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A inovação vai à mesa
Universidade, governo e empresários
confrontam idéias durante encontro em São Paulo
EUSTÁQUIO GOMES
O local, um clube paulistano - o Transatlântico. A circunstância, um almoço de trabalho cujo prato principal foi um tema hoje onipresente - a inovação científica e tecnológica - na empresa, na universidade e em mais de uma instância governamental. Organizado pela revista Empresário, publicação mensal apoiada pela Associação Comercial de São Paulo, o encontro reuniu no dia 2 de setembro dez personalidades que, no consenso dos editores, são protagonistas diretos - quando não inspiradores - do processo em curso no país e no Estado de São Paulo*.
Que o processo ainda está no seu início, todos concordaram, mas também foi consenso que o termo "inovação" nunca esteve na pauta do meio empresarial e do meio acadêmico com a intensidade de agora. E nem poderia ser diferente, como disse um dos debatedores, o diretor da Fiesp Cássio Jordão Motta Vechiatti, para quem "só há um jeito" de sobreviver no mercado sem inovar tecnologicamente: "É revogando a lei da oferta e da demanda". Como isso não é possível, "ou o Brasil dá o salto em direção à competitividade ou terá surpresas desagradáveis", alertou Cássio.
Três atores - A tônica da discussão foi dada pelo reitor da Unicamp, Carlos Henrique de Brito Cruz, que descreveu o papel a ser desempenhado pelos principais atores de uma política coordenada de inovação tecnológica: o estado, a universidade e a empresa. Ao estado, segundo o reitor, cabe criar as condições adequadas para que a inovação se torne possível, intensificando, entre outras medidas, o financiamento da pesquisa e estabelecendo um regime de compras públicas preferenciais junto às empresas que invistam em atividades de inovação. À universidade cabe formar pessoas qualificadas em seus cursos de graduação e pós-graduação, além de estabelecer parcerias com a empresa. E à empresa, lugar privilegiado da inovação, cabe o desafio principal que é envolver-se decisivamente com as atividades de pesquisa e inovação, coisa que acontece em muito pequena escala, hoje, no país.
Um dos mais graves obstáculos à inovação no país - afora o alto custo dessa atividade e os fatores de risco inerentes à instabilidade da economia - é, segundo Brito, o baixo número de cientistas trabalhando nas empresas. São apenas oito mil, ou seja, pouco mais de um décimo dos 75 mil cientistas empregados nas empresas da Coréia o que explica por que a Coréia depositou 3.473 patentes em escritórios americanos no ano passado, contra escassas 113 patentes brasileiras.
Apoio do Estado - No Brasil, o primeiro exemplo de apoio estatal às atividades de inovação no interior das empresas vem sendo dado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), que em 1997 criou um programa com essa finalidade, o Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe). O diretor científico da Fapesp, José Fernando Perez, lembrou o ceticismo de muitos quando o programa foi lançado: "Entre outras coisas, falou-se que aquilo não era coisa para país subdesenvolvido, que não haveria demanda, etc". No entanto, já na primeira rodada, uma surpresa: 60 entre 80 empresas se apresentaram com projetos caracterizados. Houve 32 pareceres favoráveis. Cinco anos depois, com mais de 700 propostas, a Fapesp financia e acompanha o desempenho de 250 empresas paulistas que se dedicam à inovação.
Não por acaso, a maioria das empresas de base tecnológica financiadas pela Fapesp gravita em torno de universidades e instituições de pesquisa de São Paulo, Campinas, São Carlos, São José dos Campos e Ribeirão Preto. O programa se desenvolve em três fases da fixação das atividades de inovação até a afirmação da empresa no mercado. Entre as fases 1 e 2 a empresa é obrigada a apresentar um plano de negócios. Das 250 empresas que estão no programa, pelo menos duas, segundo Perez, já alcançaram um faturamento anual acima de 100 milhões de reais, tendo ambas começado no patamar de quatro milhões.
Uma das empresas que está no programa da Fapesp é a Equatorial Sistemas, com sede em São José dos Campos. Desde 1996, quando foi criada, a Equatorial se dedica ao desenvolvimento de tecnologia de aplicações espaciais e mais recentemente de produtos avançados nas áreas de transporte e segurança. "Nosso negócio é oferecer engenharia para projetos científicos", esclarece César Celeste Ghizoni, seu diretor-presidente. A empresa vai bem e cresce em média 50% ao ano, mas Ghizoni ainda vê problemas na terceira fase, a da afirmação no mercado. "Ainda falta capacidade industrial e de distribuição no país para produtos como os nossos, além de um maior incentivo ao capital de risco", diz Ghizoni.
Perez concorda: a maioria das empresas inovadoras necessita, não de empréstimo, mas de capital de risco. Há boas chances, segundo ele, de que o BNDES venha a se sensibilizar e resolva ir além do financiamento clássico de projetos tradicionais. Também a Finep está se mobilizando para isso: a coordenadora do Venture Fórum, Ana Gonçalves, anunciou a regulamentação de um fundo novo, até o final do ano, para prover casos como esses.
Negócio inédito - A iniciativa privada também dá mostras de se interessar pelas empresas da base tecnológica. No ano passado a Votorantim Ventures ajudou na capitalização inicial da Alellyx Apllied Genomics, empresa formada por seis pesquisadores universitários (três da Unicamp, dois da USP e um da Unesp) que se dedicam a um negócio inédito no país: o desenvolvimento de projetos de biotecnologia voltados para a agroindústria. "Não vamos fazer produtos, mas sim propriedade industrial", esclarece o geneticista Paulo Arruda, um dos sócios-fundadores da empresa, que espera ter seus primeiros resultados dentro de três anos. A Votorantim decidiu apoiar também os negócios da Scylla, empresa nascente que atua na área de bioinformática e foi criada por outro pesquisador da Unicamp, João Meidanis.
A presença, ainda que rara, do capital de risco nas atividades de inovação demonstra o interesse de outros atores no processo, além do tripé governo-universidade-empresa. Guilherme Plonski, diretor-presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), menciona as incubadoras, as ONG's e os investidores privados. "Precisamos consolidar o conceito de trabalho em rede", afirma. E dá como exemplo a Petrobrás, que só chegou a seu estágio atual de capacidade técnica graças ao envolvimento em seus projetos de universidades, institutos de pesquisa e outros parceiros. "Os parceiros do processo inovativo podem atingir, às vezes, a ordem de dezenas", calcula, "mas para isso é preciso superar o patamar da simples interação para alcançar o da coordenação".
Para Plonski, o país oferece terreno fértil para que a inovação seja introduzida. "A empresa brasileira é inovadora", assegura. "Basta ver que na década de 90 ela foi capaz de acertar bases e custos". O desafio, segundo Plonski, é dar o salto em direção à cultura tecnológica. O que não se fará por decreto, na opinião de João Batista Burin, vice-presidente da Abimaq, entidade nacional que congrega 4.500 empresas que exportam, anualmente, cinco bilhões de dólares em máquinas e equipamentos. "Não é a lei, mas a necessidade que vai trazer a inovação", diz Burin, ressoando o diretor da Fiesp, Cássio Jordão.
* Ada Gonçalves, da Finep; Carlos Henrique de Brito Cruz, reitor da Unicamp; Cássio Jordão Motta Vechiatti, diretor da Fiesp; César Celeste Ghizoni, diretor-presidente da Equatorial Sistemas; Cláudio Rodrigues, superintendente do IPEN; Guilherme Ary Plonski, diretor-superintendente do IPT; João Batista Burin, vice-presidente da Abimaq; José Fernando Perez, diretor científico da Fapesp; Dilma Eguchi, analista da Bovespa; Paulo Arruda, diretor da Alellyx;
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