A era da secura Em
tempos de apagão, a água é a grande preocupação
da humanidade
Se
os atuais tempos de apagão apavoram muita gente, outra ameaça
não de toda distante, da era da secura, certamente vai apavorar
muito mais. Na crise energética que o Brasil atravessa, o imediatismo dos
enfoques tem feito com que a questão da água desponte, muitas vezes,
de forma apenas subjacente. No entanto, quando enquadrado num fórum privilegiado
como a Cientec 2001, é possível captar o grau de importância
que o assunto já assumiu no ranking de preocupações da humanidade.
Os
debates acerca dos recursos hídricos foram o fio condutor do módulo
Meio ambiente e ecologia. Convidando a uma severa reflexão
sobre o quanto a continuidade da vida no planeta depende desse recurso, que
como se não estivesse clara a sua natureza esgotável , passa
por uma série de utilizações negativas. No conjunto das exposições
dos especialistas, esta realidade explicitou o tamanho do risco para a qualidade
de vida e para qualquer modelo de desenvolvimento sustentável que a civilização
venha conceber. E,
na verdade, não é no campo frio dos conceitos que reside a força
dos argumentos, nesse caso. Como se quisesse mostrar como a degradação
de uma imagem que trazemos congelada em nossa memória é
capaz de nos atingir na garganta, o pesquisador Aderaldo de Souza
Silva, da Embrapa Meio Ambiente, começou por citar o Rio São Francisco,
aquele da integração nacional, segundo a denominação
ufanista dos mapas mundi da nossa iniciação escolar. Para, em seguida,
bombardear o público com uma seqüência de slides, nos quais
o Velho Chico desponta como um dos megacursos dágua mais
poluídos do mundo. Um
anti-cartão postal para um país que retém a maior bacia hidrográfica
do mundo e ocupa o segundo lugar em termos de potencial para irrigação
de culturas agrícolas. Segundo a Agência Nacional da Água,
os rios brasileiros contribuem com 12% do total de água doce existente
no mundo. Contudo, nada menos que 83% dos domicílios deixam de ser beneficiados
satisfatoriamente pelo abastecimento público do produto, e apenas 8% das
cidades dispõem de sistemas de tratamento. Dissabor
dos ventos Tendo como cenário de trabalho uma região
bem assolada pela seca, Souza Silva clama pela necessidade da disseminação
do Diagnóstico Ambiental Remoto: Não podemos mais continuar
mudando nossos programas ao sabor da direção dos ventos, ilustra.
Precisamos de informações em tempo real, ou seja, de alta
tecnologia. Informando que a Espanha recentemente construiu 22 estações
automáticas de alerta, a um custo de US$ 200 mil cada, o pesquisador compara:
No caso do São Francisco, com menos da metade, estaríamos
em posição satisfatória. Em
âmbito nacional, porém, a Embrapa consegue manter uma excelência
de Primeiro Mundo. Há dois anos em operação, o Sistema de
Monitoramento por Satélite, com base em Campinas, faz o acompanhamento
hídrico em 25 tipos de solos, abrangendo 11 estados. Graças a essa
tecnologia, produtores rurais podem se informar sobre a água disponível
para as plantações, tendo em vista a localidade, tipo de solo, profundidade
de enraizamento etc. O próprio pesquisador frisou o papel estratégico
que a qualidade da água para fins agricultáveis está prestes
a desempenhar na economia brasileira: A partir de 2003, isso será
mais um dos padrões para a exportação de nossos produtos,
em consonância, por exemplo, com os parâmetros cada vez mais exigidos
pela Comunidade Econômica Européia. E lançou um alerta:
Assim, nós que reclamamos tanto das tais barreiras tarifárias,
temos de cuidar para não sermos surpreendidos pelas novas barreiras tecnológicas. Nação
sumidoura Entretanto, nem só de sucesso na balança
comercial vive bem um povo. A potabilidade da água é outro ponto
preocupante. O fato de deter uma considerável fatia do estoque mundial
de água doce não parece animar, ainda, o Brasil a valorizar essa
vantagem. Levantamento da ONU indica que o país também consegue
desperdiçar um terço desse recurso com o agravante de ser
nas formas tratada e encanada. No Estado de São Paulo, por exemplo, a era
da secura pode se abater em coisa de cinco anos. Afinal, a Sabesp (Companhia
de Saneamento Básico de São Paulo) vem alertando os cerca de 10
milhões de paulistanos contra o sumidouro sistemático
de mais de 30% da água. São
sinais assim que reforçam a premência da criação dos
comitês das bacias hidrográficas do Estado (já são
20, sendo que o dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí foi o pioneiro,
instalado efetivamente em 1993). Ou ainda, de iniciativas como o Programa Estadual
de Microbacias Hidrográficas. Segundo José Luiz Fontes, pesquisador
da Cati, das 1,5 mil existentes, uma centena já conta com execução
de atividades, a um custo de US$ 124 milhões, sendo US$ 55 milhões
financiados pelo Banco Mundial. O
feudo da seca O professor de ecologia da PUC-Campinas, Francisco Borba
Ribeiro Neto, ressaltou, porém, a necessidade de se elencar e manter bases
ecológicas para o manejo dos recursos das bacias: Uma política
ambiental adequada age sempre no nível das causas. O que pode soar óbvio,
mas a gente tem a triste mania de esquecer o óbvio.
O
especialista alertou para os efeitos danosos para a qualidade de vida e para a
economia, que advêm da acirrada competição pela água:
Quando pensamos em bacia hidrográfica, temos de considerar que hoje,
cada vez mais, se acelera a integração dos campos urbano, agrícola
e industrial. E, considerando que a mesma integração praticamente
inexiste na gestão dos problemas urbanos, critica: Vivemos numa sociedade
feudalizada, com baixo nível de intercâmbio técnico-científico
e mecanismos pouco eficientes de resolução de conflitos. A
centralização das decisões nas mãos dos senhores
feudais impede uma solução adequada dos conflitos. Além
disso, segundo ele, deve-se ter uma visão de que as questões
ambientais são regionais, mas só podem ser geridas com eficácia
se respeitado o âmbito das comunidades locais.
Em
outras palavras: são com atitudes aparentemente paroquiais
que o Brasil pode escapar de se inscrever no bloco de mais de 60 países,
do Oriente Médio, Ásia Central e África, praticamente imersos
em confrontos armados por causa do esgotamento da água potável.
O que parece um triller de ficção científica, nada mais é
do que uma constatação da ONU.
Uma
postura menos alarmista
Em
meio a tantos prognósticos sombrios so- bre o meio ambiente, houve
especialista que se pautou por uma postura antialarmista. O diretor do Cepagri
da Unicamp, Hilton Silveira Pinto, considerou exageradas as projeções
de aumento anormal da temperatura global, baseadas na escalada do efeito estufa.
Obviamente, não estou defendendo que a humanidade se entregue ao
descuido total. E é claro que estamos vivenciando uma oscilação
climática natural bem visível. Só que, em consonância
com críticas credenciadas, como as divulgadas pela revista Cience, devemos
nos atentar para a inexistência de estatísticas completas, que sustentem
a tese de uma mudança permanente, observou.
O
subrelatório Mudanças Climáticas 2001: impactos, adaptação
e vulnerabilidade, aprovado por cientistas e estadistas neste ano, em Genebra,
prevê a elevação da temperatura média da Terra de 1,4
a 5,8 graus Celsius, tomando como base o ano de 1990 e estendendo-se até
2100. O respaldo científico para essa conclusão veio do IPCC, sigla
em inglês para Comitê Intergovernamental sobre Evolução
do Clima.
Mas
Silveira Pinto contrapõe: Não existe exatamente um parâmetro
para descartar que não se trata de um fenômeno cíclico que
já tenha se verificado no planeta em eras bem remotas. De acordo
com ele, o Estado de São Paulo não experimentou qualquer alteração
climática catalogável como anormal no último
século. O que tem sido possível mensurar é a ocorrência
de alterações microclimáticas, o que vem sendo popularmente
denominado de ilhas das grandes cidades, conclui o cientista. |
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