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Murillo Marques, autor da idéia pioneira, conta como
se deu a criação do primeiro bacharelado em computação do país

Como a Unicamp entrou na
era
dos computadores há 35 anos




LUIZ SUGIMOTO



O professor Tomasz Kowaltowski, primeiro diretor depois do desmembramento: novos tempos (Foto: Antoninho Perri)O professor Rubens Murillo Marques diverte-se até hoje com um episódio envolvendo o jurássico IBM-1620, um dos primeiros computadores científicos que chegaram ao Brasil, instalado em 1962 no Centro de Cálculo Numérico da Escola Politécnica da USP: “Estávamos processando dados de madrugada e a faxineira limpava a sala. O IBM-1620 tinha uma máquina acoplada para imprimir os resultados. De repente, a máquina começou a funcionar automaticamente e a faxineira saiu correndo, achando que um fantasma escrevia nela. Realmente, o computador era algo fantasmagórico”, recorda. Por isso, o professor, que chegou à Unicamp em 1967 para implantar o curso de estatística, alvoroçou a comunidade científica ao propor a criação de um curso de computação no ano seguinte.

Esse outro episódio, onde se insere a compra do primeiro computador da Unicamp – um IBM-1130 então avaliado em cerca de 200 mil dólares (e quando o dólar valia dez vezes mais) – é contado por Eustáquio Gomes nesta página. Aposentado como professor em 1989 e atualmente à frente da Fundação Carlos Chagas, Murillo Marques lembra que, em meio ao ceticismo geral diante da criação do bacharelado em computação, o único a reagir com entusiasmo foi justamente o fundador da Unicamp, Zeferino Vaz, apesar de também desconhecer aquela ciência incipiente. “A tendência era que a computação assumisse um papel cada vez maior na pesquisa científica. Argumentei que a instituição seria pioneira. E falar em pioneirismo com Zeferino era cutucá-lo com vara curta”, brinca.

Tendo recebido prazo de apenas uma semana para apresentar o projeto queO professor Rubens Murillo Marques: "Falar em pioneirismo com Zeferino era cutucá-lo com vara curta" (Foto: Antoninho Perri) Zeferino Vaz levaria à aprovação do Conselho Estadual de Educação, Marques, físico por formação, buscou o socorro dos amigos da Politécnica para elaborar o currículo da computação. No grupo estavam nomes que se tornariam expoentes na área, como Imre Simon, Cláudio Lucchesi e Tomasz Kowaltowski. “Naquele tempo, prevalecia na Universidade a idéia de um curso básico, onde os dois primeiros anos, com pequenas distinções, eram comuns para os vários cursos de ciências exatas. Isso nos favoreceu muito, pois ganhamos dois anos para a capacitação de professores no Canadá e Estados Unidos, com bolsas da Fapesp”, diz o professor.

Murillo Marques enfrentaria outra onda de críticas quando introduziu, no currículo básico das ciências exatas, a disciplina de cálculo numérico, que ensinava já no primeiro semestre a programação de computadores. “Foi o caos, havia tudo quanto era objeção. Na verdade, queríamos apenas oferecer os rudimentos para que todos os alunos programassem e utilizassem os computadores adquiridos pela Unicamp; aqueles que demonstrassem afinidades, poderiam seguir na computação. Tive o prazer de implantar, também, o sistema semestral de matrícula feita por computador”, recorda o professor.

Depois do IBM-1130, cujo desempenho equivaleria ao de “uma calculadora de hoje”, partiu-se para equipamentos maiores, como o DEC-10, que significou um grande salto tecnológico e desempenhou papel importante na universidade que começava a ganhar prestígio. “Nas décadas de 1970 e 1980 ocorreu uma evolução acentuada, com a possibilidade de analisar dados em massa, construir modelos matemáticos e realizar inúmeras simulações. As ferramentas eram abertas para pesquisas dos outros institutos, da biologia à arte. Valdemar Cordeiro, artista reconhecido internacionalmente, realizou ali o primeiro trabalho de digitalização de uma imagem, um retrato chamado ‘Uma moça que não era BB (Brigitte Bardot)’”, diz Murillo Marques.

Evolução – O professor Tomasz Kowaltowski foi um dos primeiros pesquisadores a lidar com o IBM-1620 da USP, quando ainda era estagiário ao lado de Imre Simon, e ajudou Rubens Murillo Marques a elaborar o currículo para implantação do curso de computação na Unicamp. Hoje, 35 anos depois, posa para a foto ao lado de um sistema que possui 66 computadores interligados em rede, cada um com capacidade cem vezes maior que o IBM-1620. “É uma conexão que já serviu para muitas aplicações científicas, como processamentos de imagens e de bioinformática. Na prática, pega-se um programa pesado e complicado, dividindo-o em pedaços; joga-se cada problema em um computador e eles se comunicam para compor a solução. É a chamada programação concorrente ou paralela, um meio de conseguir mais poder computacional a preço relativamente barato – esse sistema custou 120 mil dólares”, explica o professor.

Kowaltowski foi o primeiro diretor do Instituto de Computação (IC), em 1996, quando o departamento se desmembrou do Instituto de Matemática para virar uma nova unidade. Ministrou as primeiras aulas de programação de computadores na Unicamp, em 1969, mas só viria a ser contratado formalmente em 1977, depois de voltar do doutorado no exterior. Aposentado, agora divide uma sala com o professor Cláudio Lucchesi, outro protagonista da história da computação na Universidade. O professor não guarda mais todos os fatos, mas lembra que, na segunda metade dos anos 1960, já era clara a tendência mundial, com muitos computadores em uso comercial. Segundo ele, o IBM-1620 de aplicações científicas possuía um modelo-irmão para aplicações comerciais, o IBM-1410, a primeira linha de computadores a se popularizar.

Tomasz Kowaltowski afirma que Murillo Marques e o grupo do qual também fez parte anteviram a importância que a computação ganharia em nossas vidas, mas não poderiam imaginar tamanha evolução. “Na época, conhecíamos os computadores grandes e já se idealizava os microcomputadores, mas de forma centralizada: eventualmente num departamento, jamais na mesa de cada funcionário ou nas residências. Essas revoluções nas áreas de microeletrônica e de telecomunicações, que juntas possibilitaram os computadores pessoais e a rede mundial, era inimaginável há três décadas. Tanto assim, que uma das pessoas que mais contribuíram para o projeto do primeiro computador moderno, John von Neumann, acreditava que alguns milhares de equipamentos no mundo seriam suficientes”, observa o professor do IC.

Os 35 anos – Na primeira turma formada em 1971, todos os 20 alunos saíram com empregos assegurados. É a tônica até os dias de hoje, quando o Instituto de Computação (IC) forma cerca de 140 alunos por ano – 90 em engenharia da computação e 50 em ciência da computação –, obtendo sempre as notas máximas nas avaliações independentes de seus cursos. A professora Cláudia Maria Bauzer Medeiros, do IC, que organiza o painel sobre “O cinturão digital de Campinas” marcado para o próximo dia 24, informa que a comemoração dos 35 anos de criação do curso de graduação ocorrerá dentro do evento Computação & Mercado, que começa nesta segunda-feira, 20, e dura a semana toda. “Trata-se do maior e mais tradicional congresso brasileiro para estudantes da área, organizado pela empresa júnior Conpec. São esperados perto de mil congressistas e 130 palestrantes”, acrescenta.

“Ciência da computação? Que negócio é esse?

EUSTÁQUIO GOMES

Murillo Marques (segundo à esq. ) e Zeferino (ao centro): reunião do Conselho Diretor (Foto: Siarq)A chegada do primeiro computador, um IBM-1130, provocou uma concorrida conferência de imprensa devidamente aproveitada pelo reitor para divulgar com ar de mistério uma outra novidade espantosa: a instalação na Unicamp de um curso de computação. Seria o primeiro do país. Semanas antes o matemático Rubens Murillo Marques abordara Zeferino sobre o assunto:

— Temos de sair na frente.

— Ciência da Computação? Que negócio é esse?

Murillo foi sucinto:

— É o futuro, Zeferino.

E descreveu-lhe por alto o que viria a ser o mundo das décadas finais do século 20 conforme os prognósticos de gente como Hermann Kahn e Alvin Toffler. Zeferino, fascinado, apanhou a idéia no ar:

— Tem uma semana para me apresentar o projeto. Quero esse curso aprovado em minha próxima reunião do Conselho Estadual de Educação.

Nem todos levaram a história a sério. Parecia mais uma bateria de fogos de artifício armada pelo “espírito marqueteiro” de Zeferino. Entre os matemáticos da USP, houve quem risse. O professor Carlos Alberto Barbosa Dantas, por exemplo, advertiu Murillo:

— Vocês são malucos. Esse curso não tem cabimento. Não há mercado.

Entretanto o curso foi instalado e, no vestibular para 1969, sua procura só foi menor que o de Ciências Médicas, historicamente imbatível nos exames de acesso da Unicamp. Para melhor estruturar o curso e inteirar-se das novidades na novíssima área da informática, Murillo passou dois meses na Universidade de Chicago. Quando voltou, teve uma surpresa desagradável. Sua menina dos olhos, o computador IBM que ele havia conseguido a duras penas, fora parar nos domínios do físico José Fonseca Valverde, um general de brigada trazido por Zeferino para dirigir a Faculdade de Engenharia de Campinas (posteriormente desdobrada em três unidades, as Faculdades de Engenharia Elétrica, de Engenharia Mecânica e de Engenharia Química). Questionado, Zeferino justificou-se:

— Valverde disse que o IBM-1130 é equipamento de segurança nacional. O que eu podia fazer?

— Pode até ser, respondeu Murillo, mas na Matemática ele vai estar a serviço de toda a universidade, e não apenas do general Valverde.

Apesar do coração de Zeferino pender muito mais para o lado de Murillo, o computador só voltaria a seus domínios quatro anos mais tarde, quando as relações entre o reitor e general já haviam se deteriorado ao ponto da ruptura.

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Extraído do livro inédito O mandarim – história da infância da Unicamp.

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