Rabiscando música Núcleo cria software educacional
para aguçar sensibilidade dos alunos
Sentado
em frente à tela do computador, o professor Jonatas Manzolli, do Instituto
de Artes (IA) da Unicamp, corre o mouse sobre a mesa e, no monitor, faz surgir
um rabisco. Repete o gesto. Ora de forma mais longa, ora mais curta. Cria pequenos
pontos no espaço em branco. Leva o cursor para outro quadrante, escolhe
uma cor diferente e continua a desenhar. Risca, faz arabescos. E, ao dar o comando
final, a surpresa: cada traço é componente de uma estrutura musical.
O desenho colorido e com ares infantis na tela do computador é nada menos
que uma partitura. Divertida. Estranha aos olhos de quem aprendeu a ler música
a partir das claves de sol ou de fá. O resultado? Uma música. Também
estranha aos ouvidos acostumados com as melodias comerciais, remanejadas tantas
vezes para parecerem novas. Na
Cientec, o carro-chefe do Núcleo Integrado de Comunicação
Sonora (Nics) coordenado por Manzolli, foi este software que o pesquisador (e
seu idealizador) intitulou Rabisco e que prendeu a atenção
de visitantes de todas as idades. Exposto no palco montado no pavilhão,
fez sobressair a proposta do Nics: aguçar a sensibilidade humana, ainda
que o instrumento para isso seja a tecnologia. O
estímulo não se dá somente no lado lúdico, poético
e sentimental, mas sobretudo visando que as pessoas, em contato com o software,
se tornem mais perceptivas. Você pode olhar a tecnologia como objeto
diminuidor se, por exemplo, colocar uma criança na frente da tevê
o dia todo. É claro que isso reduz o potencial cognitivo. Mas você
deve olhar para a tecnologia de outro jeito, como fazemos com o Rabisco.
A pessoa vai lá, seleciona um instrumento e, quando ela risca a tela com
o cursor, ouve o som daquele instrumento. A partir daí, pode-se trabalhar
com sons que as pessoas ouvem sempre, mas não percebem. O canto de um pássaro,
vamos supor. O resultado pode ser uma reflexão maior na hora de compor,
afirma Manzolli. A
palavra tecnologia aplicada ao projeto Rabisco tem uma só tradução:
tecnologia é um microscópio cognitivo, que aumenta a percepção
do som. É um jeito de desmistificar aquela velha história
de que a sonoridade é uma dádiva, apenas. Há pessoas com
maior facilidade para perceber os sons, mas o Rabisco permite explorar
o som de um jeito que você nunca explorou, comenta o professor. Quem
toca, muitas vezes pode ser um datilógrafo do piano: perfeito, preciso,
mas sem a essência necessária para sentir a música,
acrescenta. Originalmente,
o Rabisco seria um software voltado ao público adolescente.
Nós, do Nics, tivemos a idéia de oferecer a educadores o acesso
ao instrumento via Internet, fazendo com que escolas implementassem o programa
num novo formato de educação. A idéia inicial era que crianças
tivessem esse contato. Depois, ampliamos isso para a molecada de 6ª a 8ª
série, informa Manzolli. Mas, a necessidade do ser humano de sentir
a si próprio, fez com que o software ganhasse admiradores adultos e idosos
durante a Cientec. Conseguimos mostrar que não estamos dizendo não
estude música. Queremos dizer estude música, mas a sinta
também. E parece que o recado está dado. Com
instrumentos Depois de testar o software e ver que pode perceber a
melodia sem se prender a uma partitura tradicional, o público quer mais.
Quer conhecer e saber onde pode chegar. Durante uma jam session realizada na mostra
com outros músicos, o pesquisador juntou os sons do software aos de instrumentos
convencionais violão, teclado e percussão. E se surpreendeu
com os aplausos. Quatro músicos e um Rabisco podem mexer
com os sentimentos das pessoas, e isso é gratificante. O software
permite a escolha de quatro instrumentos, que podem ser acionados concomitantemente
ou à medida que o compositor desejar. Do piano clássico ao tambor
japonês. Do xilofone ao som de um helicóptero. Um risco mais à
esquerda, um som mais grave. Um ponto à direita da tela, um gemido acutíssimo.
Criatividade? Quanto mais, melhor. E, mesmo que no final das contas o resultado
seja amador, o compositor primário se sente envolvido, sem ver o tempo
passar, ainda que estivesse trabalhando com a temporalidade desde o primeiro traço.
No mínimo, conheceu um caminho para afinar sua sensibilidade e começar
a perceber sons escondidos atrás dos ruídos cotidianos. ------------------- >>
Tirando som dos sapatos Cordas
virtuais
O
coordenador Jonatas Manzolli levou à Cientec outra proposta do Núcleo
Integrado de Comunicação Sonora (Nics): o projeto Cordas Virtuais,
desenvolvido por um de seus alunos e que ainda está em fase de aperfeiçoamento.
Trata-se da criação de instrumentos musicais virtuais que, a princípio,
seriam de cordas. O objetivo é armazenar o maior número de dados
possível num software visando construir os novos instrumentos. Depois
de especificar afinação, tablatura (posições), ritmos,
modelo físico, distância das cordas, entre outras informações,
cada instrumento poderá ser disponibilizado na Internet. Criado um ambiente
e adaptado o produto à linguagem Java, permitindo o acesso pela rede, passa-se
a uma nova etapa do projeto: distribuir questionários via web para pessoas
que se interessem em colaborar com o acervo de informações do Nics.
A pessoa poderá atuar sobre o projeto. Isso vai de um cavaquinho
à guitarra, afirma o músico. O
produto apresentado na Cientec que ainda não é o resultado
final dos estudos está muito próximo das características
de um violão. Ressalte-se: dentro de um software. E esse é
o resultado do trabalho de apenas um mês, ressalta o professor Jonatas
Manzolli. |
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