Jovens analfabetos Campinas,
pólo de alta tecnologia, é a 3ª cidade paulista em adolescentes
fora da escola
Os
números da contradição podem ser colocados em qualquer quadro
negro de uma escola perdida na periferia brasileira: Campinas, um dos maiores
pólos de tecnologia da América Latina, é a terceira cidade
em analfabetismo juvenil do Estado de São Paulo, ocupando a mesma posição
em adolescentes fora da escola. As estatísticas, fruto de estudo da Assembléia
Legislativa paulista, foram reveladas na palestra As mudanças do
Ensino Básico: adequação, impactos e perspectivas,
durante a Cientec, pela professora da Faculdade de Educação (FE)
da Unicamp e secretária municipal de Educação de Campinas,
Corinta Geraldi, que pregou um novo modelo de escola. Para ela, apenas a inversão
de setas poderá minimizar os efeitos devastadores de tamanha situação
de desigualdade. A
falta de canais de inserção social para essa parcela da juventude
reforça, na opinião de Corinta, a necessidade de implantação
de processos de comunicação que atinjam esse público, sobretudo
na facilitação de acesso aos códigos culturais. Atenta às
manifestações culturais emergentes, Corinta cita o movimento hip
hop fincado nos arrabaldes campineiros como emblemático na resistência
à degradação, além de ser um ponto positivo
de um movimento afirmativo de identidade, expresso na música, nas artes
plásticas e no grafite. Como
abrigar esse contingente é outra questão colocada pela secretária,
para quem a meninada é obrigada a se inscrever na escola, mas entra
por uma porta e sai pela outra porque não sabemos como mantê-la.
A distorção, segundo ela, começa na crença de que
a educação básica deva ser aulas de geografia, história,
matemática, português, do jeito que está colocado nos parâmetros
curriculares nacionais que, por sua vez, atendem à avaliação
moldada nos padrões de uma reforma internacional do capital. A
receita do bolo é complicada, mas Corinta acredita que introduzir
o batalhão de excluídos e suas manifestações culturais
no ensino e no mundo acadêmico exige ingredientes desprezados pela cegueira
oficial. Antes de tudo, é necessário tornar a escola um espaço
habitável. O próximo passo seria transformar esse mesmo espaço,
hoje degradado, em abrigo produtor da multiplicidade e da diversidade, no qual
a homogeneização asséptica seja expulsa impiedosamente. Um
espaço que traga de volta a cidadania banida pela ausência de territorialidade. A
professora da Unicamp lembra que, nos códigos éticos peculiares
dos habitantes da periferia, escola e criança são sagrados.
Pensar políticas para o eixo de inclusão seria eventualmente
facilitado em razão dessa ética, que é respeitada mesmo com
o crescimento da ação do narcotráfico nos bolsões
de miséria. Cita como exemplo um trabalho feito por ela e alunos da Unicamp
em um assentamento em Mogi Mirim, erguido por ex-lavradores que, expulsos de suas
terras por diversas razões, ocuparam postos na indústria. Se de
um lado os pais voltavam às suas origens depois de baixas na carteira de
trabalho, do outro, seus filhos, criados na atmosfera urbana, se refugiaram nas
drogas por não conseguirem se identificar com as coisas da terra. Pior:
marginalizados, não reencontraram seu lugar na cidade. O nosso grau
de preparo para enfrentar essa situação é o grande desafio. Importado
- Corinta acredita que, para mudar as prioridades de governo é necessário
contextualizar o atual modelo de ensino país, implantado, segundo a secretária,
a partir das chamadas reformas neoliberais instauradas à época de
Margareth Tatcher. Essa reestruturação teria produzido, diz a educadora,
um tipo de trabalhador que desse conta apenas das demandas de mercado. Uma política
que repercutiu diretamente no ensino. Hoje não se fala mais de sujeitos,
mas sim em competências cognitivas e habilidades. Não existe mais
gente nas diretrizes curriculares. Mudar uma estrutura que descarta pessoas
que pensam e tenham conhecimentos, avalia Corinta, implica em ferir interesses
de organizações detentoras de verbas. Como
secretária municipal, Corinta já enfrentou problemas com entidades
assistenciais voltadas para a educação infantil que ficaram com
verba de subvenção social em detrimento do ensino público.
A professora esclarece que apóia o trabalho dessas entidades, mas considera
uma distorção que parte dos 25% destinados à educação
seja desviada numa cidade que tem um déficit de 10 mil vagas na educação
infantil e cinco mil na educação integral, atropelando até
preceitos previstos em lei. Ainda está previsto na gloriosa história
de luta dos educadores, mesmo disfarçada e modificada no substitutivo da
Lei de Diretrizes e Bases, que a educação básica e o ensino
da educação infantil é uma obrigação do Estado.
Subvenção social é outra coisa, não pode ser dada
com essa verba, pondera. Onipresente
Corinta fala de Campinas, mas ressalta que esse quadro é onipresente
em todo o país, cuja taxa de sobrevivência nacional na educação
está na faixa de 22%, uma das mais baixas do planeta. Um reflexo, diz,
da padronização internacional imposta pela globalização,
que enterra os conceitos do que seja uma nação e interessa aos poderosos
por manter o Estado mínimo, sobretudo no que diz respeito às políticas
públicas, destinando o máximo para o capital. No
caso de Campinas, um dos mecanismos para reverter a situação será
o orçamento participativo, que possibilitará a construção
de 22 creches, a maioria delas localizada na periferia, tão esquecida quanto
as de todas as grandes cidades brasileiras. Corinta culpa a estrutura podre
da organização burocrática, a demagogia e o populismo
em relação ao funcionalismo pela degradação do ensino
público no país. Lembra que os alunos são matriculados à
revelia para constar nos relatórios enviados pelo MEC ao Banco Mundial,
em documentos que não batem com a realidade. Estresse
Tantos problemas, diz, repercutem diretamente no precário funcionamento
da rede pública de ensino. Essa tensão colocada no cotidiano
faz com que os profissionais trabalhem no limite, estressados, gerando níveis
de doença até então inimagináveis, revela, corroborando
denúncias feitas por educadores no último Congresso de Leitura (Cole),
realizado na Unicamp em julho. Segundo Corinta, 30% dos monitores e professores
da rede de Campinas estão em licença médica. Para que esse
jogo cruel termine, prega, é necessário investir dinheiro
público na periferia e apostar na melhoria da qualidade de ensino. É
preciso investir nesse eixo do desemprego, a partir do eixo do capital.
Só assim, acredita, será possível pensar um futuro melhor
para o país.
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