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Ilustre
desconhecido
Mineralogista
José Vieira Couto é personagem de livro que mostra como se
fazia ciência no Brasil do século 18
LUIZ
SUGIMOTO
Quando a professora Clarete Paranhos da Silva apresentou resultados de sua disserta
Até
bem recentemente a historiografia das ciências estudava apenas as
atividades que se realizavam nos países europeus ou, no século
20, nos Estados Unidos. A ciência que se praticava fora desses centros
é ignorada, tendência seguida pelos historiadores latino-americanos
que não conseguiam enxergar a existência de atividades científicas
no continente. “A história da ciência no continente permanecia
‘secreta’ e ‘não contada’”, escreve Clarete, cuja pesquisa, financiada
pela Fapesp, transformou-se no livro O Desvendar do Grande Livro da Natureza,
lançado pela Annablume Editora com co-edição da Fapes
e do Faep-Unicamp.
Pesquisadora
afirma
que visão "eurocêntrica" deixou
atividade científica
na
AL no esquecimento
"Quando estudamos ciência, surge aquela questão de quem são os 'pais da ciência'. No Brasil, em termos de geologia e mineralogia, essa paternidade é atribuída a estrangeiros. Só que naquele período tínhamos vários naturais da colônia que se formavam principalmente na Universidade de Coimbra, e depois voltavam para fazer pesquisas e inventários da natureza, até anteriores aos dos chamados 'pais', e que acabaram esquecidos pela historiografia", explica Clarete.
José
Vieira Couto realizou suas pesquisas entre 1798 e 1805. Começou
pela região do Serro Frio, estendeu-se por outras áreas,
tendo atingido as Comarcas do Sabará e de Vila Rica, chegando próximo
à Capitania de Goiás, subindo e descendo o Rio São
Francisco pelos chamados sertões do Abaeté. Além das
informações geológicas, Couto anotava impressões
sobre moradores, arquitetura dos arraiais e vilas, atividades econômicas,
agricultura, criação de animais etc. Opinava ainda quanto
ao melhor aproveitamento dos recursos da Capitania de Minas Gerais.
Quê
de poeta – Uma particularidade nos textos de Couto é o tom muitas
vezes poético, aliás, adotado por outros filósofos
naturais. Clarete Paranhos explica que no livro usa o termo “cientista”
de forma retrospectiva, visto que no período abordado ele era definido
como “filósofo natural”. O filósofo natural ou naturalista
era responsável pelo desvendar da natureza seguindo métodos
científicos. Daí a metáfora que dá título
ao livro. “Couto deixou quatro memórias. Fiz um estudo contextualizado
dessas memórias (assim eram chamados os textos de história
natural). Levantei a sua trajetória pessoal e enquanto filósofo
natural, ao mesmo tempo em que resumi como ocorriam as relações
entre Brasil e Portugal (sociais, econômicas, políticas),
as idéias científicas, os métodos de trabalho”, afirma.
Os
doze anos de experiência como professora da escola pública,
seguramente contribuíram para que Clarete Paranhos escrevesse um
livro com linguagem didática e atraente, inclusive para leigos.
Mais vale reproduzir abaixo alguns trechos, oferecendo uma idéia
da obra, que se arriscar ao exercício de um comentário superficial
que empobreça o conteúdo.
Trechos
de O Desvendar do Grande Livro da Natureza
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- A
segunda metade do século 18 português é marcada por
profundas reformas, em um grande esforço de recuperação
orquestrado pelo Estado [crise decorrente do declínio do colonialismo
frente à Revolução Industrial]. A atenção
foi dirigida àqueles setores considerados como pilares da economia
– comércio, agricultura e indústria.[...] Não escaparam
a essa política reformista os setores educacional e universitário.
Havia um sentimento geral de que o progresso só chegaria ao pequeno
reino se ali fossem institucionalizadas as ciências modernas. Nem
poderia ser diferente. Estávamos em pleno século das Luzes,
onde a “Razão” e cientificismo estavam na ordem do dia. [A razão]
julga, compara, descobre.
- Pela
reforma realizada entre 1758 e 1772, foram introduzidas disciplinas científicas
e criados os cursos de Matemática e Filosofia. A Universidade de
Coimbra passou a formar naturalistas, sendo que no final do século
18 os cursos de ciências naturais eram os que mais atraíam
estudantes.
- Os
textos de Couto seguem a orientação do governo português,
que buscava ampliar e diversificar a exploração mineral.
O ouro e o diamante não são os únicos objetos de observações,
mas também o ferro, chumbo, prata, salitre, cobalto, enxofre, platina
e outros.
- Em
1749 iniciou-se a publicação da História Natural,
obra de um dos maiores naturalistas do século 18, Georges-Louis
Leclerc, Conde de Buffon. Ele apresenta uma teoria sobre a Terra e faz
importantes considerações sobre a América. Para Buffon,
o Novo Continente seria muito mais jovem em comparação ao
Velho Continente, pois apresentava sinais de que emergira das águas
posteriormente. A América possuía uma grande quantidade de
rios, lagos e pântanos, além de clima quente e úmido
e
uma vegetação que impedia a penetração dos
raios solares. Um tal ambiente sustentava uma natureza viva inferior, pois
era propício ao surgimento de uma grande quantidade de seres inferiores
como insetos e répteis. Também em conseqüência
do clima, o homem americano era mais fraco e impossibilitado de dominar
a natureza.
- [...]
Pensava Couto que o desconhecimento destas diferenças [montanhas
primárias (as mais velhas), secundárias e terciárias
(as mais novas)] levava os mineiros a minerar os montes da mesma maneira
que mineravam os rios, quando nos primeiros a mineração deveria
ser feita por meio da construção de minas. [...] O Estado
português deveria fazer circular entre os mineiros uma espécie
de manual prático em três volumes. O primeiro ensinando sobre
construção e funcionamento das minas. O segundo ensinando
a extrair pelo fogo os metais das pedras. O terceiro dando conta da arte
dos ensaios.
- Werner
construiu um modelo de larga influência no pensamento geológico
da época. Segundo sua concepção, a Terra fora completamente
coberta por um oceano primordial que continha em solução
todos os materiais que em dado tempo precipitaram-se e deram origem à
crosta terrestre. Todas as rochas, com exceção das aluviais
e vulcânicas, teriam se originado sob as águas deste oceano
primordial, daí o nome “netunista” dado ao modelo de Werner.
- Couto
desprezava a idéia catastrofista que imputava ao Dilúvio
a formação dos montes secundários. Expressava a crença
de que a Terra passava por mudanças constantes e graduais, cujas
causas seriam naturais.
- No
estágio em que se encontravam as ciências que estudavam a
Terra, o desvendar do Grande Livro da Natureza era uma tarefa árdua
e cheia de incertezas.
- Anotação
de José Vieira Couto, ao admirar as serras que seguiam em todas
as direções desordenadamente, sem explicação
aparente: "... decidamos ao depois com timidez, ou deixemos antes taes
questões para as vindouras camadas de gente, que com maiores vantagens
passarão tanto por cima das nossas poeiras, como das nossas observações
e fadigas". |
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