Suave veneno Especialistas
explicam como a população adoece devido aos resíduos
tóxicos nos alimentos As
pessoas evitam pegar latas amassadas da prateleira do supermercado, mas não
se preocupam com a suave dose de veneno que ingerem diariamente, até com
o pão nosso de cada dia. São 2.300 tipos de agrotóxicos definidos
em 270 espécies de culturas, incluindo aí o pasto dos animais que
fornecem carne e leite.
A
professora Silvia Tondella Dantas, especialista em embalagens do Ital (Instituto
de Tecnologia de Alimentos), falou na Cientec sobre latas amassadas. O moderno
verniz interior desta embalagem permite a manutenção da qualidade
do alimento em condições adversas, como é o caso do amassamento
do corpo, diferentemente do conceito de muitos anos atrás, que permanece
até hoje, garante ela. Silvia é do Centro de Tecnologia de Embalagens
do Ital e se diz desconcertada com noticiários na imprensa afirmando o
contrário, enquanto ela atua em pesquisa de embalagnes metálicas
há 18 anos.
Pior
que o estado da lata são os números dos que morrem de fome
24 mil pessoas por dia no mundo e a existencia de 150 milhões de
crianças menores de 5 anos subnutridas no planeta. No Brasil são
32 milhões que passam fome. Entre os que têm comida, um terço
se alimenta mal e muitos fazem refeições colhidas no lixo,
lembra Silvia, última palestrante do módulo sobre Segurança
Alimentar.
O
próprio conceito de segurança alimentar pode originar horas de debate,
graças a sua origem e à língua portuguesa. No inglês,
o conceito é duplo: save food, para alimento seguro, e safety food, suficiência
ou estoque alimentar. Na Cientec, tratou-se de ambos os casos.
No
âmbito da segurança, as colocações de Silvia Dantas
remetem para o início dos debates, quando a pesquisadora Heloísa
Toledo, do Instituto Adolfo Lutz, falou sobre os resíduos químicos
embutidos nos alimentos que estão nas prateleiras. Fora do verniz dito
inofensivo das latas, o feijão-com-arroz vem temperado com toda a sorte
de produtos agroquímicos. O Adolfo Lutz, entre outras atividades de
excelência no cenário científico nacional, realiza o aferimento
do chamado limite máximo de resíduos, ou seja, o que
o organismo humano tolera de envenenamento pela alimentação. A medição
tem como parâmetros miligramas de agrotóxico por toneladas de alimento.
Um tanto a mais dispara o alarme. O problema é o uso indiscriminado
desses produtos e a precariedade da fiscalização, afirma a
doutora Heloísa. Mesmo se houvesse um severo controle, o cardápio
do mundo inteiro estaria longe de ser totalmente inofensivo. Não só
pelo limite máximo de resíduos químicos, mas pelo solo onde
a planta é cultivada, muitas vezes tão faminto como parte da população.
Ecologia
médica Fernando Antonio Cardoso Bignardi, especialista em ecologia
médica da Escola Paulista de Medicina, outro palestrante, lembra que a
técnica do arado rasgando a terra, importada dos países frios (e
ricos), acaba com os seus nutrientes e produz plantas inócuas. Podemos
dizer que estamos comendo alimento de solo morto, afirma. Os distúrbios
provocados pela insuficiência de nutrientes necessários nesses alimentos
entopem os consultórios médicos e, por falta de um diagnóstico
sério, o paciente acaba levando tranqüilizantes para casa. A
venda de estupefacientes (tranqüilizantes) bate em dez vezes a de aspirina,
por exemplo, compara Bignard.
O
paciente chega ao consultório médico e diz que não está
se sentindo bem. O doutor pergunta onde dói. Mas a pessoa não sabe
onde dói. Explica que não tem apetite, nem sexual, não está
produzindo no trabalho, não dorme bem. Então esse médico
(que é formado pela escola de medicina convencional), porque o paciente
não sabe onde dói, acha que o distúrbio é psíquico,
acusa.
Hoje
o conceito mais moderno em todas as doenças, infecciosas ou não,
é de que decorrem de um terreno pobre. Um ser intoxicado adoece e qualquer
tratamento deve se iniciar pela desintoxicação, adverte Fernando
Bignard. --------------------- A
química na agricultura
O
uso da química na agricultura, até recentemente, era visto como
modernidade. Marcus Barifouse Matallo, do Instituto Biológico, é
um dos pesquisadores brasileiros mais credenciados sobre o tema. A preocupação
com o seu controle surgiu na década de 50, mas só em 1959 o poder
público se sensibilizou para que fosse criado um regulamento sobre os níveis
de resíduos nos alimentos. O Ministério da Agricultura, por
sua vez, começou a prestar atenção no problema só
em 1974, quando passou a exigir dados sobre o agroquímico a ser registrado.
Em 1977, o Rio Grande do Sul criou a primeira legislação sobre o
uso de pesticidas e, no ano seguinte, o Instituto Biológico iniciou um
monitoramento em frutas e hortaliças na Ceagesp de São Paulo.
Antonio
Batista Filho, colega de Matallo no IB, defende uma integração entre
química e biologia no controle de pragas e doenças dos alimentos.
Este é o paradigma do meio rural, a busca de um alimento saudável.
Está avançado o espírito de se produzir alimentos com menos
contaminação. Nós temos necessidade de produtos químicos
nos grandes cultivos, mas há possibilidade de reduzir a quantidade com
o uso de moléculas mais seletivas, avalia.
O
especialista lembra que a agricultura orgânica, que abole o uso de inseticidas
e fertilizantes, teve um significativo avanço em pouco mais que uma década.
Em 1987, a Europa cultivava 250 mil hectares organicamente. Em 2000 foram 2,9
milhões de hectares. O problema, segundo Batista, é o custo para
o consumidor, até 50% acima do preço do produto cultivado tradicionalmente.
Mesmo assim, a demanda cresce 40% anualmente. No Brasil, os produtos orgânicos
representam 2% no setor de frutas, verduras e legumes, com defasagem de 40% entre
oferta e demanda, segundo dados dos hipermercados Extra e Carrefour. A Associação
de Agricultura Orgânica do Estado de São Paulo informa que as vendas
subiram de R$ 5 milhões em 1999 para R$ 20 milhões em 2000.
Em
contrapartida, as vendas de defensivos químicos, que em 92 foram de US$
947 milhões de dólares, chegaram a US$ 3,4 bilhões em 99.
No mundo, esses produtos industriais consomem anualmente US$ 30 bilhões,
segundo Francisco José Severino, técnico da Cati (Coordenadoria
de Assistência Técnica Integral). |
------------------- Alimentos
aditivados No
meio da celeuma entre orgânicos e convencionais, surgiu o conceito do alimento
funcional, que serve para combater ou prevenir determinadas doenças, pois
os produtos são aditivados com antídotos. Antonio Mantoan Filho,
engenheiro de alimentos formado na Unicamp e trabalhando para uma multinacional
do setor, explica que esse tipo de alimento hoje é normatizado pelo poder
público, sendo encontrado no mercado desde o ano passado. É o caso
da margarina temperada com fitosteróis. Depois de vários estudos
comprovados, ela foi classificada como remédio contra o colesterol. A
professora Rosa Wanda Diez Garcia, especialista em nutrição da PUC-Campinas,
vê com cautela uma eventual propagação de alimentos dito funcionais.
A própria farinha multimistura, usada pela Pastoral da Terra para combater
a mortalidade infantil, mereceu uma crítica. Na farinha usa-se às
vezes subprodutos sem controle de qualidade de armazenamento, controle bacteriológico
etc. Acho que o problema se resolveria com a melhora da qualidade da merenda escolar,
observa. Sobre os alimentos industrializados que propagam propriedades medicinais,
Rosa lembra que, do ponto de vista médico, ainda não existe um consenso
para permita sua recomendação. --------------------- | |