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Memórias políticas
da velha Mooca
Tese mostra como adhemarismo e janismo mimetizaram práticas adotadas pelo PCB e desfiguraram um dos berços do sindicalismo paulista
ANTONIO
ROBERTO FAVA
Talvez
uma alusão à histórica Praça Vermelha da antiga
União Soviética, a capital de São Paulo também
teve a sua Praça Vermelha, reduto do Partido Comunista Brasileiro,
no bairro da Mooca, zona Leste da cidade. Berço do sindicalismo
paulista da primeira metade do século 20, ali a força política
e ideológica dos moradores era tão grande que nas eleições
de 1947 o partido obteve 34% dos votos válidos, elegendo três
dos quinze vereadores comunistas. No entanto, naquele mesmo ano, o partido
começou a dar sinais de fragilidade e de não resistir às
pressões externas e à ilegalidade, decretada em maio daquele
ano.
Se
antes a Mooca era um dos bairros mais importantes da cidade, a partir dos
anos 50 passa por um processo de "desindustrialização" com
o conseqüente abandono e degradação. Antes, porém,
a Mooca detinha a maior concentração industrial, principalmente
indústrias têxteis e de alimentos. Era um bairro que concentrava
grandes populações de imigrantes italianos (maioria), espanhóis,
portugueses e "hungareses" - como são chamados, ainda hoje, os imigrantes
oriundos da Europa centro-oriental, russos, lituanos, ucranianos, iugoslavos
e húngaros. "Por conta dessa variedade de origens, a Mooca foi um
dos bairros mais heterogêneos da cidade de São Paulo", diz
o professor de história Adriano Luiz Duarte, da Universidade Federal
de Santa Catarina.
Um
exemplo disso deu-se com a criação, ainda em meados de 1945,
dos Comitês Democráticos e Populares, sob inspiração
do recém-legalizado Partido Comunista. O pesquisador explica que
inicialmente esses comitês deveriam funcionar como núcleos
para agregar simpatizantes e potenciais eleitores do partido. No entanto,
com o envolvimento nas questões específicas dos bairros,
rapidamente esses comitês se transformaram em referência tanto
para os pedidos de moradores quanto eletricidade, pavimentação,
escolas, postos de saúde, quanto de centros de atividade social,
onde eram ministrados cursos de alfabetização de adultos,
corte e costura e marcenaria.
Seu
imenso espólio organizacional era avidamente disputado por partidos
e políticos locais. A Mooca, com quase 100 mil habitantes, era o
bairro mais populoso da cidade de São Paulo, além de possuir
o maior colégio eleitoral, com mais de 30 mil eleitores. Os maiores
beneficiados com a "extinção" do PCB eram duas figuras conhecidas
no cenário político nacional: Adhemar de Barros e Jânio
Quadros.
"Adhemar
havia montado com o seu PSP (Partido Social Progressista) uma sofisticada
máquina partidária em cada bairro da cidade de São
Paulo. Possuía um diretório distrital, nomeando um juiz de
paz e um subdelegado de polícia. Estes nomeavam os então
chamados inspetores-de-quarteirão, de modo que todo o bairro fosse
esquadrinhado e conhecido em minúcias", explica Duarte, que acaba
de defender tese no IFCH sobre Cultura popular e cultura política
no após-guerra: redemocratização, populismo e desenvolvimento
no bairro da Mooca, 1942-1973, sob orientação do professor
Michael Hall.
Segundo
explica, essa azeitada máquina era capaz de mobilizar todas as atividades
onde pudesse manifestar a sua influência, assim como conhecer todas
as demandas e todos os descontentamentos da população do
bairro. Além disso, toda a máquina clientelista – dos pedidos
de emprego às demandas por melhorias urbanas – devia passar pelas
instâncias do partido.
"O
curioso é que, ao menos no bairro da Mooca, a máquina partidária
do PSP foi criada a partir de uma série de organizações
locais, como clubes de futebol, associações culturais, clubes
de dança, entre outras atividades sociais. Quer dizer, o PSP se
aproveitou da capilaridade dessas organizações e se constituiu
como partido político operando de modo semelhante ao que já
fizera, no recém-passado, o PCB", observa Duarte.
Jânio
Quadro, por sua vez, iniciou sua carreira política como vereador
em 1947. Iniciou sua trajetória política percorrendo os bairros
mais distantes da cidade, colhendo seus problemas e suas carências
e depois apresentando-as na tribuna da Câmara. De 1947 a 1952 Jânio
foi construindo sua imagem como uma espécie de paladino da periferia
e, em suas andanças, seus principais interlocutores eram as chamadas
Sociedades Amigos de Bairro. Essas organizações, surgidas
em cada vila da cidade, eram herdeiras diretas dos comitês democráticos
e populares de inspiração comunista. "Ou seja, tanto o adhemarismo
quanto o janismo cresceram no vácuo deixado pela ilegalidade do
PCB, disputando e dando continuidade ao clamor de reivindicações
da população", explica Duarte.
O
janismo, por exemplo, consolidou suas bases operando por dentro das mesmas
organizações já existentes do bairro – clubes de futebol,
associações culturais das colônias e clubes de dança.
A atuação de Jânio e Adhemar na Mooca revela que as
condições específicas dos bairros da cidade eram decisivas
para que se pudesse compreender o que se costuma denominar-se populismo.
"Atribuir o sucesso eleitoral desses líderes populistas unicamente
ao seu carisma pessoal, é, no mínimo, um equívoco",
diz Duarte.
Ambos
se sustentavam por meio de sofisticadas redes de contatos com organizações
locais que mediavam o seu carisma junto aos eleitores. O contato direto,
a partir dessas associações locais com moradores do bairro,
segundo Duarte, foi inspirado, evidentemente, nas práticas dos comunistas,
com os quais disputavam espaço.
Verifica-se
ainda que Adhemar e Jânio, a União Democrática Nacional
(UDN) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) também alcançaram
expressiva organização no bairro da Mooca. Mas, de acordo
com pesquisador, a UDN nunca conseguiu ser muito popular, uma vez que era
identificada como o "partido do fraque e da cartola", como a denominavam.
"De fato, não parece ser a composição social que diferencia
a UDN do PSP ou o janismo; a diferença talvez estivesse num difuso
sentimento de superioridade expresso pelos seus integrantes e, por conseqüência,
na disposição de se envolver nas árduas disputas locais",
avalia o professor.
Eram
freqüentes as contendas, ainda que veladas, apenas na base da provocação.
Nesse contexto, os opositores da UDN a rebatizaram de "Unidos Destruiremos
a Nação", ao que respondiam acusando o PSP de "Picaretas
Sempre Picaretas".
A
relação desses políticos com moradores da Mooca foi
reduzida a uma relação meramente clientelista em que a moeda
de troca era o voto. "Essa interpretação é equivocada
por dois aspectos: primeiro porque os moradores da Mooca jogavam com políticos
negociando as suas solicitações, como melhorias para o bairro.
A relação era uma via de mão dupla. Parte do sucesso
de políticos como Jânio e Adhemar estava na negociação
direta entre os políticos e as classes populares de bairros periféricos.
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