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Na fronteira do átomo
Pesquisas em nanotecnologia abrem perspectiva para a produção de bens com menor quantidade de matéria-prima e energia
MANUEL ALVES FILHO
ISABEL GARDENAL
No futuro, todo o conhecimento da humanidade poderá ser armazenado numa esfera com apenas dois milímetros de diâmetro. A previsão, que num primeiro momento pode soar como parte do enredo de um filme de ficção científica, é factível. Quem garante é o físico Cylon Gonçalves da Silva, ex-professor da Unicamp e atual diretor geral do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), com sede em Campinas. De acordo com ele, graças à nanotecnologia, os cientistas já estão aprendendo a mexer no átomo, que é a menor parte da matéria. "Nossa capacidade de manipular a informação numa escala cada vez menor significa nossa capacidade de manipular a matéria e a energia de forma mais criativa", afirma. Em outras palavras, os pesquisadores estão trabalhando em escalas muito pequenas, para atingir grandes objetivos. Na Unicamp, há grupos envolvidos com pesquisas nessa área. Na Faculdade de Ciências Médicas (FCM), por exemplo, pesquisadores se preparam para construir um manipulador robótico controlado por computador, que será utilizado em cirurgias minimamente invasivas (leia na página 3) estágio imediatamente anterior ao da nanomedicina.
Setor deverá movimentar
dentro de 15 anos
cerca de US$ 1 trilhão
O prefixo "nano", do grego, significa "anão". A partícula vem sendo emprestada pelos cientistas para designar várias unidades de medida. Um nanômetro, por exemplo, corresponde a 1 bilionésimo de metro. De acordo com o professor Cylon, o Brasil já dispõe de instrumentos que permitem enxergar o átomo. Um deles é a fonte de luz síncrotron, que possibilita estudar as propriedades químicas, físicas e biológicas de diversos componentes da natureza. "Ora, se a gente já consegue ver, o próximo passo é mexer. No futuro, teremos condições de armazenar e recuperar a informação dentro do átomo", assegura.
Para explicar melhor como isso pode se dar, o físico recorre à imagem de um prosaico livro. Segundo ele, o objeto nada mais é do que um depósito de informações, que tem volume e superfície. "A informação - a impressão - está na superfície do livro. Quando abro esse livro, eu não mudo o seu volume, nem seu número de páginas, mas consigo dobrar a sua superfície disponível. É um truque trivial, mas é muito bem bolado", compara. Atualmente, prossegue o professor Cylon, os cientistas já conseguem "escrever e recuperar" informações num nível quase atômico.
Isso pode ser constatado num laptop, que guarda textos e imagens em dispositivos que medem 100 nanômetros. "No dia em que conseguirmos reduzir o tamanho do armazenamento da informação a 100 átomos, aí teremos condições de depositar todo o conhecimento gerado pela humanidade numa esfera de dois milímetros de diâmetro", antecipa o físico, reforçando a figura usada inicialmente neste texto. A nanotecnologia, no entender do professor Cylon, tem uma função social importante. Seus conceitos e processos tendem a se estender para variadas áreas, como a medicina, a biologia, a informática, entre outras.
Mas por que os objetos têm que passar por um processo ainda mais intenso de redução de tamanho, já que os rádios gigantescos dos nossos avós funcionavam tão bem? A resposta, acompanhada de um sorriso generoso, é do próprio diretor geral do LNLS: "A população mundial é muito grande [cerca de 6 bilhões de habitantes] para que possamos oferecer um padrão de vida confortável para todas as pessoas. Para que continuemos a produzir bens em quantidade razoável, sem agredir a natureza, teremos que encontrar um meio de fazê-lo com menos matéria-prima e energia. Isso será quase inevitável para a sobrevivência da humanidade", adverte.
Ele toma como exemplo dessa exigência a agricultura. Conforme o professor Cylon, a tendência será de aplicar os defensivos em partículas de dimensões nanométricas . "Ou seja, vamos utilizar quantidades extremamente baixas para obter o mesmo efeito de hoje em dia". Outra aplicação futura dos recursos proporcionados pela nanotecnologia está na medicina. Num prazo máximo de 10 anos, calcula o físico, um indivíduo engolirá uma cápsula que terá em seu interior sensores nanométricos. Essa pílula percorrerá o seu organismo e realizará uma série de análises clínicas, podendo inclusive gerar imagens.
Esses dados serão transmitidos, via onda de rádio, para um equipamento preso à cintura da pessoa. Depois, os dados serão encaminhados ao médico, que terá na tela do computador um diagnóstico preciso sobre a situação do seu paciente. "Com isso, será possível identificar, por exemplo, uma célula inicial na qual viria a se instalar um tumor", afirma o professor Cylon. Todo esse "admirável mundo novo" antecipado pelo físico já tem despertado o interesse das autoridades governamentais, sobretudo nos países desenvolvidos. Prova disso é que os Estados Unidos, que investiram US$ 400 milhões em nanotecnologia em 1997, ampliaram esses recursos para US$ 2 bilhões em 2000.
Estimativas da Fundação Nacional de Ciência dos EUA dão conta de que o mercado mundial para produtos e processos baseados em nanotecnologia deverá movimentar, dentro de 15 anos, algo em torno de US$ 1 trilhão. O Brasil, informa o professor Cylon, está se preparando para lançar um programa nacional de nanotecnologia. Ele acredita que os recursos públicos ainda deverão custear o setor por mais uma geração, pois a iniciativa privada ainda não demonstrou disposição para participar desse esforço. O físico ressalta que o país, além de ferramentas, dispõe de mão-de-obra especializada para dar prosseguimento às pesquisas em nanotecnologia.
Algumas universidades, como a Unicamp, mantêm grupos que se dedicam a essa área do conhecimento. Além da experiência que começa a ser tocada na FCM, há, de acordo com o físico, cientistas trabalhando com nanotecnologia nos institutos de Química e Física, nos segmentos de novos materiais e optoeletrônica, respectivamente. Além disso, a Unicamp está oferecendo de forma pioneira no país, no curso de Física, a disciplina "Introdução à Nanotecnologia". "Estamos, definitivamente, na fronteira do átomo", pontifica o professor Cylon.
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