EUSTÁQUIO
GOMES
Depois
de uma passagem pouco gloriosa pela Câmara
dos Deputados, o projeto da reforma da Previdência
vai ao Senado. Ali deverá ser discutido
durante dois meses, talvez menos, antes de ser
votado pelos senadores. Tão lisamente passou
pela Câmara com todos os ventos soprando
a favor que, francamente, são poucas
as esperanças de que venha a sofrer modificações
profundas na chamada Câmara Alta. Mas como,
ainda ontem, lideranças partidárias
prometiam não se limitar a carimbar o texto,
mas sim aperfeiçoá-lo, é
legítimo crer que algumas barbaridades
venham a ser reparadas.
Aconteça ou não
essa reparação, o governo terá
por fim consumado o embate de morte que vem travando
com os diferentes segmentos do setor público,
a quem insistentemente tem chamado de corporações.
Houve um tempo em que o termo era mais ameno:
companheiros. Agora a semântica
azedou: privilegiados.
Em entrevista concedida ao Jornal da Unicamp,
o professor Ricardo Antunes, um intelectual mais
que respeitável da esquerda brasileira,
aponta o erro grosseiro que o governo cometeu
ao satanizar o servidor público e jogar
contra ele o mercado, os trabalhadores do setor
privado e, por fim, a opinião pública
em geral. Pior: ao fazer isso passou as lagartas
de seu tanque de guerra sobre todos os argumentos
contrários, especialmente aqueles que apontavam
o amesquinhamento das carreiras públicas,
a injustiça para com o mérito duramente
conseguido e o desestímulo à renovação
qualificada do setor público.
É evidente que
as novas gerações, quando olharem
uma carreira pública desmontada, arrebentada,
precarizada e sem perspectiva de uma aposentadoria
pública, vão buscar sua alternativa
no admirável mundo do mercado, diz
o professor Antunes. As conseqüências
para as universidades não serão
pequenas.
Tanto maior é essa injustiça quanto
é possível demonstrar, como faz
o professor Cláudio Salvadori Dedecca num
brilhante estudo que acaba de concluir, que há
uma clara manipulação da informação
com o objetivo de estigmatizar o emprego público.
O estudo de Dedecca mostra que, ao mesmo tempo
em que apresenta níveis de qualificação
profissional superiores aos do setor privado,
os trabalhadores do setor público usufruem
de remunerações bem mais modestas
nele permanecendo por razões que
transcendem o mercado.
Se a ameaça às
carreiras públicas é ruim para os
servidores, não é melhor para o
governo, que coloca assim em risco a qualidade
do Estado e dos serviços que oferece. Com
o que se pode dizer, com o professor Dedecca,
que o governo está dando um tiro no próprio
pé. Tiro que o Senado, se quiser, pode
ao menos evitar que comprometa a perna, e quiçá
o corpo do Estado.