LUIZ
SUGIMOTO
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O
professor Otávio Rizzi Coelho: potencial do
método é grande |
O cateterismo,
tão incômodo aos pacientes quanto
aflitivo aos parentes, continuará sendo
eficaz e indispensável no tratamento de
cardiopatias, mas a tecnologia poderá propiciar,
em termos de diagnóstico, métodos
que descartem a invasão do corpo para avaliar
como batem nossos corações. A comunidade
cardiológica guarda boas expectativas quanto
à evolução da ressonância
magnética e da tomografia multi-slice,
que em médio prazo deverão fornecer
diagnósticos confiáveis sobre problemas
na artéria coronária, poupando pacientes
de exames invasivos e antecipando tratamentos
contra eventos graves no futuro.
Por meio
do cateterismo (coronariografia) observa-se a
luz da artéria coronária. É
como se olhássemos através de um
cano para verificar se algo está obstruindo
a passagem da luz. Mas a doença coronária,
sabe-se hoje, não se limita a um entupimento.
Primeiramente, a artéria sofre o que se
chama de remodelamento positivo, crescendo
para fora. Surgem várias células
inflamatórias no ponto da arteriosclerose
e a parede do cano, que era fina,
engrossa. Como o cateter mostra apenas o interior
do cano, e não a parte de fora,
tudo pode parecer normal. Quando a doença
evolui, a artéria começa a crescer
para dentro, obstruindo então a circulação
do sangue pelo coração.
A ressonância
magnética é uma técnica não-invasiva
que oferece uma imagem da parte externa da coronária,
o que pode ajudar no diagnóstico da doença.
Porém, se é relativamente simples
observar um grande vaso como a aorta, a artéria
coronária é muito pequena e, além
disso, movimenta-se aleatoriamente de acordo com
as batidas do coração e o ritmo
da respiração. Isto exige alta velocidade
e resolução na captação
das imagens, em um nível de sofisticação
que os hardwares e softwares atuais ainda não
proporcionam. A possibilidade de visualizar e
quantificar lesões coronárias, de
calcular seu fluxo e reserva coronária
e ainda caracterizar os componentes da lesão
obstrutiva (centro lipídico, placa fibrosa
e hemorragia intra-placa) tem valor inestimável
e promete revolucionar a cardiologia dentro de
alguns anos.
A tomografia
obtém imagens do cérebro facilmente.
O problema em relação ao coração
é que ele bate e o vaso acompanha o movimento.
É como se a imagem que queremos fotografar
ficasse desfocada. O potencial do método
é grande, mas a técnica precisa
melhorar. Assim como ocorreu em outras áreas,
a ressonância magnética nuclear tende,
se não a substituir, pelo menos a complementar
a coronariografia convencional. Com freqüência
erramos em tais previsões, mas creio que
o aperfeiçoamento dos equipamentos ainda
vai demorar entre cinco e sete anos, estima
o professor Otávio Rizzi Coelho, chefe
da Área de Cardiologia da Faculdade de
Ciências Médicas (FCM) da Unicamp.
Doutorado Rizzi
Coelho é co-orientador da tese de doutorado
de Juliano de Lara Fernandes no Instituto do Coração
(Incor) de São Paulo. Ele ressalta a importância
da parceria entre as duas instituições
a primeira na área que viabilizou
a pesquisa de Fernandes, um médico formado
pela Unicamp que vem monitorando pacientes voluntários
há três anos, com o objetivo de avaliar
as aplicações da ressonância
magnética na cardiologia (veja matéria
nesta pagina).
O cateterismo nunca vai perder sua utilidade
no diagnóstico e principalmente no tratamento
de cardíacos, pois é uma técnica
menos agressiva que a cirurgia. De qualquer forma,
é um método invasivo e submete o
paciente a radiação de raio-X, além
de apresentar certas limitações
para o diagnóstico, afirma Juliano
Fernandes. Segundo ele, embora existam trabalhos
comparando a eficácia da ressonância
magnética à do cateterismo no diagnóstico,
a limitação da velocidade na aquisição
da imagem torna a primeira técnica inviável
ainda para a prática clínica.
Integrado O
outro método não-invasivo para tentar
visualizar a artéria coronária é
a tomografia multi-slice, capaz de obter imagens
em velocidade bem maior. Mas, assim como
o cateterismo, a tomografia expõe o paciente
à radiação e utiliza um tipo
de contraste que pode lesar os rins. Ela talvez
esteja um passo à frente da ressonância
magnética, mas também depende de
evolução técnica para apontar
doenças coronarianas. De qualquer forma,
no que se refere a diagnóstico, a pergunta
não é qual técnica não-invasiva
vai substituir o cateterismo, mas quando,
observa Fernandes.
O doutorando do Incor acrescenta
que os trabalhos com ressonância cardíaca
ainda são muito iniciais, significando
mais uma linha de pesquisa que de aplicação
clínica. Os estudos começaram
faz menos de uma década. Atualmente, a
ressonância já é clinicamente
utilizada de rotina para observar a anatomia do
coração, isquemias e tamanhos de
infartos. Nesse sentido, o método já
está trazendo alívio ao paciente
por livrá-lo de se submeter a uma série
de exames testes de esforço, cintilografia,
eletrocardiograma integrando-os em um só.
Parceria
entre Unicamp e Incor
O paciente que chega ao Instituto do Coração
(Incor) com um quadro de infarto chamado
sem supra, ou de angina instável
de alto risco (grande probabilidade de complicação
coronariana no futuro), recebe o tratamento
inicial e pode ser encaminhado à
máquina de ressonância magnética.
Na imagem da coronária é feito
um corte transversal, que permite medir
a espessura da parede, o tamanho da área
inflamada e a luz que passa pelo vaso.
Esses estudos com pacientes voluntários
visam verificar se o fato de a artéria
estar mais espessada juntamente com
características da placa de arteriosclerose
que a ressonância também é
capaz de mostrar externamente é
um prognóstico ruim para a pessoa,
aumentando seu risco para um infarto ou
outro evento cardíaco, informa
Juliano de Lara Fernandes. Depois de seis
meses, o paciente é submetido ao
mesmo exame de ressonância, comparando-se
os resultados. Até o momento foram
incluídos 20 pacientes no estudo,
sendo que sete já completaram o seguimento
de seis meses.
O que temos percebido é que
a espessura diminui depois do evento agudo,
a fase inflamatória melhora ao longo
do tempo. Ou seja, a ressonância magnética
é capaz de antecipar a informação
sobre uma anormalidade naquele ponto da
coronária, adicionando informações
a uma técnica invasiva como o cateterismo,
afirma Fernandes, com a ressalva de que
este método ainda não pode
ser inserido na prática clínica,
devido à inexistência de hardwares
e softwares que captem imagens em tempo
satisfatório, como foi descrito anteriormente.
Em Campinas A tese de doutorado
de Juliano Fernandes tem a orientação
do professor Carlos Vicente Serrano Jr.,
da Faculdade de Medicina da USP, e a colaboração
dos médicos José Rodrigues
Parga Filho, Luís Francisco Avila
e Carlos Eduardo Rochitte, da Seção
de Ressonância Magnética do
Incor. Na Unicamp, o doutorando conta com
a co-orientação do professor
Otávio Rizzi Coelho, do Departamento
de Clínica Médica, e da professora
Maria Heloísa Blotta, do Departamento
de Patologia Clínica, ambos da FCM.
A parte da tese visando identificar informações
na artéria coronária era desenvolvida
exclusivamente no Incor, cuja máquina
de ressonância magnética atende
às especificações necessárias.
Um equipamento similar cedido por uma clínica
privada da cidade trouxe a possibilidade
de a pesquisa com voluntários ser
estendida para Campinas. A segunda parte
dos estudos se refere aos marcadores imunológicos,
em conjunto com a Unicamp. Fernandes informa
que este trabalho será enviado ao
Congresso Mundial da Sociedade de Ressonância
Cardíaca, marcado para fevereiro
de 2004, em Barcelona.
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