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O ônus do ócio
Estudo revela que trabalhadores
aposentados são mais suscetíveis
à depressão
ANTONIO R. FAVA
Educação, trabalho assalariado, aposentadoria e depressão. Estudo para tese de doutorado do professor e psicólogo Jaime Lisandro Pacheco mostra que indivíduos com formação educacional unicamente voltada para o trabalho assalariado têm grandes possibilidades de desenvolver sintomas depressivos, depois de se aposentarem.
O pesquisador explica que a depressão ocorre depois que vem a aposentadoria. Isso porque, de acordo com os estudos de Jaime, o indivíduo é condicionado a valorizar o trabalho, especialmente o fabril, que se desenvolve de maneira repetitiva, controlada e pouco criativa, no qual o cidadão tem que exercer sua tarefa de maneira mais rápida, precisa e sem questionamento. As principais instituições que cuidam da educação do homem a família e a escola costumam repassar ao indivíduo o conceito, quase imposto, de que o trabalho assalariado “é a forma mais plausível de se realizar enquanto ser humano”.
Para elaborar sua tese, Jaime investigou, por meio de método biográfico, a vida de oito pessoas três homens e cinco mulheres com escolaridade, classe social, etnia, idade, estado civil, domicílio e níveis de renda diferentes. Depois da análise dos dados, chegou à conclusão que, após a aposentadoria, os homens apresentaram sistematicamente mais sintomas depressivos do que as mulheres.
“Elas revelaram, por diversas razões, ter poder e maneiras de enfrentar a vida de não-trabalho assalariado de forma mais positiva que os homens. Entre elas, por exemplo, a de poderem continuar responsáveis pelo trabalho doméstico e, por isso mesmo, com menor risco de desenvolver sintomas depressivos pela falta do trabalho assalariado”, explica Jaime. O estudo verificou, no entanto, que as mulheres negras, mais pobres e analfabetas também não apresentaram sintomas que revelassem um quadro de depressão, após deixarem de trabalhar. Em contrapartida, os sujeitos do grupo investigado homens e mulheres que tiveram uma educação formal mais rígida e em consonância com a educação familiar de valorização do trabalho assalariado, como a única maneira de realização do ser humano, começaram a apresentar sintomas significativos de depressão, quando tiveram que se aposentar.
Oláia, 96 anos, viúva, analfabeta, doméstica, negra, e Augusta, de 84, viúva, também analfabeta e negra, são dois indivíduos analisados por Jaime que, de acordo com suas histórias de vida, em momento algum apresentaram sinais de depressão após terem parado de trabalhar. O fato de não terem freqüentado a escola “parece ter conservado a espontaneidade e a criatividade para enfrentar as situações de exploração a que foram submetidas e, por conseqüência, impedindo-as de sofrerem os males provocados pela depressão”, ressalta o pesquisador. As outras três mulheres e os três homens investigados, todos escolarizados, com diferentes graus de instrução e em escolas diferenciadas segundo a origem social de cada um, revelaram sinais consideráveis de depressão em diferentes graus, direta ou indiretamente ligados à impossibilidade de continuarem a trabalhar da forma para a qual foram educados.
O trabalho assalariado foi internalizado, para a maioria desses sujeitos, como o valor mais expressivo de suas vidas. “O mais importante do trabalho da tese, contudo, é a discussão sobre o entendimento das relações complexas de como, pela educação familiar e escolar, se constrói o futuro dos seres humanos que envelhecem”, acredita o professor.
Jaime Pacheco é autor da tese de doutorado Educação, trabalho e envelhecimento: estudo das histórias de vida de trabalhadores assalariados focalizando as relações com a escola, com o trabalho e com os possíveis sintomas depressivos após a aposentadoria, defendida no último dia 11 (quarta-feira), na Faculdade de Educação (FE), sob orientação da professora Olga von Simson.
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