Procurando o caminho da roça Ex-lavradores, demitidos
de fábrica de armas, espelham como a agricultura está insustentável
A
cidade de Piquete, perto de Aparecida, possui uma população rural
de mil pessoas, uma das menores do Estado de São Paulo, dentre um total
de 15 mil habitantes. Já teve 5.000 lavradores que, atraídos por
uma indústria bélica instalada no município, desceram a Serra
da Mantiqueira atrás de novos rumos. Atualmente eles vivem à deriva.
A empresa está sendo desativada e 4.000 empregados já foram colocados
na rua. Não têm como voltar à roça. O que levou
esses homens do campo a abandonarem suas propriedades, trocando uma atividade
autônoma saudável pelo relógio de ponto e o chumbo grosso?
As respostas estavam no Fórum de Debates da Cientec, dentro do módulo
sobre Desenvolvimento Sustentável: a perda da auto-estima e
uma política agrícola que privilegia os grandes produtores especializados
e a indústria química. O
atrelamento de sementes geneticamente melhoradas a todo um pacote de insumos e
defensivos químicos tornou a agricultura impagável. Até os
grandes estão quebrando. Nos Estados Unidos, o maior índice de suicídios
ocorre entre agricultores endividados, informa o pesquisador Paulo Frederico
Petersen, da Assessoria e Serviços a Projetos de Agricultura Alternativa
(ASPTA). Resumindo,
a agricultura está insustentável. E, pior, tornando a própria
vida sem sustentação ao destruir o meio ambiente. Os mais de dez
palestrantes do módulo discutiram um conceito que se disseminou a partir
de 1992, com o advento da Conferência Mundial das Nações Unidas
para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Eco 92, realizada no Rio: como se
desenvolver sem destruir? O
pesquisador precisa deixar os campos experimentais e respeitar os conhecimentos
do agricultor tradicional, defende Paulo Petersen, acusando as instituições
de pesquisa estatais de terem deflagrado, ingenuamente, esse artefato que está
detonando a lavoura brasileira e mundial. Ele defende a recuperação
de antigas práticas agrícolas e a recuperação de genótipos
para o desenvolvimento de variedades que não tenham tanta dependência
em relação à indústria química. Os
representantes dos órgãos oficiais de pesquisa aceitam a crítica,
mas lembram que não estão passivos. A Embrapa Meio Ambiente (Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária) de Jaguariúna e a Cati (Coordenadoria
de Assistência Técnica Integral, órgão do governo paulista)
desenvolvem trabalhos de ponta, não só para reverter tal processo,
como também para corrigir os prejuízos. Ecoturismo
Em Piquete, a bucólica cidade da Mantiqueira, a Cati vem tocando
um projeto de ecoturismo associado ao artesanato, dentro do Programa de Microbacias
Hidrográficas, segundo anuncia Jovino Paulo Pereira Neto. Vendem-se peças
de renda, queijo e se dá hospedagem, como saída para os ex-lavradores
demitidos da indústria de armamentos. Trata-se
de um programa participativo, cuja proposta é viabilizar um projeto de
desenvolvimento rural com ênfase na agricultura familiar, melhorando a qualidade
de vida dessas pessoas por meio de atividades não predatórias,
explica Jovino. Este programa, de acordo com ele, está sendo divulgado
para outros municípios, que, para adotá-lo, dependem apenas de uma
seleção feita pelo Conselho Regional de Desenvolvimento Rural da
Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo. Antônio
Carlos de Souza, ex-coordenador geral da Cati, lembra que os empregos na zona
rural estão desaparecendo em velocidade proporcional à mecanização
da lavoura, que vai do cultivo à colheita. Em sua palestra sobre O
espaço rural em políticas públicas municipais, ele
enumerou uma variedade de alternativas já aplicadas no campo e que, muito
mais que paliativos, na verdade podem se transformar em uma indústria.
Perdiz
e marreco Baseado em estudos do professor José Graziano da Silva,
do Instituto de Economia da Unicamp, Souza informa que o Brasil, hoje, é
um dos maiores produtores mundiais de perdizes, marrecos e pavões, entre
outras aves destinadas a culinária ou ornamentação. Capivara,
jacaré-do-papo-amarelo, javali, escargot, frutas e legumes orgânicos,
tudo isso são alternativas para ampliar a renda das famílias rurais,
observa. A Cati, acrescenta o pesquisador, desenvolve projetos neste sentido em
pelo menos 600 municípios paulistas.
Antônio
de Souza cita Holambra como um exemplo de prosperidade através de cultivos
alternativos, no caso flores e plantas ornamentais. Esse tipo de cultura
pode empregar até 50 pessoas. Alguns produtores estão abandonando
a atividade tradicional para entrar no negócio, conta. Maria Tereza
Pedroso, pesquisadora da Universidade de Brasília, deixa claro que quaisquer
políticas públicas voltadas ao desenvolvimento sustentável
esbarram em quem detém o poder. Durante o governo de Cristóvam Buarque,
no Distrito Federal, foi criado um balcão de insumos para pequenos produtores
que queriam, por exemplo, produzir doces, mas não conseguiam comprar vidros
para acondicioná-los porque o produto só era vendido em grande quantidade.
Mudou o governo e, talvez por isso, Maria Tereza só falou no tempo passado. Sem
santos ou demônios ---------------------
Pensamento
que vem do século 19
O
desenvolvimento sustentável, pensamento tido como emergente na década
de 90, é propagado desde o século 19. Paulo Petersen, apreciador
da história da agricultura, descobriu um fazendeiro do município
carioca de Cantangalo que descreveu a prática agrícola de 1898:
Só cuida de transformar terra em capital, ainda que sugando a última
seiva de sua vida vegetal, sem se importar em formar o patrimônio futuro
de seus filhos guarnecido de todos os meios que garantam a perpetuidade.
Petersen
observa que a pesquisa estatal vem sendo desmontada gradativamente e não
será a iniciativa privada que irá resolver o problema da fome ou
da escassez de alimentos no mundo. O desmonte do estado é generalizado.
Mas no caso da agricultura, especificamente, isso representa a incapacidade de
regular nosso desenvolvimento. Ou o estado protege a agricultura ou ela fica quebrada,
adverte. Mesmo
com a agricultura protegida pelo estado, o pesquisador guarda uma ressalva: Não
basta manter as instituições oficiais fortes, é preciso mudar
seus conceitos, argumenta, referindo-se à necessidade de chamar o
agricultor para as pesquisas, uma tendência mundial que está em franco
crescimento.
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