LUIZ
SUGIMOTO
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O
professor Dalton Arantes: artigo guardado
na gaveta |
O professor Max Costa jamais
enalteceria a si próprio, mesmo tendo chegado
a um resultado matemático que promete embasar
profundas mudanças no setor de telecomunicações,
em nível mundial. Coube ao professor Dalton
Soares Arantes, sabedor da modéstia do
amigo, dimensionar a importância de um trabalho
teórico que foi publicado em 1983, mas
para o qual, agora, se encontram aplicações
que devem proporcionar avanços tecnológicos
e muito dinheiro num mercado que já movimenta
trilhões de dólares.
Uma aplicação
já estabelecida da fórmula de Max
Henrique Machado Costa, professor do Departamento
de Comunicações da Faculdade de
Engenharia Elétrica e de Computação
(FEEC) está em marcas dágua
para identificar a autoria de sinais digitais
(um filme ou uma música, por exemplo),
assegurando respaldo legal aos que sofrem com
a pirataria. Ainda não se antevê
claramente todas as aplicações futuras,
mas a mais impactante seria a de multiplicar por
várias vezes a capacidade atual dos meios
de comunicação falando-se
aqui em telefonia celular, transmissão
de sinais de TV e Internet, entre outros serviços
que já dão mostras de estrangulamento.
O que se tem é
uma teoria, um recurso que pode ser transformado
em métodos práticos, mas que ainda
requer muita pesquisa. Trabalhos recentes indicam
a viabilidade prática da teoria de Max,
afirma Dalton Arantes. O fato é que a comunidade
científica internacional, em relação
às marcas dágua, já
está dividindo este conhecimento entre
antes e depois de Costa, e que seu
nome vem sendo bastante citado ultimamente em
outras pesquisas na área de telecomunicações,
inclusive ao lado de Claude Shannon. O matemático
Shannon foi quem desenvolveu a Teoria da Informação,
quantificando-a com medidas a partir do bit e
oferecendo a base para a revolução
digital que vemos hoje.
Em
sua sala na FEEC, Max Costa conta sobre a noite
insone há 20 anos, depois de dias pensando
no problema matemático colocado em uma
reunião rotineira entre o orientador e
doutorandos como ele, em Stanford. Já
passava da meia-noite. É paradoxal, pois
eu deveria estar cansado nesse horário.
Não havia como me distrair, não
podia conversar com outras pessoas porque já
dormiam. Então, a única opção
era me concentrar no problema, relembra.
Dirty Paper
A excitação do professor
por perceber que obtivera um resultado de impacto
varou a madrugada, mas diluiu-se ao longo de 15
anos, até que em 1998 foram cogitadas as
primeiras aplicações práticas
para seu resultado matemático. A fórmula
y = s + i + w é o início
de uma equação ininteligível
para os leigos, mas detalhada aos afeitos na conceituada
revista IEEE Signal Processing, de maio deste
ano, em artigo tutorial intitulado On Dirty-Paper
Coding (Código de Papel Sujo). Título
análogo ao do artigo que o pesquisador
publicou em 1983, Writing on Dirty Paper.
No artigo, Max Costa considera
um sistema de telecomunicações em
que parte do ruído de transmissão
é do conhecimento do codificador. O transmissor
pode alocar uma parcela da potência disponível
para cancelar parcial ou totalmente a componente
conhecida do ruído, mas esta solução
é sub-ótima, pois reduz
a capacidade do sistema. Em vez de tentar cancelar
o ruído, a solução ótima
consiste em construir uma família de códigos,
e em escolher, dentre os códigos que se
compatibilizam com o sinal de ruído, os
sinais para as mensagens. Traduzindo: se o destino
lhe dá um limão, faça uma
limonada. Costa mostrou que com a família
de códigos (Dirty Paper coding),
a capacidade do sistema é a mesma que se
teria se a componente conhecida do ruído
fosse inexistente.
Realmente, é
como escrever num papel que já foi utilizado.
A idéia é impregnar um sinal digital
(um filme, uma música) com outro sinal,
a marca dágua, para estabelecer sua
propriedade. Esta marca deve ficar indelével,
de modo que ninguém consiga eliminá-la,
e também deve distorcer minimamente o chamado
sinal hospedeiro que se deseja proteger,
explica Max Costa. A marca dágua
pode comportar um grande número de informações,
como data de criação do sinal, autores,
diretores, etc, oferecendo provas irrefutáveis
em favor do proprietário perante a Justiça.
Especialista em compressão de vídeo
e imagens, o professor acrescenta que as marcas
dágua que vemos hoje na televisão
são facilmente eliminadas: o objetivo é
a identificação imediata da emissora,
não a proteção do conteúdo
do sinal.
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O
professor Max Costa: marca d’água indelével |
Celulares Se
a marca dágua aplicada com Dirty
Paper coding é indelével e a
capacidade de transmitir informações
não é diminuída pelo sinal
hospedeiro, isto significa que é possível
colocar uma nova camada de escrita
sobre outra no papel sujo. Vem daí a aplicação
mais recente da teoria, anunciada em 2000, quando
cientistas observaram que a mesma operação
pode ser transportada para a telefonia celular,
reduzindo o grave problema de interferência
que aflige os usuários atualmente, e também
permitindo multiplicar a capacidade do sistema.
Max Costa explica que o serviço de celulares
é prestado a partir de uma estação
de rádio base (ERB), que pode mandar sinais
para vários usuários móveis
na mesma faixa de freqüência; o sinal
enviado ao primeiro usuário interfere no
sinal do segundo usuário e vice-versa.
Usando a técnica de pré-codificação
de Dirty Paper, conseguimos eliminar a
interferência do primeiro no segundo,
assegura. O efeito é unidirecional, pois
não elimina a interferência do segundo
no primeiro. Mesmo assim, há um aumento
da capacidade do sistema como um todo. Se
não há interferência em uma
das direções, podemos colocar sinais
em camadas, quatro ou cinco delas, o que significa
muito mais celulares na mesma faixa de freqüência,
observa.
Economia Costa
sabe bem o quanto as telecomunicações
em terra são limitadas pelas faixas de
freqüência. Tendo no currículo
uma passagem pelo Jet Propulsion Laboratory (JPL)
da Nasa, ele atenta para a situação
inversa vivida nas comunicações
espaciais, onde existe faixa à vontade
e a limitação é de potência.
É dificílimo colocar uma potência
embarcada em órbita ou no espaço
interplanetário. Numa nave indo para outro
planeta, a diminuição de 1 dB (perto
de 20% de redução de potência)
significa uma economia em torno de US$ 60 milhões.
Em terra, a concorrência é por espectro,
todos querem uma faixinha para transmitir seu
sinal, ilustra o pesquisador. O ganho econômico
com a otimização do espectro, possibilitada
pela teoria de Costa, é estimado pelo professor
Arantes em entrevista nesta página.
O
impacto econômico
Contemporâneos de muitos
anos na Unicamp, o professor Dalton Arantes,
também do Departamento de Comunicações
da FEEC, recorda quando recebeu de Max Costa
uma cópia de seu trabalho. Achou
muito interessante e, como outros pesquisadores
que tiveram acesso ao resultado matemático,
guardou o artigo na gaveta. Agora que surgem
as primeiras aplicações práticas
para a teoria, Arantes toma a iniciativa
de enaltecer a descoberta do amigo e de
arriscar projeções sobre o
impacto econômico que ela poderá
viabilizar no setor de telecomunicações.
As pessoas habitualmente
ficam deslumbradas com o desenvolvimento
tecnológico, mas pelo que ele oferece
em termos de entretenimento. Para um país
como o Brasil, é hora de parar de
encarar a tecnologia como brinquedo, buscando-se
meios de transformá-la em fonte de
riqueza. O país carece de projetos
nacionais, pragmáticos e objetivos,
que juntem as boas cabeças, tanto
das universidades quanto dos centros de
pesquisa e empresas. Alguns projetos brasileiros
fracassaram por falta de sinergia e pragmatismo,
além do excesso de verticalização,
pois dependiam de pequenos e isolados nichos
de pesquisa, critica o professor.
Arantes reflete sobre o valor
de todo o espectro existente no mundo para
a transmissão de informação.
Ele lembra que apenas o sistema de telefonia
celular de terceira geração,
que vai permitir o acesso à Internet
em alta velocidade (será possível
assistir à tevê pelo telefone),
teve seu espectro na Europa leiloado por
um montante que se aproxima dos US$ 200
bilhões. A Internet no mundo, estima
o professor, seguramente vale dezenas de
trilhões de dólares. Viabilizadas
as aplicações para a teoria
de Max Costa, estaremos falando em multiplicar
também a capacidade de sistemas de
transmissão de vídeo. Em muitos
congressos internacionais na área
de telecomunicações estão
sendo planejadas sessões especiais
sobre dirty paper coding, observa
o professor. Ele aconselha uma consulta
ao Google.com, com estas palavras-chaves,
para verificar o grande número de
referências a esta tecnologia e o
potencial de suas aplicações.
Em pouco tempo a Internet
será usada em até 90% para
a transmissão de vídeo. Haverá
uma queda acentuada nos custos, como dos
monitores de alta resolução,
e teremos a possibilidade de observar uma
imagem extremamente realista de um interlocutor
em qualquer parte do mundo, como se estivesse
em nossa frente, prevê Arantes.
O pesquisador se imagina fazendo turismo
virtual, visitando o Tibet, as Muralhas
da China e os museus da Europa, como se
lá estivesse, revelando a fase de
deslumbramento que acomete os usuários
entusiastas.
Dalton Arantes, finalizando,
lembra que o espectro de freqüências
está cada vez mais congestionado.
A tecnologia existente, com apenas uma antena
no receptor, oferece uma certa capacidade.
Mas a partir dos primeiros trabalhos com
antenas múltiplas (no transmissor
e no receptor), os cientistas estimam que
seja possível aumentar esta capacidade
em até 10 vezes. Segundo o professor,
a Anatel, hoje, teria grande dificuldade
em alocar canais para a implantação
da televisão digital na cidade de
São Paulo. Será preciso muita
criatividade e eficiência para aumentar
a capacidade. O trabalho de Max Costa
poderá contribuir para isso.
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