SÉRGIO
SALLES FILHO
A
inovação ocorre na empresa, tudo
bem, mas para ser mais, digamos...abrangente,
ocorre como fato social. Por definição,
a inovação ocorre no momento em
que o novo é, de alguma forma, socialmente
apropriado. Bem, aí nessa curta e imprecisa
explicação encontram-se duas dicas
importantes: primeiro, trata-se de algo novo;
segundo, algo novo que tenha, por certos meios,
sido incorporado à rotina de indivíduos
e/ou coletivos, pessoas físicas e/ou jurídicas,
ou como se queira nomear pessoas e instituições.
Uma publicação
da OCDE, conhecida como manual de Oslo (que faz
parte da chamada família Frascati
de manuais que definem atividades de pesquisa
e desenvolvimento e de ciência, tecnologia
e inovação), define inovação
como sendo a introdução, com
êxito, no mercado, de produtos, serviços,
processos, métodos e sistemas que não
existiam anteriormente, ou contendo alguma característica
nova e diferente da até então em
vigor. Não se deve, portanto, confundir
fazer inovação com fazer tecnologia,
ainda que esta vise àquela.
Muito bem, nessa linha, a inovação
é um processo a introdução,
com êxito.... Mas é a introdução
de algo produtos, serviços,
processos... pensado, criado, desenvolvido,
experimentado. Logicamente, toda inovação
tem sua própria estória, ligada
à tentativa de produzir e incorporar o
novo. Essa estória se encontra como
regra geral, mas não necessariamente
em atividades de pesquisa e desenvolvimento e
na ciência e na tecnologia. Pode ser numa
seqüência linear (lá do começo,
na pesquisa básica, até o produto
na prateleira) ou não linear (geralmente
não é). Pode ter alto conteúdo
científico, ou não. Pode ser incremental
(pequenas mudanças), radical (novas tecnologias
que substituem outras) ou mesmo induzir a emergência
de um novo paradigma técnico e econômico.
De fato, é preciso compreender
bem isso para ver aonde vamos com essa coisa de
inovação. A conseqüência
dessa visão foi bem entendida no âmbito
das políticas de desenvolvimento científico
e tecnológico dos países...foi mesmo?
Alguns países reconheceram isso antes e
melhor do que outros, mas de uma maneira geral,
não resta dúvida de que há
relações óbvias e crescentes
entre a ciência, a tecnologia e a inovação,
tampouco parecem resistir dúvidas de que
C&T não sobrevive sem inovação
e vice-versa. Cada nova inovação
(perdoem o pleonasmo, mas vale a pena enfatizar),
transborda e engendra demandas para o avanço
do conhecimento, assim como o avanço do
conhecimento abre oportunidades para novos produtos,
serviços e processos.
Daí que a incorporação
da letra I ao acrograma C&T faz
todo o sentido. C,T&I não é
modismo, mas uma evolução sobre
o que se pensa sobre e o que se faz com o desenvolvimento
científico e tecnológico nas sociedades
contemporâneas.
Tudo bem, mas aí aparece um monte de gente
dizendo que essa tal de inovação
só opera para o mercado e que instrumentaliza
a ciência e o conhecimento em uma perspectiva
imediatista a do mercado perdendo-se
com isto a necessária perspectiva de longo
prazo e a liberdade que a produção
do conhecimento exige. Decorre disto a indisposição
de alguns para com a articulação
entre ciência, tecnologia e inovação
e para com a articulação da universidade
no esforço da inovação. Mas
o sentido da inovação não
se restringe à sua aceitação
pelo mercado, antes pressupõe sua apropriação
social, o que pode ou não ser intermediado
pelo mercado.
A força que o conhecimento
hoje tem sobre os valores e a organização
das sociedades é muito maior do que sempre
foi. Tudo o que as tecnologias de informação
trouxeram e ainda estão trazendo para as
sociedades contemporâneas impuseram forma,
ritmo e conteúdo inovadores. Manoel Castells
acredita que o que diferencia o atual momento
dos demais na história é que, pela
primeira vez, a mente humana se torna força
direta de produção e não
apenas um elemento decisivo dos sistemas produtivos.
Mas isto é bom ou ruim
para nós, países menos desenvolvidos?
Bom, claro, pois que está na capacitação
e na criatividade o principal diferencial dessa
sociedade da informação. Ruim, claro,
porque muitos não têm sequer o ensino
fundamental completo. Assim mesmo, ao mesmo tempo
bom e ruim, em um País de contrastes absurdos.
Prefiro, particularmente, achar
extraordinariamente positiva essa nova revolução
tecnológica (que, creio, os historiadores
não mais chamarão de industrial,
simplesmente porque a indústria não
é mais o principal diferencial, como o
foi no final do século 18 e no final do
século 19). Os requisitos de capital mudam
sensivelmente, ganhando grande espaço o
intelectual (não o homo intelectual, mas
o capital, a força de transformação
de coisas em valor). E acho positiva justamente
por isso: há oportunidades com necessidades
de mobilização de capital qualitativamente
diferentes que permitem a um país menos
desenvolvido aspirar a tomar parte em um jogo
altamente competitivo. Exemplos disso são
as oportunidades ligadas à indústria
de software e à exploração
sustentada da biodiversidade, apenas para citar
dois dentre os mais evidentes.
Vale aqui sustentar uma proposição
básica: a de que é um erro de conseqüências
imprevisíveis para um país separar
a política e a estratégia de desenvolvimento
científico e tecnológico da política
de busca por inovações.
Fazer inovação não se restringe
a fomentar pesquisa e desenvolvimento, é
preciso considerar o conjunto das atividades necessárias
para que a inovação aconteça.
Esse conjunto de atividades é bem maior
do que o investimento específico em P&D.
Compreende todas as ações complementares
e indispensáveis à preparação,
à implementação e à
introdução de algo essencialmente
novo. Isto mobiliza diferentes atores sociais
e envolve o pesquisador numa realidade muito mais
abrangente e com maiores chances de gerar benefícios
sociais.
Assim é que a efetividade
das políticas públicas voltadas
ao tema não pode ignorar o suporte àquelas
ações complementares (como, por
exemplo, desenvolvimento de produto, capacitação
de pessoal, adequação a regras comerciais,
propriedade intelectual, infra-estrutura de P&D,
tecnologia industrial básica, suporte à
comercialização pioneira e assim
por diante). Ora, em assim sendo, deveria haver
uma forte aproximação entre as políticas
de C&T e as políticas industriais,
agrícolas, comerciais etc.
Academia e indústria,
ainda que espécies diferentes, apresentam
óbvias interfaces. Não se trata
de promover cruzamentos interespecíficos
até porque haveria incompatibilidade
genética mas sim de criar e ampliar
as interfaces, explorando o que nelas há
de complementar no esforço da inovação.
Se às instituições
acadêmicas não lhes cabe trabalhar
para o mercado (exceto o mercado de trabalho),
tampouco lhes é dado o direito de ignorá-lo.
Aceitas essas considerações, podemos
então tratar o tema sem medo de considerar
a política baseada na inovação
como algo que despreza demandas sociais outras
que não as de natureza estritamente privada,
de reprodução do status quo, ou
como algo que não se ocupa da produção
de conhecimento científico fundamental
(a pesquisa básica). Tudo depende das diretrizes
dessa política! Vejamos três argumentos
nessa direção:
a) Pode-se perfeitamente pensar
em ações de inovação
voltadas a condições sócio-econômicas
específicas. Gerar renda e promover qualidade
de vida para populações excluídas
requer inovação. Uma comunidade
pobre que explora recursos naturais na Amazônia,
por exemplo, carece de tecnologias de toda ordem
(produto, processo, organizacional e de serviços),
além de acesso a mercados com suas regras
cada vez mais restritivas.
b) Um projeto de inovação
tecnológica, muitas vezes, incita a investigação
científica original, criando linhas de
pesquisa variadas e combinadas como por
exemplo o conhecimento e a exploração
da biodiversidade.
c) A política baseada
no trinômio C,T&I requer o apoio a todos
seus componentes, caso contrário não
será uma política de C,T&I,
mas qualquer outra coisa.
Mas o que é que a universidade tem a ver
com tudo isso? Bem, ela é parte indissociável
de qualquer sistema C,T&I, seja pela capacitação
de pessoal de alto nível, seja pela produção
de conhecimento original ou adaptado, seja ainda
pela capacidade que tem em pensar criticamente
o futuro.
Que ela faz parte de um sistema
de ensino e pesquisa (pelo menos as que fazem
as duas coisas), isto já se sabe, mas é
preciso também saber que ela é parte
essencial de um sistema de inovação.
Ignorar este fato é o mesmo que desperdiçar
oportunidades e, pior, desperdiçar recursos
públicos (no caso de universidades públicas).
A universidade deve se abrir cada vez mais para
atender e promover demandas públicas e
privadas, sempre que houver um benefício
social claramente sinalizado.
Em tempo e antes que me crucifiquem:
o cálculo do benefício social decorrente
do investimento público não guarda
relação direta e unívoca
com as formas jurídicas pública
ou privada. Pode-se ter elevado benefício
social em investimentos privados e uma verdadeira
calamidade pública em investimentos públicos,
e vice-versa.