A
gente morre na BR-116 Diretora
do Itesp esboça perfil do movimento social no campo em território
paulista A
rodovia Régis Bittencourt (BR-116), que liga São Paulo a Curitiba,
já foi conhecida como a estrada da morte por causa do grande
número de acidentes de trânsito registrados em sua pista única
e constantemente congestionada. Agora, com as obras de duplicação,
bem avançadas, e a conseqüente valorização das terras,
a morte ameaça se transferir para as margens da estrada, onde estão
emergindo conflitos entre posseiros e especuladores imobiliários. Há
um acirramento dos conflitos com os posseiros no Vale do Ribeira, que vai se tornando
cada vez mais intenso, inclusive com tiroteios envolvendo os especuladores,
alerta Tânia Andrade, diretora executiva do Instituto de Terras do Estado
de São Paulo (Itesp), órgão ligado à Secretaria de
Justiça e Defesa da Cidadania do governo estadual. Tânia
falou, de forma contundente e clara, em uma palestra do Fórum de Debates
da Cientec 2001 sobre Movimento social no campo. Entenda-se, por movimento
social, organizações da sociedade civil em busca de soluções
para problemas que deveriam ser resolvidos pelo Estado. O
panorama no campo em São Paulo, segundo a diretora do Itesp, não
se compara a estados como o Paraná, onde a luta pela terra chegou a gerar
uma violência generalizada e com aval do governo. Por isso, a especialista
já definiu pelo menos uma peculiaridade dos conflitos paulistas: Embora
menos violentos, podem ser considerados contínuos. Mortes
em conflitos de terra no Vale do Ribeira foram a marca da região nos anos
60. Mas, atualmente, de acordo com Tânia, é novidade em todo o Estado.
Não existem em São Paulo episódios como massacres,
pancadarias ou seqüestros. Aqui, a principal forma de luta são os
acampamentos às margens da estrada, nas proximidades da terra que o movimento
pretende ocupar. É uma tática bem mais amena do que as invasões.
Mas é contínua, compara. O Itesp fez um levantamento sobre
todos os acampamentos de sem-terra no Estado e concluiu que, até junho
do ano passado, São Paulo possuía 58 áreas de barracas abrigando
aproximadamente 6.100 famílias. Atualmente, segundo Tânia, são
5 mil famílias, uma redução obtida graças a alguns
acordos efetivados com proprietários para o assentamento. Trata-se
de uma média constante. Alguns
desses acampamentos, segundo ela, são de famílias que já
estiveram dentro da área invadida e depois recuaram esperando uma negociação.
Outros acampados estão dentro de fazendas, ocupando pedaços que
variam de 2 a 10 alqueires. Estes conseguiram entendimentos com fazendeiros
que desejam a desapropriação da terra para a reforma agrária,
explica. Quilombolas
- Além do levantamento junto aos acampamentos, o Itesp fez um trabalho
inédito sobre a questão dos quilombolas descendentes de escravos
que viviam ou vivem em quilombos e hoje estão sendo ameaçados de
perder a terra para a indústria imobiliária. Esta também
é uma questão conflitante, com algumas características dos
sem-terra, informa. Nós pesquisamos e localizamos quilombos
em Ubatuba, Ibiúna e Campolim, mais uma em praia do litoral norte, todas
conflitando com interesses imobiliários, adianta Tânia. No
caso de Ubatuba, o quilombo está ao lado de um condomínio à
beira-mar. De acordo com a diretora do Itesp, metade das famílias já
havia abandonado o local. A outra metade estava ameaçada, mas acionou seu
instituto. Entramos com um processo e bloqueamos o despejo, conta.
Logo em seguida, a outra metade voltou e está acampada na praia, esperando
o desfecho do litígio. --------------- Estado
abre espaço aos movimentos sindicais
A
deputada federal Luíza Erundina (PSB-SP) discorreu no mesmo evento que
tratou de Movimentos sociais, sobre a história da industrialização
do eixo Rio-São Paulo, a metropolização e a inevitável
atração da força de trabalho que depois se organizaria em
sindicatos e nos movimentos sociais urbanos. O
movimento sindical, segundo ela, começa e termina no âmbito das relações
entre capital e trabalho e tendo como palco nas fábricas. Já os
movimentos sociais urbanos atingem diretamente ao governo. As contradições
geradas pelo processo de desenvolvimento capitalista remeteram contra seus próprios
autores, centrados no Estado. Sem conseguir dar conta das demandas coletivas,
o Estado abriu espaço para os movimentos sociais, argumenta. Erundina
lembra que esse desenvolvimento gerou demandas por serviços urbanos, tais
como transporte, moradias e educação, e que não foram atendidos
pelo governo. Daí a necessidade de a sociedade civil se organizar
e cobrar, inicialmente, a infra-estrutura mínima. A
deputada garante que esses movimentos urbanos, como os do sem-teto, não
chegam a comprometer o sistema, mas levam a um questionamento contra o Estado
brasileiro e suas contradições. Isso provoca um aumento da
politização de seus participantes e os leva a ter um interesse cada
vez mais amplo, especializado e sofisticado. Depois das casas, saneamento
e asfalto, começam as exigências por creches, parques, bibliotecas
etc. O
padre e professor de teologia da PUC-Campinas, Benedito Ferraro, também
falando sobre os movimentos sociais urbanos, centra seu foco em Campinas, onde
atua junto às pastorais sociais da Igreja Católica. Nesta cidade,
segundo ele, a problemática nos últimos três anos é
alarmante. O movimento envolve nada menos do que 34 mil trabalhadores da indústria
metalúrgica que foram demitidos e mais de 20 mil do setor da construção
civil, que tiveram o mesmo destino. Percebemos
que isso gerou uma busca cada vez maior por tentar solucionar o problema na linha
da economia informal, que não pode absorver todo esse potencial,
afirma, lembrando que, sem emprego, essas pessoas fizeram crescer a demanda pelo
básico da infra-estrutura moradia, saúde e educação,
entre outros. Os movimentos sociais urbanos nascem na dinâmica das
necessidades econômicas e encontram sua desembocadura numa perspectiva política,
resume. O
padre alerta que, para os governantes, esses movimentos jamais poderiam passar
despercebidos. À medida que desvendam diferentes tipos da atuação,
essas reivindicações assumem uma dimensão política
e, conseqüentemente, o exercício da cidadania, afirma, comparando
esse exercício com a fé. A motivação profunda,
que chamamos de fé, articula-se com a vida e a vida é impelida em
diferentes dimensões e até entendida como dado econômico,
argumenta.
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