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O mapa da praga do cacau
Unicamp coordena seqüenciamento genético do fungo que devasta cultura
MANUEL ALVES FILHO
A vassoura-de-bruxa, doença que tem provocado graves danos à plantação de cacau no Brasil, está com os dias contados. Oito grupos de pesquisadores, coordenados por uma equipe da Unicamp, estão próximos de concluir o seqüenciamento genético do fungo Crinipellis perniciosa, causador da praga. Assim que o mapeamento estiver pronto, em 2003, os cientistas terão uma espécie de "manual de instrução" do microorganismo, o que permitirá que seus pontos fracos sejam atacados com eficiência. Até o momento não foi descoberto qualquer método ou produto que conseguisse debelar a moléstia da cacauicultura. Além disso, essa espécie pertence a uma classe de fungos que causa grande problema para a agricultura mundial. As informações obtidas deverão servir de base para a compreensão de outras doenças de plantas.
De acordo com Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, professor do Instituto de Biologia da Unicamp e coordenador do programa Genoma Vassoura-de-bruxa, a montagem do quebra-cabeça, que começou em 2000, está bastante adiantada. O que os pesquisadores têm feito é pegar o DNA e quebrá-lo em pequenas partes. Em seguida, cada partícula é seqüenciada e armazenada em um banco de dados. Depois, essa informação é comparada com outros bancos de dados genéticos. Diferentemente do que foi feito quando do seqüenciamento da Xylella fastidiosa, causadora da doença conhecida como amarelinho, que atinge a citricultura, os especialistas não estão esperando o trabalho acabar para promover as análises estruturais.
"Assim que terminamos uma seqüência, nós iniciamos esse estudo. Além de ganhar tempo, isso facilita a seqüência posterior", explica Pereira. Tudo isso é possível, conforme o coordenador do programa, por causa dos recursos da bioinformática. Há dez anos, os pesquisadores levavam cerca de um ano para realizar a seqüência de 50 mil "letrinhas" de um código genético. Hoje, essa mesma tarefa é executada em uma hora. Graças a essa rapidez, os técnicos já estão atacando, tanto em laboratório quanto no campo, uma proteína presente na vassoura-de-bruxa, que provavelmente é a causadora do apodrecimento tanto do fruto quanto do pé de cacau.
Quando ocorre a necrose, a planta assume a aparência de uma vassoura velha, daí o nome da doença. Uma ação contra a praga tem sido identificar e clonar as plantas que se mostram naturalmente resistentes. O professor Pereira destaca, porém, que há grande risco destas espécimes tornarem-se suscetíveis em pouco tempo, pois o fungo apresenta alta taxa de variabilidade. "A genômica é importante exatamente por isso. Ela nos permitirá saber, com segurança, como o fungo age. Conhecendo o seu funcionamento, nós teremos como inibi-lo. Sem a genômica, partiríamos para a tentativa e erro, sem qualquer certeza de que teríamos sucesso um dia", esclarece.
Praga faz produção despencar
A sugestão para criar o programa Genoma Vassoura-de-bruxa partiu do professor Gonçalo Amarante Guimarães Pereira. Nascido na Bahia, ele tinha e ainda tem - uma grande preocupação com os impactos econômicos e sociais provocados pela derrocada da cacauicultura, sobretudo a do sul do seu Estado. Os problemas causados pela Crinipellis perniciosa, segundo o professor do IB e coordenador do projeto, são maiores do que os proporcionados pela Xylella fastidiosa. O amarelinho, embora traga dor de cabeça aos produtores, não chegou a arrasar os laranjais brasileiros.
Só para se ter uma idéia das conseqüências do impacto causado pelo ataque da vassoura-de-bruxa, em 1987 a produção brasileira de cacau era de 400 mil toneladas ao ano. Dois anos depois, a praga começou a atacar e fez com que, em uma década, o Brasil passasse a produzir apenas 100 mil toneladas anualmente. A esse problema somou-se a queda brusca do preço do produto no mercado internacional passou de US$ 4 mil a tonelada para apenas US$ 650. No sul da Bahia, o faturamento do segmento, que era de US$ 1,5 bilhão ao ano, despencou para US$ 60 milhões.
"O resultado disso tudo foi a geração de 300 mil desempregados e a favelização de toda a região", conta Pereira. Participam do projeto Genoma Vassoura-de-bruxa, além da Unicamp, as seguintes instituições: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e Universidade Católica de Salvador (UCSAL). Os trabalhos, que deverão consumir aproximadamente R$ 2,5 milhões, contam com financiamento do governo do Estado da Bahia e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
DESCAPITALIZADOS
Os produtores brasileiros de cacau, principalmente os do sul da Bahia, depositam uma grande confiança nos resultados do programa Genoma Vassoura-de-bruxa. De acordo com Thomaz Hartman, uma das lideranças locais entre os cacauicultores, a erradicação da praga dará o impulso para que o setor se restabeleça de forma definitiva. "As estimativas oficiais dão conta de que essa recuperação demore, a partir da eliminação do fungo, cerca de cinco anos. Eu, particularmente, acredito que o processo leve entre sete e dez anos", prevê.
De acordo com Hartman, a primeira fase da retomada do crescimento da cacauicultura já está em andamento. O preço do cacau vem registrando alta no mercado internacional, em virtude da menor oferta do produto. Além disso, as plantas que se mostraram naturalmente resistentes à vassoura-de-bruxa, e que foram clonadas, entraram em fase de produção no sul baiano. "Ainda assim, os produtores estão totalmente descapitalizados", adverte. O próprio Hartman é um exemplo do que ocorreu com os produtores ao longo da última década, em decorrência da ação da praga.
Executivo de uma grande empresa, ele trocou, em 1988, uma carreira ascendente pelo desafio de se tornar cacauicultor. Em um ano, valendo-se da sua experiência anterior, ele ampliou a produção da sua fazenda de 2,5 mil para 4 mil arrobas de cacau. Com o advento da vassoura-de-bruxa e a falta de chuvas, entre 1993 e 1998, a produtividade sofreu uma grande retração. No ano passado, por exemplo, a propriedade não chegou a produzir mil arrobas de cacau. Segundo Hartman, a recuperação da cacauicultura não é importante apenas para os produtores, que de fato passam por uma situação muito difícil, mas para o Brasil. "Na Bahia, cerca de 3 milhões de pessoas dependem direta ou indiretamente do setor. Quem não está desempregado, está sofrendo um processo de empobrecimento muito grande, o que ocasiona graves problemas sociais para o Estado e para o país", argumenta.
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