Jornal da Unicamp 188 - 2 a 8 de setembro de 2002
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O professor Alberto Cliquet, que participa do projeto de construção do manipulador robóticoOs avanços da nanomedicina

ISABEL GARDENAL
MANUEL ALVES FILHO

Embora ainda seja uma área relativamente nova, a nanotecnologia já tem conceitos e procedimentos aplicados em diversas atividades. A Unicamp, por exemplo, participa do esforço para a evolução da nanomedicina no país. Entre outras iniciativas, a Universidade está pronta para integrar o projeto de construção de um manipulador robótico controlado por computador nas cirurgias minimamente invasivas ou nas realizadas a distância, como as osteotomias (secção cirúrgica de um osso) e laparoscopias sobretudo de joelho. No início do próximo ano, este trabalho, desenvolvido em conjunto com o departamento de Engenharia Elétrica da USP-São Carlos e financiado pela Fapesp, será concretizado com a visita, ao campus de Barão Geraldo, do pesquisador Alan Slade, especialista em tecnologia robótica pela Universidade de Dundee, na Escócia.

Representando a Unicamp, estará uma das maiores autoridades na área de engenharia biomédica, o professor Alberto Cliquet, atual responsável pelo departamento de Ortopedia e Traumatologia do HC, que auxiliará no processo de criação do manipulador, em planejamento há pelo menos dois anos. O desenvolvimento partirá da mesma tecnologia do dedo utilizado pela Nasa para realizar cirurgias ópticas, uma das mais precisas de que se tem notícia na atualidade. Para Cliquet, o projeto brasileiro contribuirá para o avanço da nanomedicina. "É uma área de ponta que firmará a medicina deste século", prevê.

Procedimento na Medicina Laser da Unicamp: cirurgia minimanente invasivaCliquet acaba de retornar de uma viagem à Escócia, onde já residiu por quatro anos para se especializar. Ele compareceu ao Technology Meets Surgery International. Das novidades observadas lá, especificamente no Ninewells Hospital and Medical School, da Universidade de Dundee, a prática cirúrgica é muito adiantada e eleva a formação médica. Para exemplificar, em uma ampla sala existem alguns bonecos semelhantes ao homem, projetados de forma a produzir reações mediatizadas por sensores – isso para conferir maior realidade aos procedimentos, ainda que feitos virtualmente.

Em salas anexas à do treinamento, computadores previamente programados ficam conectados cada qual aos diferentes tipos de procedimento. "Para isso, é necessária a nanotecnologia. Uma imagem virtual no computador-mestre ensina, passo a passo, as diretrizes que deverão ser seguidas pelo cirurgião", explica Cliquet.

Em outras palavras, quando são inseridos os dados pessoais de um determinado paciente (boneco), incluindo sua anamnese, aparece, de pronto, na tela a simulação do caso, tal como foi definido nos blanquets. E a cirurgia parece tão real que, quando pinçado o tecido errado, a máquina sinaliza acusando a falha.

No caso então da telecirurgia, feita a distância, atrelada à moderna tecnologia, é indispensável o uso de sensores para que transmitam as sensações de profundidade, temperatura e força.

Existem sensores em estudo em vários países, conta Cliquet, como os mioelétricos (sinais elétricos da contração muscular), de fibras ópticas (que fornecem a posição dos ângulos), de força (que determinam a quantidade de força a ser dispendida) e de temperatura. Em se tratando da garra mecânica, movida por impulsos, ela será monitorada por computadores, permitindo visualizar, por exemplo, o tecido ou o órgão que se pretende atingir a distância.

E o cirurgião? Bem, ele usa um tipo de joystick – transmitido por ondas de rádio ou de satélite – e visualiza, pelo monitor do computador, suas respostas, como numa cirurgia em que estejam envolvidos todos os instrumentais do mundo real (pinças, bisturis, afastadores, tesouras, agulhas de sutura, etc.). "O uso desses chamados robôs conferirá avanços inestimáveis à educação médica e, o melhor: com aplicabilidade cirúrgica. É certo que veremos cada vez mais a medicina misturada à tecnologia. É fato consumado: silício e molécula fisiológica estarão lado a lado", diz Cliquet.

À luz do laser – Enquanto a nanomedicina ensaia os seus primeiros passos, o laser torna-se forte aliado da medicina estética e também curativa, limitando as cirurgias extensas. Dentre algumas condutas que a Medicina Laser da Unicamp realiza, estão duas técnicas testadas e já em operação: a "cerclagem" e a "criptolise", ambas feitas com laser de CO2, cirurgias minimamente invasivas.

A equipe da Medicina Laser desenvolveu uma nova técnica que se convencionou chamar "cerclagem com laser de CO2" a partir de pontos profundos sitiando o hemangioma, mas no tecido são, para reduzir o aporte vascular e a lesão após seis a oito sessões de laser de CO2, sob anestesia local. Ela garante resultados muito satisfatórios na retirada de hemangiomas (lesões arroxeadas, às vezes de volume aumentado), principalmente localizados na boca. Na maioria das vezes, estes hemangiomas situam-se também na língua, atrapalhando a mastigação e causando grande desconforto na região.

À medida que o tratamento obtém êxito, entendendo-se por isso a involução da mancha, vão sendo definidos pontos cada vez mais próximos da lesão, até que o hemangioma desapareça definitivamente. "Não se trata de uma lesão maligna e nem que precise ser retirada sempre, porém dificulta o processo de limpeza da cavidade bucal", previne a experiente otorrinolaringologista Ester Maria Danielli Nicola, responsável pela Medicina Laser, que fica no 2o andar do HC. Segundo ela, esta é a técnica indicada para os casos sintomáticos e com dimensões em torno de 3x2 mm.

As primeiras tentativas da cerclagem implementada na Unicamp começaram em 1994, seguindo um protocolo de pesquisa que contemplava os pacientes sintomáticos. De lá para cá, a Medicina Laser otimizou a técnica e atendeu mais de 100 pacientes com resolução completa.

Criptolise – A criptoplise com laser de CO2 é adotada no tratamento de amigdalite crônica caseosa, uma infecção que se caracteriza pelo depósito de secreções nas criptas (pequenas cavidades naturais) amigdalianas, que leva a um quadro de irritação da região e favorece quadros infecciosos. "Devido à retenção do material, ocorre a halitose, o "clássico" mau-hálito e todas as suas conseqüências sociais já conhecidas", aponta Ester.

A técnica, que vem sendo efetuada há quatro anos, consiste em fazer uma pequena abertura das criptas com laser, para não haver mais deposição de secreções, em geral ocasionada pela descamação bucal. "A descamação do epitélio é natural, entretanto, na boca, ela realmente provoca o mau-cheiro. Afinal, são células descamadas associadas a detritos alimentares", esclarece a médica.

É um procedimento simples, apenas com anestesia tópica e, segundo Ester, ele já existia, mas era radical: vaporizava-se parte da amígdala. Hoje, o órgão é preservado.

A Medicina Laser, criada há 13 anos no HC, é uma das primeiras áreas multidisciplinares, com relações mais estreitas com a otorrinolaringologia, cirurgia plástica, bucomaxilofacial e dermatologia. A unidade realiza quase 200 procedimentos cirúrgicos por mês e contabiliza o atendimento a mais de 25 mil pacientes durante esses anos. Foram cirurgias e atendimento a todo tipo de rotina, de consultas a curativos.

Com as recentes tecnologias em execução, os periféricos (acessórios do laser) são dotados de pontos e focalizações menores, atendendo à demanda das cirurgias minimamente invasivas. "O que se faz com o laser também pode ser feito sem ele, mas sua utilização melhora de longe as condições pré e pós-cirúrgicas", afirma Ester.

Estética – "Há pacientes com lesões externas mais exuberantes que, além da patologia, carregam o estigma da estética perfeita, o que lhes acarreta problemas imensos", declara a enfermeira Diva Helena Baldin, especializada em laser e uma das implantadoras, juntamente com Ester, da Medicina Laser.

A tatuagem, estudada no mestrado de Diva, que agora cumpre o doutorado na Unicamp, foi um dos objetos de investigação da enfermeira. Ainda que possam ser vaporizados os pigmentos, o produto final nem sempre exclui as cicatrizes, pois isso depende muito do tipo de pele em questão e do pigmento utilizado. "Estamos cientes de estarmos cumprindo um dever social para com esse tipo de paciente aqui na Unicamp, pois, de fato, há muitas doenças graves que pedem nossa intervenção com maior freqüência", acentuam Ester e Diva.

No Laboratório Laser, do Núcleo de Cirurgia Experimental da Faculdade de Ciências Médicas, são efetuados experimentos em animais, em conjunto com o físico Jorge Humberto Nicola, criador do primeiro laser de CO2 nacional. Agregado a isso, os casos são cuidadosamente documentados por fotografias, arquivando-se as imagens do antes e do depois, que podem ser consultadas pela equipe médica e pára-médica para avaliação dos resultados proporcionados pela ação do laser.