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As cores que vêm da rua

Meninas do grafitti são personagens centrais em tese de doutorado sobre adolescentes engajados em projetos sociais

LUIZ SUGIMOTO

Para sua dissertação de mestrado pela PUC de Campinas, a psicóloga Viviane Melo de Mendonça Magro foi conversar com grupinhos de estudantes das classes média e média baixa nas calçadas de uma escola pública da cidade. Encontrou adolescentes cooptados pelo consumo, acomodados, sem projetos claros de vida, ansiosos por festas, desesperançados frente às condições do país e distantes de um engajamento social e político. "O conceito de adolescência que temos hoje foi construído com base nas aspirações da classe média, é aquele que a mídia passa", afirma.

Mas há adolescentes que fogem deste padrão. Para sua tese de doutorado, na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, Viviane Magro foi até a periferia atrás de jovens engajados em projetos sociais, encontrando parte deles no hip hop, um movimento juvenil de periferia que apresenta três expressões principais: do rap, música falada e de batidas fortes; do break, dança ao som do rap (embora não necessariamente) e de gestos e passos um tanto quanto robóticos; e do grafitti, que procura expressar a realidade de vida e anseios pessoais em muros, através de desenhos que ousam nas cores.

Mesmo tendo coletado muitas informações sobre o hip hop, a psicóloga decidiu promover um recorte no objeto original de pesquisa, após discussões com a professora Isaura Rocha Figueiredo Guimarães, sua orientadora e estudiosa de gênero e sexualidade. Viviane ateve-se ao grafitti e, dentro dele, à questão das meninas que procuram marcar presença num espaço genuinamente masculino. Meninas do Graffiti: Adolescência, Identidade e Gênero nas Culturas Juvenis Contemporâneas é o título provisório da tese de doutorado viabilizada graças à bolsa da Fapesp.

A professora Isaura Rocha Figueiredo Guimarães e a psicóloga Viviane Melo de Mendonça Magro, autora da tese: longe da visão estereotipada"Pode parecer baderna, mas um olhar diferenciado nos mostra o que há por trás da atitude de uma menina que, na manhã de domingo, sai por aí pintando muros", recomenda Isaura Guimarães. Viviane Magro recorreu a este olhar e viu, dentro do hip hop, adolescentes que procuram seu espaço enquanto agentes sociais, que lêem e pensam sobre o país e o mundo, e por isso capazes de formular questões significativas. "Eles vivem uma situação de opressão e exclusão, sentem de perto o problema da violência e do tráfico, vêem amigos e parentes sendo assassinados", conta a psicóloga.

É uma realidade que motiva os jovens a tentar mudá-la. As meninas do hip hop, especificamente, reúnem crianças e adolescentes em oficinas e projetos para falar sobre drogas, gravidez precoce e outros assuntos que lhes dizem respeito. Buscam financiamentos na prefeitura e negociam o apoio dos vereadores para estes programas. "Isso os diferencia dos adolescentes retratados pela mídia e por alguns estudos, onde nos jovens prevalece o desinteresse e a desesperança, a sensação de que "eu não posso fazer nada sozinho", observa Viviane. "Os adolescentes de classe média também estão agrupados, no shopping, mas não vemos neles esta preocupação de quebrar com o que não satisfaz e buscar a auto-afirmação", acrescenta Isaura Guimarães.

Contradições - Embora o hip hop seja vértice do movimento negro, no grafitti prevalece a afinidade por classe social em detrimento da cor, notando-se o convívio livre de preconceitos entre negros, pardos e brancos. Mas trata-se igualmente de um espaço masculino, em que Viviane Magro aponta contradições. "Ansiosas por construir sua identidade de mulher, as meninas necessitam de liberdade de expressão e reivindicam maior participação e respeito dos meninos, mas ainda são minoria e ausentes em alguns eventos em "rolês". Às vezes, elas próprias se excluem", explica.

Grafiteiras na Estação Cultura, região central de Campinas: meninas de atituteAfora controvérsias sobre a disposição das meninas em participar de "rolês" na madrugada, pular muros e correr de cachorros, o grande embate se dá em torno do estilo. As grafiteiras tentam fazer um desenho mais "louco", agressivo, mas ainda recorrem à suavidade das nuvens e flores, traços que os meninos consideram ingênuos. Duelo de gênero à parte, os dois sexos se unem quando alguém confunde grafiteiro com pichador. "O pichador quer a transgressão, há uma competição entre eles para deixar sua marca em pontos altos dos prédios da cidade. O grafitti traz um lado artístico, quer mostrar uma idéia, é realmente uma forma de expressão", comenta Viviane.

Falando a mesma língua

Paisagem de periferia. Naquela área ainda degradada do Centro, seguindo 400 metros de linhas de trens, chega-se ao conjunto de velhos galpões da Estação da Fepasa que virou Estação Cultura. O último galpão ganha realce por causa das paredes pintadas pelos grafiteiros da Casa do Hip Hop, mas o espaço não é reservado ao deleite. Ali, jovens voluntários se reúnem e discutem projetos para levar música, dança e mais cor à vida de crianças e adolescentes dos bairros pobres da cidade, por meio de um programa apoiado pela Prefeitura de Campinas que vem incluindo aulas de rap, break, dj, percussão, capoeira, handebol, skate.

"O projeto começou pequeno, com seis escolas municipais. Hoje a gente está com 20 e, ano que vem, vão ser 40. São duas aulas por semana em cada escola e a média é de 20 alunos por aula" explica Cibele Cristiane Rodrigues, coordenadora das oficinas de grafitti. Os estudantes estão na faixa etária de 10 a 18 anos e, por isso, os temas extrapolam para gravidez precoce, DST, violência doméstica e outras questões de gênero.

"Na verdade, a gente tenta dar parâmetros para que a criança e o adolescente entendam o que acontece no bairro. Eles se acostumam a ver gente morrendo, sem questionar o por quê. Nosso papel é instigar. O rap trabalha com as palavras e movimenta o cérebro, o break com o condicionamento físico e o grafitti estimula as artes", acrescenta Cibele.

Roberta dos Santos Nobre é MC (mestre de cerimônias no rap) e bgirl (garota que dança break), e também atua nas oficinas: "Canto desde pequena e me identifiquei com o rap, porque é uma forma de protesto e as letras falam do meu dia-a-dia. A dança também é um protesto. Os projetos ensinam a garotada a se valorizar e lutar por seus direitos", afirma, ela que prefere ser chamada de Nicole, seu nome artístico.

Fabiana Patrícia Cândida, MC e integrante do grupo Cabelo Duro, milita no núcleo de mulheres do hip hop: "As culturas estão tão arraigadas que a pessoa nem percebe. A menina quer passar alisante, diz que seu cabelo é ruim. Para mim, o que existe é cabelo liso, crespo, cacheado, não existe cabelo ruim", protesta.

Solicitada a opinar sobre os adolescentes de classe média, a resposta de Cibele Rodrigues é imediata: "Dou aulas na periferia e também sou da periferia. Os alunos se identificam comigo porque falo a mesma língua e até sirvo de espelho, porque eles querem chegar onde estou, querem dar aulas de grafitti e se tornar multiplicadores também. Para a classe média, posso até ensinar técnicas de desenho, mas não vou atingir esse pessoal da mesma forma".

A grafiteira Sara Gabriele Esteves Costa, que anuncia novas iniciativas do grupo como a distribuição de alimentos e agasalhos, é mais radical: "Os boys têm clube poliesportivo, shopping, cinema, educação de qualidade, não precisam de nada disso. Mas o favelado, que quando muito tem uma praça de esporte e uma bola furada, precisa da dança, da música, da pintura, precisa dessa arte que vem das ruas".

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