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Jornal da Unicamp - Setembro de 2000
Página 8
SAÚDE
A
ciência das agulhas
Medicina
ocidental cede cada vez mais espaço à acupuntura, que
já vem interagindo com a alopatia em quase todas as
especialidades
ISABEL GARDENAL
Diz a lenda que um homem primitivo
da China, exausto em suas andanças,
sentou-se para descansar, apanhou uma pedra pontiaguda e
apertou-a
casualmente em um ponto próximo ao joelho. Sentiu-se
revitalizado,
repentinamente. O macete se espalhou e os mensageiros que
vieram depois,
correndo de uma vila a outra para levar cartas e
notícias de guerra, passaram a
carregar na sacola pontas de bambu. No meio do percurso,
usavam os bambus
para estimular aquele ponto da perna, recarregando
energias para chegar ao fim da
jornada.
Há 5 mil anos, sábios chineses já sabiam que seus
antepassados cutucavam o
36º ponto de estímulo do estômago, que possui um total
de 45 pontos no corpo. O
chamado "estômago 36" fica três polegadas
abaixo da linha média do joelho, parte
lateral. Esse nome é tradução fiel do ideograma
chinês, que significa "caminhar
três milhas com os pés".
Os sábios formularam então um método terapêutico
natural, a acupuntura, termo
que vem da associação de "punctura" e
"pontas", punção por pontas. Consiste na
introdução de agulhas muito finas em pontos cutâneos
precisos para eliminar
perturbações funcionais ou aliviar dores. Os mestres
chineses formularam também
a teoria da harmonia no universo, do equilíbrio entre a
natureza e o homem, o Yin e
o Yang. Para eles, há sempre um equilíbrio entre
forças naturais complementares:
dia e noite, sol e lua, água e fogo, montanha e
planície, plantas e flores, pedras e
areia, calor e frio, homem e mulher, trabalho e repouso,
tensão e relaxamento ...
Este equilíbrio entre duas forças opostas e
complementares também ocorreria
dentro do organismo humano.
Adesão do Ocidente A história acima é contada
pelo cardiologista José Rocha,
que coordenou o I Simpósio de Acupuntura da Unicamp,
promovido pelo Centro
Acadêmico Adolfo Lutz (Caal) em 19 de agosto. "O
intuito foi incentivar a ciência
das agulhas no meio universitário e em instituições de
saúde que ainda não a
adotaram", afirma.
As palestras equivaleram a um curso básico de
acupuntura, avaliando-se a visão
do Ocidente sobre a prática oriental. A adesão é boa.
Os Estados Unidos
registraram um aumento de 40% no emprego da acupuntura,
adotada em quase
todas as especialidades como eficaz anestésico,
relaxante e antiinflamatório, na
cura de doenças crônicas e também em seu aspecto
trófico, que engloba os
cuidados ao paciente como um todo.
A associação da acupuntura com a medicina ocidental é
uma tendência
crescente. O Brasil foi o primeiro país deste lado do
planeta a reconhecer o
método terapêutico chinês como uma ciência médica,
conforme ressaltou a
anestesista Patrícia Ramalho Filier, do Departamento de
Anestesiologia da FCM.
Apesar de ter mergulhado fundo na acupuntura, recebendo
no ano passado o título
de especialista, Patrícia não desprezou sua formação
alopática. "Percebi que, na
medicina chinesa, não havia como racionar sob o ponto de
vista ocidental e
vice-versa. Hoje associo as duas técnicas, o que só
traz benefícios aos
pacientes".
Sucesso terapêutico A acupuntura obviamente não
teria atingido esse patamar
sem apresentar sucessos terapêuticos. Ela já demonstrou
bons resultados no
tratamento de doenças respiratórias, circulatórias,
reumatológicas, de pele, dos
aparelhos urogenital e digestivo, e do sistema nervoso.
Alguns trabalhos recentes evidenciam que a acupuntura
também aumenta a
imunidade do organismo. Uma pesquisa chinesa, por
exemplo, mostra que a
administração de morfina em cateter peridural para
tratamento de dor
pós-operatória provoca no paciente uma depressão
imunológica. Mas, se esse
mesmo procedimento vier associado com a acupuntura, não
haverá esta reação.
Portanto, a resposta do paciente ao trauma cirúrgico é
melhor e provavelmente
com menores complicações infecciosas.
O ritual de introdução das agulhas, geralmente de aço
inoxidável e espessura de
0,25 mm, assusta os ocidentais, embora o procedimento
seja simples, indolor e
sem efeitos colaterais. Usualmente associam-se vários
pontos do corpo de modo
a obter efeito fisiológico sinérgico. O ideal é
utilizar a menor quantidade de agulhas
possível. Na história da medicina chinesa, jura-se que
existiram mestres
acupunturistas que usavam uma só agulha. Esses eram dos
bons.
Teoria dos Meridianos
O interesse pela cultura chinesa e sua medicina levou a
anestesista Patrícia Filier
a se especializar em acupuntura, técnica que pratica em
consultório. Sua palestra
sobre a "Teoria dos meridianos", uma das bases
milenares da ciência das
agulhas, foi um dos destaques do simpósio realizado na
Unicamp. Ela satisfez,
por exemplo, à curiosidade daqueles que desconhecem por
que o acupunturista
introduz uma agulha na perna se o problema é no
estômago ou na cabeça.
A acupuntura explora as energias vitais do corpo que
circulam através dos
meridianos, uma rede de minúsculos canais. São 12
meridianos principais, dois
extras e várias ramificações ainda menores, que
conectam os órgãos vitais
internos a todas as demais partes internas e externas.
Eles afloram na pele, que
então apresenta milhares de pontos de acupuntura, onde
há concentração de
energias.
A técnica permite modificar o estado energético do
meridiano ou do órgão afetado.
Hoje, sabe-se que muitos desses pontos têm conexão com
terminações nervosas
livres, que estimulam o sistema nervoso central em seus
variados níveis (medular e
encefálico), liberando substâncias analgésicas
(endorfinas) e neuro-hormônios
(noradrenalina, serotonina). Ainda se desconhece qual
seria a conexão
metamérica precisa. Assim, se um local está muito
dolorido, ele pode ser
anestesiado com a introdução da agulha no meridiano
correspondente em parte
oposta do corpo, antes da manipulação do ponto de dor.
"Aí, bloqueamos a dor",
afirma Patrícia.
A medicina chinesa ensina que nesses meridianos fluem
energia e sangue, "chi" e
"xue". Aplicando-se agulhas nos pontos do
meridiano do estômago, podem ser
tratados desequilíbrios do sistema digestivo e da
resistência orgânica; se os alvos
forem os pontos do coração, eliminam-se distúrbios do
sono, ansiedade, estresse.
E assim por diante.
A estimulação do ponto de acupuntura pode se dar de
várias formas: agulhamento,
calor (moxa), luz, atrito, laser, eletricidade
(eletrodos), ventosas, injeção de
substâncias. Conhecendo o trajeto, fica fácil realizar
o diagnóstico e, na maioria
das patologias, o tratamento. Por isso é essencial o
estudo da localização e da
função dos pontos descritos na "Teoria dos
meridianos".
Doença não existe O homem é integrante do
ambiente, ressaltam os chineses.
Se ele for alvo de fatores externos e seu organismo não
estiver equilibrado, os
fatores internos tendem a se desorganizar. Em acupuntura,
a palavra doença não
existe; o termo é "desarmonia". Daí a
necessidade de harmonizar o corpo através
dos meridianos, para que as energias circulem
adequadamente.
Ao término das sessões de acupuntura, pacientes apontam
sensações de
bem-estar, sonolência, relaxamento, felicidade. É como
se tivessem passado por
um longo exercício físico.
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