CLAYTON
LEVY
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O
professor Cláudio Salvadori Dedecca, autor
do estudo: governo manipula informação para
estigmatizar o funcionalismo |
A reforma da previdência
deverá atingir em cheio as políticas
públicas para as áreas de saúde,
educação e segurança. A avaliação
é do economista e professor do Instituto
de Economia da Unicamp, Cláudio Salvadori
Dedecca, que elaborou um estudo sobre as conseqüências
da reforma para o emprego público. O trabalho
revela que, ao contrário do que alega o
governo federal, nas ocupações de
planejamento e controle, núcleo operacional
das políticas públicas, a remuneração
para o setor público é inferior
àquela auferida no setor privado.
Professores, médicos,
enfermeiros e administradores recebem menos no
setor público que no setor privado, apesar
de terem, em média, um tempo de serviço
mais elevado e uma melhor qualificação,
afirma o economista. Segundo ele, os exemplos
de alta remuneração dados pelo governo
constituem uma exceção e não
uma regra. Há uma clara manipulação
da informação pelo governo com o
objetivo de estigmatizar o emprego público,
diz Dedecca.
O estudo mostra, por exemplo,
que o salário médio de professores
no ensino superior público é de
R$ 5,2 mil, enquanto médicos cirurgiões,
dentistas e enfermeiros da rede pública
ganham, em média R$ 2,5 mil mensais. Não
se pode classificar esses valores como privilégios,
diz o economista. O trabalho também mostra
que, apesar de pagar menos que o setor privado,
o setor público dispõe de profissionais
com maior nível de qualificação.
No segmento público, por exemplo, 23% dos
servidores têm curso superior, contra apenas
6,5% no setor privado. Nos cargos de direção,
este número sobe para 42,2% no funcionalismo
público enquanto o segmento privado fica
em 28,6%.
Segundo ele, ao reduzir a aposentadoria
e sinalizar uma queda nos salários, o governo
provocará a desestruturação
do emprego público e, conseqüentemente,
das políticas sociais em que o funcionário
atua como elemento essencial. Há
um conjunto de políticas sociais, como
saúde, educação e segurança,
nas quais os recursos humanos têm papel
decisivo, observa Dedecca. Numa montadora
de automóveis, as máquinas fazem
a maior parte do trabalho, mas num hospital ou
numa universidade o médico e o professor
não podem ser substituídos por equipamentos,
explica.
Na opinião do economista
as políticas sociais na área da
saúde serão uma das mais afetadas.
Com essas condições de remuneração,
será difícil atrair médicos
para regiões distantes no interior do País,
justamente onde há maior carência
desse tipo de atendimento, diz. Com isso,
aumentará a sobrecarga nos hospitais universitários
e nos postos de saúde dos municípios
maiores. Como exemplo, Dedecca cita o caso do
programa Saúde da Família, que tem
como objetivo levar atendimento direto à
população. Com essa política
previdenciária, nenhum profissional se
interessará por esse tipo de trabalho,
diz.
No caso das universidades públicas,
o cenário também é preocupante.
Só na Unicamp, a ação
falaciosa e truculenta do governo e a aprovação
da reforma deverão precipitar a aposentadoria
de aproximadamente 400 professores, isto é,
20% do quadro docente, alerta Dedecca. Segundo
ele, as universidades públicas deverão
perder, em curto espaço de tempo, uma parcela
considerável de seu potencial de pesquisa
e ensino.
Em seu estudo, o economista
mostra que professores e pessoal técnico/administrativo
das universidades estaduais paulistas recebem
remunerações médias inferiores
àquelas auferidas por ocupações
similares em grandes empresas dos setores automobilístico,
financeiro e de comércio varejista. Cabe
ressaltar que os professores universitários
da rede pública são, em sua maioria,
portadores de título de doutor, com estágios
em instituições acadêmicas
e de pesquisa internacionais, o que não
é recorrente nos cargos superiores das
grandes instituições privadas.
Além disso, segundo Dedecca,
no caso dos professores do ensino superior público,
a progressão na carreira é lenta
e depende de investimentos individuais e institucionais
em pesquisa e ensino com resultados a longo prazo.
Isso faz com que a maioria dos professores
tenha como única possibilidade de trabalho
instituições dessa natureza,
explica.
Os
falsos argumentos do governo
O estudo do professor Cláudio Salvadori
Dedecca também demonstra que, ao
contrário do que alega o governo
federal, os gastos com aposentadorias e
pensões não são elevados
no Brasil, quando comparados a outros países.
Dados do Banco Mundial e da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) demonstram
que o país gasta pouco mais de 2%
do PIB com aposentadorias e pensões.
A média é pequena quando comparada
à de países como Chile (6%),
Argentina (4%), Itália (15%), Japão
(5%) e Estados Unidos (7%). Só o
México (0,5%) e a Coréia (1%)
gastam menos que o Brasil.
A lenta evolução do gasto
social federal fica ainda mais evidente
quando comparada à trajetória
meteórica da despesa financeira do
governo. Segundo dados do IPEA, em valores
nominais, o gasto social variou de R$ 60
bilhões em 1995 para R$ 150 bilhões
em 2000, enquanto a despesa financeira saltou
de R$ 100 bilhões para R$ quase R$
400 bilhões no mesmo período.
O estudo também revela que no período
de 1995 a 2001, enquanto as contribuições
sociais subiram de 10% para 13% do PIB,
o gasto social federal passou de 12% para
14% do PIB.
Para Dedecca, a reforma da previdência
obriga o governo a abdicar de um dos principais
instrumentos de redistribuição
de riqueza do capitalismo do século
20, que é o fundo público
previdenciário de repartição
simples. Ele (o governo) abre mão
de parte do fundo em favor do setor privado,
para que esse possa ampliar o seu nível
de rentabilidade, diz. Além
disso, segundo o economista, o governo privilegia
os interesses financeiros e amplia as restrições
para a retomada do crescimento ao transferir
para o setor privado parte de sua capacidade
de gasto e de criação de demanda.
O governo trabalha com a expectativa
de que o setor financeiro usará esses
recursos para financiar obras públicas,
mas não há nenhuma garantia
de que isso aconteça, diz Dedecca.
Para ele, trata-se de um raciocínio
estranho. Se o governo espera que
o setor financeiro use esse dinheiro para
financiar obras públicas, por que
então não usa os recursos
diretamente, sem repassá-los primeiro
ao setor financeiro?, questiona. O
governo está dando um tiro no próprio
pé.
De acordo com Dedecca, o país dipõe
hoje de algo como R$ 240 bilhões
de patrimônio em fundos de pensão
que poderiam ser aplicados diretamente em
investimentos públicos. Para ele,
o setor privado dificilmente aplicará
recursos em obras de infra-estrutura porque
o retorno é baixo e de longo prazo.
É mais provável que
o dinheiro seja usado para construir shopping
centers e parques temáticos, porque
são investimentos de retorno rápido.
Com isso, segundo o economista, dificilmente
o atual governo conseguirá cumprir
sua promessa de campanha, que é atacar
os graves problemas sociais do país.
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