Edição 190
16 a 22 de setembro de 2002
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Antônio Márcio Buainain, professor do IE: "Deter e produzir conhecimento científico e tecnológico e transformá-lo em inovações é essencial"Da política de C&T à cultura de inovação

O professor Antônio Márcio Buainain, do Instituto de Economia da Unicamp, tira a binga do bolso, acende um cigarro de palha e dispara a analogia quando indagado se são exeqüíveis as diretrizes para uma década, contidas no Livro Branco da Ciência, Tecnologia e Inovação (LB), do qual foi um dos redatores. "Compararia com a navegação fluvial. Uma vez demarcada a estrada, aquele que assumir o barco vai tocá-lo de acordo com as condições do rio. A hidrovia vai dar o rumo e as balizas ao piloto, qualquer que seja ele." Secretário técnico do Comitê Gestor do Fundo Verde-Amarelo do Ministério da Ciência e Tecnologia, Buainain conhece o ciclo das águas da inovação. Participou, como protagonista, do nascimento dos dois embriões do Livro Branco: coordenou a equipe de redação do Livro Verde de C&T e foi um dos organizadores da Conferência Nacional da Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada em Brasília, em setembro de 2001, evento emblemático para a confecção do documento tornado público pelo governo federal em agosto deste ano. "O livro é uma obra coletiva que se baseia fundamentalmente nas discussões que ocorreram durante a Conferência", testemunha Buainain, lembrando que o encontro foi precedido de seminários regionais, workshops e discussões temáticas. "O conjunto desse debate, de uma maneira até abstrata, está sintetizada no LB". O professor revela que seu envolvimento com CT&I até pouco tempo atrás era pequeno. Atuou - e ainda atua - na área de desenvolvimento agrário e política agrícola. Em suas andanças por assentamentos rurais e pelos países da América Latina - trabalhou cinco anos na ONU – constatou que a ausência de tecnologia é o flanco aberto para a pobreza. Talvez - e até - por isso acredite que os objetivos e diretrizes explicitados no Livro Branco sejam fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa, com oportunidade de trabalho e progresso para todos. Para o professor, alcançar este objetivo requer um processo de desenvolvimento sustentável de longo prazo que corrija os graves desequilíbrios sociais e econômicos que afligem a sociedade brasileira. "Ciência, Tecnologia e Inovação são insumos essenciais deste processo." O cigarro de palha de Buainain é industrializado e sua binga tem marca.


Jornal da Unicamp - O Livro Branco propõe diretrizes para os próximos dez anos. O risco embutido nas oscilações de natureza política e no humor do mercado foi levado em conta?

Antônio Márcio Buainain - É claro que existe o risco de que oscilações políticas e o humor do mercado possam comprometer todo o processo, o que seria uma pena e comprometeria o próprio futuro do País. Não se improvisa em CT&I. Alcançar resultados nesta área exige planejamento e esforço continuado ao longo de muitos anos. Hoje é necessário começar a formar professores, pesquisadores, cientistas, técnicos que serão responsáveis pelo ensino e pesquisa no ano 2015, 2020. Não haverá "jeitinho brasileiro" para consertar esta lacuna caso hoje não sejam tomadas as decisões e implementadas ações visando à formação de recursos humanos em 2015 e 2020. Seria, portanto, uma lástima – e uma irresponsabilidade – permitir que os humores do mercado, que refletem problemas e percepções de curto prazo, e não as potencialidades de desenvolvimento do País? comprometessem a execução de políticas de CT&I absolutamente essenciais para viabilizar o próprio desenvolvimento do País. O LB aponta caminhos ?na verdade largas avenidas? que nos levem aos objetivos desejados, e é claro que os problemas de curto prazo inevitavelmente afetam a velocidade da viagem e exigem que o piloto desvie de buracos imprevistos; o importante é manter o rumo, não sair da estrada e nem parar no meio do caminho.

P - Como o processo de inovação poderia contribuir para o desenvolvimento do país?

R - Na sociedade contemporânea, também chamada de "sociedade da informação" ou "sociedade do conhecimento", deter e produzir conhecimento científico e tecnológico e transformá-lo em inovações é absolutamente essencial para o desenvolvimento econômico, social e cultural da Nação. O LB coloca a inovação como elemento e objetivo central para a área de CT&I. Traça diretrizes que levem à inclusão do I de inovação na tradicional sigla C&T.

P - A produção científica brasileira está entre as 20 maiores do planeta, conforme números contidos no LB. Os números sobre inovação não são assim tão positivos. Qual o papel das empresas nesse processo?

R - É comum afirmar que o locus da inovação é a empresa, que é a empresa que inova. Trata-se de apenas meia verdade, e uma afirmação meio verdadeira equivale a uma afirmação totalmente falsa e que pode levar a decisões, diretrizes e ações equivocadas. Inovação é o resultado de um processo complexo, que pressupõe a ação e a intervenção de um grande número de atores e de instituições com perfis, naturezas, objetivos, motivações, lógicas, dinâmicas, potencialidades e restrições específicas e variadas, às vezes até mesmo contraditórias entre si. A inovação é um processo sistêmico, e o funcionamento do sistema depende não apenas da existência e operação de cada parte constitutiva, mas também, e eu diria principalmente, dos vasos comunicantes, dos elos que conectam os diversos componentes que integram ou deveriam integrar um sistema nacional de inovação. Não adianta pensar só nas partes isoladamente sem pensar na integração, na articulação entre cada um dos componentes. Articular atores e instituições é uma das principais, talvez a mais importante, das funções que o Estado deve assumir nos próximos anos. A empresa consuma, por assim dizer, o processo de inovação, mas só fará isso se contar com incentivos adequados e com as condições materiais e humanas necessárias para transformar conhecimento e idéias em inovação, ou seja, em bens e serviços disponíveis para a sociedade.

P - Neste cenário, qual seria o papel da universidade na criação de um ambiente favorável à inovação e na ampliação da capacidade de expansão da base científica e tecnológica nacional?

R - A universidade tem como missão fundamental formar recursos humanos e produzir conhecimento e a empresa, a de produzir bens e serviços. A tão propalada interação universidade-empresa tem que levar em conta e respeitar essas diferenças, e não assumir que professores e pesquisadores vão pensar como empresários e não como maestros e cientistas. Aliás, isto seria um desastre.

P - Por quê?

R - Deixaríamos de ter um componente importante do sistema de inovação, que é precisamente aquele responsável pela formação de recursos humanos e do conhecimento, sem os quais mesmo que as empresas quisessem não poderiam inovar. É preciso também desmistificar, e isto está bem claro no LB, a idéia de que a inovação requer apenas pesquisa aplicada. Trata-se de uma falácia. Inovação pressupõe sólida capacidade de produção de conhecimento, e a transformação deste conhecimento em produtos e serviços úteis para a sociedade. Muito conhecimento produzido hoje, e que aparentemente é "acadêmico", no sentido equivocado com o qual o termo é utilizado para indicar algo que não tem a ver com a realidade, amanhã será insumo básico para inovações relevantes. A única possibilidade de manter-se à tona no processo de inovação é elevar, e muito, a capacidade de geração de conhecimento em geral. Sem isso, o processo não seria alimentado, e pararia. Não é por outra razão que as empresas privadas nos países desenvolvidos gastam bilhões de dólares em P&D, e apenas uma parte destes recursos é aplicada com a visão de desenvolvimento imediata de produtos. É claro que produzir conhecimento é apenas condição necessária, mas não suficiente, para fazer da inovação o motor de uma economia dinâmica e sustentável. Voltamos à questão anterior na qual eu destacava a necessidade de atuar em várias frentes e principalmente na criação de um ambiente favorável à inovação. O LB detalha diretrizes nesta direção.

P - O senhor poderia detalhar a estratégia sugerida pelo LB?

R - A estratégia básica é consolidar a criação de um efetivo Sistema Nacional de Inovação, propondo a atuação em várias frentes básicas. Em primeiro lugar, é necessário continuar estimulando a criação de um ambiente favorável à inovação, consolidar, aperfeiçoar e aprofundar os novos instrumentos de financiamento introduzidos recentemente (Fundos Setoriais) e as reformas institucionais em curso, como a criação do Centro de Estudos e Gestão Estratégica, a reestruturação da Finep, do CNPq e dos institutos de pesquisa, a legislação que incentiva a maior participação do setor privado nas atividades de P&D (Lei de Informática, Lei de Inovação, a Medida Provisória 66, que dá fortes incentivos fiscais à inovação tecnológica). Em segundo lugar, é necessário preencher lacunas do sistema, criando ou reforçando a infra-estrutura física e preparando os recursos humanos necessários para sustentar e alimentar o processo de inovação. Isto envolve desde a infra-estrutura de serviços de tecnologia industrial e agrícola básica até laboratórios e centros de pesquisa especializados, como o de nanotecnologia, centros de pesquisa voltados para setores específicos e relevantes da economia, emulando por exemplo as experiências tremendamente bem-sucedidas da Embrapa para agricultura, da Fiocruz para a saúde e do INPA para a indústria aeronáutica, passando pela reforma de cursos de graduação, em particular as engenharias, e pós-graduação e a qualificação de recursos humanos em todos os níveis. O terceiro elemento da estratégia é uma atuação firme no sentido de estimular a interação entre os componentes do sistema, a cooperação entre instituições e atores, enfim, a utilização da capacidade em CT&I e do potencial já existente no sentido de viabilizar a inovação.

P - O livro prega a necessidade de "desenvolver a habilidade de identificar e antecipar oportunidades e tendências e construir visões de longo prazo". Como projetar cenários num país pouco afeito ao planejamento? Qual seria a dimensão política dessa iniciativa?

R - Existe uma dimensão política que não pode ser, em nenhuma hipótese, negligenciada. Neste sentido, é preciso reforçar a consciência da sociedade sobre a importância da CT&I para o futuro do País, conquistar apoio político em todos os níveis, despertar o interesse dos jovens e de talentos para a área, enfim, mostrar que CT&I – e os recursos públicos e privados necessários para manter o sistema – fazem parte da solução e não do problema que o País enfrenta. Será um problema, e dos grandes, se abandonarmos a área, ou se adotarmos uma visão equivocada e imediatista sobre o papel da CT&I para o desenvolvimento do País. Por outro lado, a sustentação política requer maior eficiência, resposta aos problemas da sociedade, uso adequado dos recursos, planejamento mais participativo e transparente, enfim, depende, pelo menos em parte, da nova institucionalidade que está sendo construída. Como se vê, as ações transcendem a área de atuação estrita do Ministério de Ciência e Tecnologia, e por isso mesmo requerem um grande esforço de articulação de políticas públicas em todas as áreas e níveis de governo.

P - O que fazer para integrar uma sociedade tão heterogênea como a brasileira em torno da base de apoio necessária para implementar um Projeto Nacional de CT&I?

R - Em parte depende da aglutinação política que mencionamos atrás. Esse é um dos principais desafios. A velha frase de que o Brasil é um País de contrastes continua válida. De fato, as diferenças socioeconômicas e regionais são, em alguns casos, enormes, permitindo inclusive classificar o País como "esquizofrênico". Estamos nos séculos 21 e no século 19. O País exporta aviões, é um dos mais competitivos na agricultura, referência na área de cirurgia cardíaca, faz pesquisa genômica de ponta, e ao mesmo tempo convive com camponeses pobres que ainda produzem, por falta de opções, para a subsistência, com pequenas empresas artesanais que não conseguem sobreviver nas condições de hoje, conta com população analfabeta em plena sociedade do conhecimento, tem um dos melhores programas de prevenção e combate à Aids do mundo e não consegue enfrentar enfermidades mais básicas, da malária à dengue.

P - Qual seria então a fórmula para que fossem atenuados os hiatos socieconômicos? Como lidar, por exemplo, com a exclusão digital?

R - A produção de riqueza e a capacitação em C&T ainda estão fortemente concentradas em alguns estados. Esta situação coloca um desafio muito grande: enfrentar o século 21 e superar o 19, alfabetizar e formar cientistas, superar a exclusão social básica e evitar a nova exclusão digital, cujos efeitos sociais podem ser ainda mais graves do que o do analfabetismo literário no Século XX. O LB leva em conta esses desafios em todas as diretrizes propostas: a redução das disparidades regionais e a superação dos gaps sociais e econômicos é um objetivo estratégico da política de desenvolvimento nacional e para a CT&I. Em relação às disparidades regionais e sociais, a visão adotada no LB é que isto não pode ser objeto de políticas populistas e ou regional-corporativistas, mas requer intervenção consistente não apenas no sentido de "distribuir" mas principalmente no sentido de capacitar de fato o Sistema Nacional para contribuir para a solução dos problemas, capacitação essa que deve envolver as regiões hoje menos desenvolvidas. Não se trata, portanto, de simplesmente separar recursos para alocação privilegiada nestas regiões, ou para certas áreas de pesquisa que são aparentemente mais vinculadas a problemas sociais. Este tipo de atuação nem sequer mitigaria as desigualdades, inclusive porque a experiência indica que a proteção pura e simples em geral vem acompanhada do uso ineficiente dos recursos. É preciso políticas que elevem a capacitação efetiva das regiões em C&T, que as tornem, por assim dizer, competitivas. Ao mesmo tempo, o LB sugere a necessidade de compartilhar esforços para o desenvolvimento da pesquisa e para a promoção da inovação que levem em conta as especificidades, as vocações e as aspirações de cada uma das regiões.

P - O senhor entende que o mesmo tipo de argumento vale para a questão social?

R - Sim. Também nesta área não cabe populismo nem demagogia. Aliás, os dois não são bons em nenhuma área. Aqui é preciso inclusive contestar uma certa visão equivocada de que a ciência brasileira está deslocada das necessidades da economia e principalmente das preocupações sociais. Eu não quero listar aqui, até porque seria impossível devido ao grande número delas, as contribuições dos nossos cientistas e de inovações locais para a solução dos problemas do País, mas é suficiente pensar nos milhares de empregos criados pela exploração de petróleo em águas profundas, pela exportação de aviões, pela ocupação dos cerrados do Centro-Oeste, as vacinas produzidas pela Fiocruz, e assim por diante. Tudo isto é produto local, envolveu cientistas, pesquisa, formação de recursos humanos, desenvolvimento de tecnologia, empresas, estado etc. Eu me lembro que nos anos 80 a Embrapa era muito criticada por não dar atenção às necessidades dos pequenos agricultores e por pesquisar, principalmente, culturas que eram associadas aos grandes produtores e ao mercado externo. Tentou-se redirecionar todo o esforço da empresa para as chamadas culturas básicas – arroz, feijão e mandioca –, que supostamente atenderiam de maneira direta aos problemas sociais do País. Ainda bem que esta orientação não vingou, e a Embrapa continuou fazendo pesquisas em muitas áreas, inclusive na do feijão com arroz, mas sem deixar soja, cana-de-açúcar, milho e outras "culturas de rico". Caso contrário hoje o cerrado não estaria ocupado, o Brasil não estaria exportando bilhões de dólares em soja, aves e suínos etc. O povo, inclusive o mais pobre, não estaria comprando alimentos mais baratos, e os próprios pequenos agricultores, hoje grandes produtores de aves e suínos em articulação com as agroindústrias, teriam muito mais problemas do que têm hoje em dia. Será que alimento mais barato e uma dieta mais protéica e diversificada não têm impacto social relevante, inclusive para a melhoria da qualidade de vida das famílias pobres do Brasil?

P - Como o senhor vê a participação do setor privado nos investimentos em P&D?

R - O Brasil construiu uma relevante, porém insuficiente, base de C&T financiada fundamentalmente pelo setor público. A participação do setor privado no esforço de P&D é pequeno, mesmo quando comparado à de alguns outros países com nível de desenvolvimento semelhante ao nosso. Isto se deve tanto ao estágio de desenvolvimento tecnológico da época como ao modelo de substituição de importações com economia fechada vigente no período de pós-guerra. A tecnologia de então se plasmava em máquinas e equipamentos que era possível importar e cuja utilização nem pressupunha grande capacidade de absorção tecnológica nem muito menos de inovação. As condições de hoje são outras: a máquina contém apenas uma parte da tecnologia, sendo a parte mais importante a da "inteligência" necessária para fazê-las funcionar de forma adequada, que está fora dela. Mesmo máquinas simples não serão usadas de forma eficiente e competitiva sem capacidade de aprendizado e sem capacidade de inovação, mesmo incremental. Neste contexto, sem a decisiva participação das empresas no esforço de P&D, o País não poderá enfrentar os desafios do presente e do futuro. A matéria tem sido tratada com bastante preconceito, e muitos ainda hoje pensam que não se deve transferir recursos públicos para apoiar pesquisas das empresas. Trata-se de uma visão absolutamente equivocada, inclusive sobre o papel das próprias empresas privadas na sociedade e na economia modernas. O resultado é que as empresas brasileiras, além de enfrentarem a concorrência internacional em condições desvantajosas em relação ao juro, à infra-estrutura e a outros custos, sofrem também em relação às atividades de P&D. O caso da Bombardier e Embraer ilustra bem a situação: a canadense recebe centenas de milhões de dólares para custear suas pesquisas e desenvolvimento dos produtos e a brasileira... Bom, o LB propõe uma revisão radical nesta área, revisão esta que já está em curso e acaba de ganhar um novo impulso com a Medida Provisória 66, que autoriza as empresas a deduzirem integralmente do Imposto de Renda as despesas operacionais com pesquisa tecnológica e desenvolvimento e inovação de produtos. Ao propor a criação de um ambiente favorável à inovação e estímulos ao investimento das empresas em P&D, o LB reconhece não apenas a realidade internacional e as políticas de inovação vigentes nos países da OCDE como também a própria natureza da atividade de P&D como atividade de risco elevado. Neste sentido, o LB propõe a consolidação e ampliação dos mecanismos de financiamento, subvenção, subsídio e outras formas de apoio, como por exemplo as compras governamentais.

P - Qual seria o papel das multinacionais em P&D num mercado globalizado em que ainda resistem blocos hegemônicos que adotam o protecionismo quando não o boicote?

R - O LB reconhece o papel relevante das empresas transnacionais na estrutura produtiva brasileira, e que estas empresas tendem a concentrar suas atividades de P&D nas matrizes. Isto dificulta, mas não inviabiliza, a elevação da participação das empresas na atividade e no financiamento de P&D. Existem várias oportunidades a serem aproveitadas. Muitas empresas estão reposicionando suas estruturas pesadas de P&D ao redor do Globo, e o Brasil tem condições, pelo seu tamanho, população, estrutura produtiva e potencial, de disputar esses negócios. O LB chama especial atenção para a necessidade de esforços de atração das multinacionais para realizar P&D no Brasil, o que pressupõe, além das chamadas condições macroeconômicas que o país vem logrando aos poucos, condições específicas, desde infra-estrutura e disponibilidade de recursos humanos qualificados até uma institucionalidade adequada, o que envolve, entre outras coisas, incentivos econômicos para redução de riscos, proteção da propriedade intelectual e credibilidade da política de CT&I. Mas esse é um campo minado, cheio de conflitos, e a presença de um Estado atuante e com políticas claras é fundamental para romper as barreiras e trazer mais P&D para o País.

P - O LB sugere que o arcabouço compatível para deflagrar um processo de CT&I que dê respostas às necessidades do país deve passar necessariamente por um rearranjo institucional na área, cabendo ao Estado o papel de articulador, regulador e de estimulador, integrando diferentes níveis governamentais. Como implantar essa política?

R - A necessidade de elevação dos gastos com P&D do setor privado não pode ser entendida como redução do papel do Estado, como uma coisa neoliberal, crítica hoje tão na moda. O LB de fato coloca a inovação e as empresas no centro dos debates sobre o futuro da CT&I no Brasil, mas o faz de forma consistente e destaca que o Estado continuará desempenhando um papel extremamente relevante; de um lado, continuará dependendo do setor público um percentual significativo e crescente dos recursos requeridos para financiar a CT&I; de outro, caberá ao Estado o papel de articular os atores e de instituições, de fazer um fomento dirigido de acordo com as prioridades, de realizar o planejamento de longo prazo, identificando hoje as carências de amanhã, propondo e liderando a implementação de políticas de construção do futuro; de criar e recriar uma institucionalidade adequada para o processo de inovação, e assim por diante.

P - Como conciliar a ampliação sustentada de investimentos em P&D com as restrições orçamentárias originadas na legislação vigente ou decorrentes de compromissos assumidos com agentes externos?

R - A restrição orçamentária é grande, mas não é absoluta, existe margem para trabalhar em praticamente todas as áreas. Isto exige, naturalmente, reformas institucionais, criatividade, inovação. Não é possível promover a inovação sem fazer inovação. Neste sentido, a experiência recente do sistema de C&T demonstra que com criatividade e inovação é possível ampliar os recursos mesmo em um ambiente de restrição orçamentária. A criação dos Fundos Setoriais de Ciência, Tecnologia e Inovação é um bom exemplo disso. O próximo passo é sem dúvida uma reforma na forma de gerir esses recursos. A criação dos mecanismos de gestão compartilhada no âmbito dos fundos setoriais é importante, mas não esgota o tema. Como você sabe, os fundos são geridos por comitês que contam com a participação de representantes do setor público, da comunidade científica e das empresas. É preciso avançar nesta direção, aumentar a transparência na gestão dos recursos, superar a prestação de contas formal e cobrar dos usuários os resultados efetivos que foram prometidos.

P - A quem caberia essa tarefa?

R - Finep e CNPq, agências do MCT, vêm fazendo progressos nesta área. É preciso mudar a cultura vigente, derrubar preconceitos e renovar conceitos; os atores, sejam as universidades, as empresas, as instituições de pesquisa em geral não podem continuar olhando o setor público apenas como fonte de financiamento. E o Estado não pode olhar e tratar essas instituições como se fossem um peso, como se estivesse nos fazendo um favor ao alocar recursos para o bom funcionamento. É preciso buscar e estabelecer parcerias, identificar onde estão as oportunidades e os recursos, e qualificar-se para aproveitá-las e para bem utilizar os recursos. O Estado precisa aprender a respeitar seus compromissos, inclusive os de financiamento, e criar condições reais para elevar a credibilidade de suas políticas. Só assim o Estado poderá inclusive cobrar mais, e melhor, de todos os envolvidos neste jogo da CT&I. Sem estas mudanças de postura, atitude e formas de gestão é difícil, mesmo relaxando as restrições orçamentárias, enfrentar os desafios que estão colocados para a CT&I. Mas a melhor resposta para o momento que estamos vivendo, de campanha eleitoral, é a de que as restrições orçamentárias serão relaxadas com o crescimento econômico. Claro que resta saber como se produz o crescimento econômico em meio a fortes restrições orçamentárias, mas este já não é assunto para o LB, mas sim para os candidatos a presidente da República.

Professor está na Unicamp desde 85

Antônio Márcio Buainain é formado em direito e economia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), mestre em economia pela Universidade Federal de Pernambuco e doutor em economia pelo Instituto de Economia da Unicamp. É professor do Instituto de Economia/Unicamp e pesquisador do Núcleo de Economia Agrícola (NEA/IE/Unicamp), onde mantém atividade de pesquisa na área de desenvolvimento agrário e política agrícola. Atualmente desempenha a função de Secretário Técnico do Comitê Gestor do Fundo Verde-Amarelo - Programa de Estímulo à Interação Universidade Empresa para apoio à Inovação. Iniciou sua carreira acadêmica na Universidade Federal de Pernambuco e transferiu-se para a Unicamp em 1985, no momento da criação do Instituto de Economia.

No período de 1986-89 foi coordenador técnico e posteriormente diretor do Centro de Estudos de Conjuntura do IE, o qual ajudou a criar e consolidar; afastou-se da universidade no período 1989-94 para trabalhar na Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) em Roma. Ali ocupou cargo de economista na Divisão de Análise de Políticas, Grupo da América Latina e Caribe, sendo responsável pela interface entre política macroeconômica e agricultura e pelo Programa de Capacitação em Planejamento e Políticas Agrícolas (Procaplan), com atuação em todos os países da região.

De volta ao Brasil em finais de 1994 retomou as atividades acadêmicas, tendo participado da criação e implantação do Curso de Especialização em Políticas Agrícolas, implementado durante três anos pelo IE em colaboração com a FAO e pela coordenação de vários projetos de pesquisa na área de economia agrícola. Desde 1998 vem coordenando o Estudo de Avaliação de Impactos Socioeconômicos dos Programas de Reforma Agrária do Governo Federal na Região Nordeste do Brasil, implementado em colaboração com professores do IE, da UFSCar, USP e de várias outras universidades federais; em novembro de 2001 seu grupo de pesquisa ganhou a licitação para avaliar o Novo Programa de Combate à Pobreza Rural (PCPR-II), cuja implementação teve início em julho deste ano.

Desde 1999 vem também desenvolvendo várias atividades na área de CT&I. Foi coordenador da parte de economia do estudo Complexo Econômico da Saúde no Brasil, executado pelo Instituto de Economia e pelo Núcleo de Política Públicas (NEPP) da Unicamp, recentemente editado em livro pelos professores Barjas Negri, atual Ministro da Saúde, e Geraldo di Giovanni, do NEPP; também coordenou o estudo sobre a Importância Econômica da Indústria de Direitos de Autor nos Países do Mercosul + Chile, publicado em 2002 pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), de Genebra. Este trabalho foi desenvolvido em colaboração com pesquisadores dos vários países, e contou com a ativa participação do Grupo de Estudos sobre Organização da Pesquisa e Inovação (Geopi), do Instituto de Geociências.

Também em colaboração com o Geopi vem desenvolvendo pesquisa sobre a Propriedade Intelectual nas Instituições Públicas de Pesquisa e sobre Políticas Públicas para Inovação Tecnológica na Agricultura do Estado de São Paulo: Métodos para Avaliação de Impactos da Pesquisa. Desde o ano de 2000 vem colaborando com o Ministério de Ciência e Tecnologia em várias atividades. Participou da iniciativa que deu origem ao Programa Arranjos Produtivos Locais, atualmente em fase de implementação pela Finep e Cnpq; foi coordenador do Grupo de Redação do Livro Verde de Ciência, Tecnologia e Inovação e integrou a equipe responsável pela organização da Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada em setembro de 2001 em Brasília. Neste ano participou do grupo do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos responsável pela redação do Livro Branco de Ciência, Tecnologia e Inovação.