Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 264 - de 30 de agosto a 12 de setembro de 2004
Leia nessa edição
Capa
Diário da cátedra
Luta contra discriminação
Beleza se vê pelos dentes
Homem de fibra
Os argonautas
Sistema elétrico da Amazônia
Envase de leite
Dependentes de drogas
Painel da semana
Teses da semana
Unicamp na mídia
O Lugar da história
Fóruns
Novos acordes
 

5

Homem de fibra

Poucos pesquisadores no mundo dominam a técnica de produção de maçarico utilizado na síntese de nanopartículas que dão origem às fibras óticas especiais. Um deles, o japonês Hiroshi Shimizu, é parceiro da Unicamp



MANUEL ALVES FILHO e RAQUEL DO CARMO SANTOS



O pesquisador japonês Hiroshi Shimizu, com o maçarico confeccionado artesanalmente: empresas guardam técnica a sete chavesLinha de pesquisa conduzida pelo professor Carlos Suzuki, da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, tem trabalhado nos últimos anos no desenvolvimento de fibras óticas especiais, que proporcionam propriedades funcionais na transmissão de dados e alarga o espectro de aplicações em outras áreas. O esforço tem exigido, além do contínuo aprimoramento do conhecimento, um razoável aparato tecnológico. Ocorre, porém, que o caminho percorrido pelos pesquisadores para chegar aos novos materiais exige uma outra condição, esta pouco comum quando o assunto é a investigação científica: habilidade manual. Para promover a síntese das nanopartículas de sílica que darão origem às fibras óticas especiais, os especialistas valem-se de um maçarico confeccionado artesanalmente, também produzido em sílica. Um dos poucos especialistas no mundo a dominar essa técnica é o japonês Hiroshi Shimizu, que esteve recentemente visitando a Universidade. Veio buscar aqui o que não encontra no seu país: pessoas dispostas a aprender com ele.

Shimizu é uma figura instigante. Aos 74 anos, mantém o mesmo vigor intelectual do início da carreira de pesquisador. Justamente por isso, não quer que o conhecimento e a habilidade acumulados ao longo de décadas percam-se repentinamente. “Infelizmente, os japoneses não demonstraram interesse pelo domínio desse tipo de técnica. Com a mudança da sociedade, os jovens não querem dispor de cinco anos para aprender uma determinada tarefa. Eles são muito pragmáticos, querem resultados imediatos”, afirma. No Brasil, entretanto, ele encontrou não só interessados, como pessoas entusiasmadas com o seu trabalho.

O professor Carlos Suzuki conta que além de Shimizu, apenas mais dois ou trêsO professor Carlos Suzuki, da FEM: parceria de 18 anos pesquisadores japoneses conseguem produzir o maçarico utilizado na síntese de nanopartículas. O artefato, segundo ele, não é vendido comercialmente. Algumas poucas empresas do Japão sabem como confeccioná-lo, mas guardam a técnica trancada a sete chaves. O docente da FEM explica qual é a função do aparelho para a produção das nanopartículas precursoras das fibras óticas especiais. De acordo com ele, o equipamento é feito em sílica, de forma artesanal. É composto por vários tubos concêntricos e possui uma incrível precisão. Nesses tubos são introduzidos, além da sílica que dará origem às fibras óticas, vários gases, como hidrogênio e oxigênio.

Os elementos vão reagir entre si e gerar uma chama contínua, com cerca de 2 mil graus Celsius. “A temperatura elevada e os gases provocam uma outra reação, que sintetiza as nanopartículas na forma de minúsculas esferas. São essas esferas que terão aplicação tecnológica, como no caso das fibras óticas especiais”, ensina Carlos Suzuki. E qual a razão do termo “especial” para qualificar esses materiais? O docente da FEM esclarece que os produtos convencionais têm uma eficiência limitada para a transmissão de dados. Para promover a ligação entre Campinas e São Paulo ao longo de 100 quilômetros de fibras óticas, os sinais vão perdendo intensidade. Para que isso não aconteça, amplificadores a base de fibras especiais são instalados em pontos estratégicos.

Parceria com Unicamp rende frutos

Uma outra vantagem, prossegue ele, fica por conta da diferença de preço dos produtos no mercado. Enquanto a fibra ótica comum é cotada a US$ 15 o quilômetro, a especial tem o preço fixado em cerca de US$ 10 o metro. “Ao produzirmos esse material em escala, estaremos agregando valor ao produto nacional”, pontua o docente da FEM. Outros tipos de fibras óticas especiais, de acordo com o pesquisador da Unicamp, têm um amplo campo de aplicação. Elas podem ser usadas, por exemplo, na automação industrial e até mesmo em equipamentos embarcados de aviação. Carlos Suzuki assinala que, inspiradas pelo setor aeronáutico, as montadoras de carros japonesas estão desenvolvendo o conceito da intranet nos automóveis. Dentro de pouco tempo, os motoristas terão à sua disposição, enquanto dirigem, internet ultra-rápida e TV digital, além de importantes itens de automação e segurança. Mas as perspectivas para o uso das fibras óticas especiais não param por aí. Elas também podem servir à indústria petrolífera, para facilitar o monitoramento em tempo real das condições de temperatura e pressão de um determinado poço.

Ou, ainda, a uma empresa de fornecimento de água potável, como é o caso da Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S.A. (Sanasa), de Campinas. Como a pressão na rede é menor durante o dia, em razão do maior consumo, é preciso providenciar o controle dessa mesma pressão. Ou seja, à noite, para evitar que a força da água rompa os dutos, um funcionário tem que fechar uma espécie de válvula ou registro. “No caso do uso da fibra ótica especial, esse monitoramento seria feito em tempo real e as medidas para evitar um acidente seriam determinadas automaticamente, por exemplo, por um programa de computador”, diz o professor Carlos Suzuki.

Parceria – De acordo com o docente da FEM, a colaboração do pesquisador Hiroshi Shimizu tem sido fundamental para que a Unicamp, única instituição de ensino e pesquisa no Hemisfério Sul a trabalhar com esse tipo de tecnologia, tenha avançado em suas investigações. “Essa cooperação, na verdade, tem produzido conseqüências interessantes. Atualmente, alguns japoneses vêm até a Unicamp para nos pedir ajuda, sendo que tudo começou lá”. A parceria entre Shimizu e a Universidade tem cerca de 18 anos e já envolveu outros projetos, como lembra o próprio especialista japonês.

De acordo com ele, nessas quase duas décadas, ele pôde presenciar um grande avanço por parte da Unicamp. “Eu vejo o Brasil como um país com grandes perspectivas. Aqui, as pessoas são mais calorosas e demonstram grande interesse em aprender”, afirma. Ele se disse satisfeito por ter encontrado no país pessoas interessadas em dar seguimento ao seu trabalho, situação diferente da verificada no Japão. Apreciador da personalidade, da comida e da cerveja tupiniquins, Shimizu se autodenomina como um “louco pelo Brasil”. Bendita insanidade.

Por uma boa causa


O pesquisador Hiroshi Shimizu está envolvido atualmente num programa de alcance humanitário. A partir da tecnologia dominada por ele, o governo japonês desenvolveu o protótipo de um equipamento destinado a neutralizar as armas químicas deixadas pelo país na China, por ocasião da Primeira Guerra Mundial. Várias delas contêm o conhecido gás sarin, substância letal para os seres humanos. De acordo com Shimizu, as estimativas dão conta da existência de cerca de 70 mil desses artefatos enterrados em apenas uma região do território chinês. Uma equipe tem cuidado de localizar, desenterrar e armazenar essas bombas em lugar seguro.

Segundo o especialista japonês, a partir do protótipo já desenvolvido, o governo do seu país produzirá o equipamento em larga escala, para que os explosivos químicos possam ser neutralizados. A expectativa dos chineses é que o trabalho esteja encerrado até o final de 2007, mas Shimizu imagina que esse tempo talvez seja superado em razão da complexidade da operação. Embora não pretenda retornar ao Brasil, o pesquisador assegura que continuará mantendo contato com os especialistas da Unicamp, instituição que considera como um segmento da sua casa.

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2003 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP