
Professora de escultura e detentora de vários prêmios
nos principais salões de
arte brasileiros, Marta serviu-se de um tipo de material
até então pouco usado nas
artes plásticas: a borracha vulcanizada de silicone,
designação genérica dos
polímeros que contêm átomos de silício e de larga
utilização industrial. Com esse
material ela constrói pés, mãos, seios, barrigas,
nádegas e punhos, geralmente
moldados à mão a partir de modelos reais. "Minha
pesquisa é um trabalho reflexivo
e de leitura de mundo", ressalta a artista.
A série "Fadário" é constituída por 102
pés de criança, com idade entre seis e
nove anos. Eles foram confeccionados com algenato,
material muito usado na
fabricação de próteses dentárias. Depois de moldada
em silicone, a peça passa
por um processo de secagem durante uma hora; em seguida,
vem o acabamento à
base de coméstico para maquiagem.
A obra, segundo a artista, reforça a idéia de
fragmentação e relaciona-se com
tatuagens e objetos do cotidiano num recorte de
"tempos aprisionados". São
corpos, derivações e performances "que falam das
angústias e frustrações do ser
contemporâneo", diz.
Simbolismo Para construir sua obra, Marta gastou
mais três anos em pesquisa.
Nesse tempo seus trabalhos integraram fases distintas,
mas todos partindo do
simbolismo fragmentário do corpo humano, em
contraposição a objetos do
dia-a-dia. Pode-se dizer que a primeira série começou
com O Oco e a Origem, que
por sua vez inspirou o texto inicial de dissertação de
mestrado A pele como
escultura.
"Senti uma imensa e curiosa necessidade de falar do
corpo em suas mais
diversas expressões, num momento em que eu buscava a
leveza, a espiritualidade
e a liberdade através de fragmentos do corpo",
afirma a artista referindo-se a obras
como Uno, que mostra as pontas de vários pés como se
fossem asas de anjos. A
fase posterior se configura em Realidade Construída,
metaforicamente expressa
por um par de pernas, um cubo azulejado e um ralo de pia
de banheiro, como na
obra Privatto, e ainda representadas pelas esculturas
Fonte para Salamandra, O
Destino e A Sorte.
As outras três séries representadas na exposição
Campos Derivados,
Incorporações Compulsivas e Corpos Poemas
remetem a artista a uma reflexão
sobre questões que a afligem. "Há uma espécie de
crítica social através da qual
procuro usar a ironia e o deboche como forma de pensar
aquilo que me incomoda",
revela. Assim Mesmo é uma peça inquietante: mostra um
fio de silicone saindo do
ventre desnudo como se fosse o cordão umbilical.
Em todos os trabalhos o silicone ganha textos escritos
com uma máquina de fazer
tatuagens. Nesses escritos, Marta desenvolve a sua
metáfora e suas críticas. Na
peça Bolso, que representa um arquivo morto, mãos
femininas ganham números
de série. Já na obra Abdominais, da série Corpos
Poemas, há a seguinte
inscrição: "Meu segredo de longe, ainda que
comigo, mitifica meu desejo". Para a
artista, as tatuagens aplicadas no silicone de suas obras
são também metáforas
que não se apagam com o tempo.
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