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Para medir o
desenvolvimento humano
Pesquisadores do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas elaboram o Índice DNA Brasil, que vai levar em conta as peculiaridades do país em várias áreas, além de servir de ferramenta para a formulação de políticas públicas
CLAYTON LEVY
Medir o nível de desenvolvimento econômico e social do Brasil nunca foi tarefa fácil. A extensão territorial, a complexidade cultural e as diferenças regionais sempre dificultaram o trabalho. O próprio Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), criado pelas Nações Unidas e amplamente utilizado como principal instrumento de medida em vários países, é visto com reservas pelos especialistas. Limitando sua abordagem a apenas três variáveis (educação, longevidade e PIB per capita), o IDH, segundo os estudiosos, sempre se limitou a uma avaliação sintética do desenvolvimento do país. Além disso, sua utilização indiscriminada fez com que o IDH se transformasse, o ponto de vista da opinião pública, num mero instrumento de classificação dos países e não uma medida de orientação de políticas públicas.
Pensando em preencher essa lacuna, o Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP), centro de pesquisa pioneiro na Unicamp no trabalho coletivo e multidisciplinar, já vinha há algum tempo alimentando a intenção de elaborar um novo índice, mais abrangente e completo, e que levasse em conta um maior número de dimensões estratégicas da vida brasileira. A idéia, que antes era apenas uma cogitação, acaba de se tornar realidade através de uma parceria com o Instituto DNA Brasil. No último dia 18, em Campos do Jordão, as duas entidades lançaram o Índice DNA Brasil que, pela primeira vez, procura fazer um retrato de corpo inteiro do Brasil.
“Nossa reflexão sobre o desenvolvimento brasileiro indicou a necessidade de se criar um instrumento de medida que, além de incorporar outras dimensões da vida econômica, cultural e da sociabilidade em nosso país, permita contemplá-las individualmente e em conjunto, sem combiná-las em um indicador sintético”, diz o cientista político e coordenador do NEPP, Pedro Luiz Barros Silva. Além disso, segundo o sociólogo Geraldo Di Giovanni, o estatístico Norberto Dachs e o economista Geraldo Biasoto Jr, que também participaram da concepção inicial e elaboração do índice, o instrumento pode e deve contribuir para o planejamento de políticas públicas mais integradas e efetivas, bem como para sua avaliação.
O índice elaborado pelo NEEP, cuja realização contou com colaboração de pesquisadores do Instituto de Economia e do Núcleo de Estudos de População (Nepo), apresenta várias diferenças em relação aos demais. A primeira delas refere-se à abrangência. O trabalho traz indicadores de sete dimensões: bem-estar econômico; competitividade econômica; condições sócio-ambientais; educação; saúde; proteção social básica; e coesão social. “É uma cesta de indicadores que reúne não apenas as medições convencionais de riqueza e pobreza de um povo, mas também dimensões ligadas à sua qualidade de vida e condições de competitividade de sua economia”, explica Barros Silva. A intenção, segundo ele, é que o índice tenha periodicidade anual.
Na dimensão bem-estar econômico, por exemplo, os indicadores não se limitam à renda per capita e sua distribuição inter-regional. Vais mais além, incluindo outros três itens: relação entre as remunerações médias das mulheres e dos homens; relação entre as remunerações médias de negros e brancos; e taxa de ocupação formal. Outra novidade significativa é a inclusão de indicadores sobre justiça tributária, relacionados na dimensão coesão social. Os números mostram que a carga tributária sobre bens e serviços é três vezes maior do que aquela que incide sobre renda, lucros e patrimônio.
A variável educacional, por sua vez, não parte dos indicadores mais tradicionais de acesso ao ensino fundamental, mas de indicadores de eficiência e qualidade do ensino médio. Foram selecionados indicadores de escolarização no ensino médio; concluintes do ensino médio na idade esperada e desempenho do aluno no Programa Internacional de Avaliação do Estudante (PISA), especificamente para a língua portuguesa. “O ensino médio é o grande gargalo de hoje e esses indicadores podem ajudar a avaliar o sistema educacional como um todo”, diz Barros Silva.
Na dimensão competitividade econômica, os indicadores incluem não apenas a participação do país nas exportações mundiais, mas também a participação dos produtos de média e alta intensidade tecnológica na pauta de exportações brasileira. Os indicadores agregados sob a dimensão saúde trazem dados sobre anos potencias de vida perdidos (APVP); mortalidade infantil; e coeficientes de mortalidade por acidentes cardiovasculares e acidentes vasculares cerebrais. As condições sócio-ambientais são medidas tanto pela existência de instalações adequadas de esgoto sanitário quanto por indicadores de seu tratamento, além do indicador de destino ambientalmente correto do lixo urbano.
O novo índice, segundo seus idealizadores, é um produto das indagações internas do NEPP sobre a eficiência dos índices sintéticos para realidades tão complexas como a brasileira. “É também uma ferramenta que se propõe a colaborar para a avaliação permanente de políticas públicas no âmbito do estado e não apenas dos governos”.
Quando a heterogeneidade
baliza ações específicas
Ao conceber o Índice DNA Brasil os pesquisadores do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) tinham em mente mais do que apresentar um apanhado de indicadores. Segundo eles, a idéia de níveis de desenvolvimento não significa somente um certo estágio a ser medido e comparado com outros países. Para os coordenadores do trabalho, a heterogeneidade da sociedade brasileira exige políticas públicas específicas e eficientes. Balizar a formulação dessas ações é uma das contribuições propostas pelo projeto. Para detalhar essa proposta, o Jornal da Unicamp ouviu três integrantes do NEPP: o cientista político e coordenador do Núcleo, Pedro Luiz Barros Silva; o especialista em estatística, José Norberto Walter Dachs; e o economista Geraldo Biasoto Júnior.
Jornal da Unicamp Por que um novo índice para medir o desenvolvimento social e econômico do Brasil?
Pedro Luiz Barros Silva Porque em minha opinião, os que estão aí não conseguem fazer isso de maneira adequada.
José Norberto Walter Dachs Essa inadequação ocorre principalmente porque os índices disponíveis não permitem pensar políticas públicas. Pensar em melhorar políticas públicas em cima do IDH não é possível porque ele é muito limitado.
Geraldo Biasoto Junior A idéia do IDH é boa mas tem problemas. É preciso saber o que se pretende de um índice como esse. Medir só uma realidade, usá-lo como instrumento de desenvolvimento, medir as políticas públicas ou a gestão das políticas públicas? O índice do NEEP é um instrumento de longo prazo, visando colocar uma meta em perspectiva e estruturar ações para alcançá-la.
JU Quais as principais diferenças entre o DNA-Brasil e o IDH?
Pedro Luiz O DNA Brasil não é sintético e incorpora sete dimensões que somam vinte e quatro indicadores. Isso dá uma riqueza de análise maior que a proporcionada pelo IDH.
José Norberto Outra facilidade importante é que se eventualmente faltaram alguns indicadores eles podem ser incorporados ao levantamento. Na verdade o que pretendemos não é bem um índice mas uma coisa mais ampla, como um sistema de indicadores.
Geraldo Biasoto O indicador do NEEP está querendo dar uma dimensão de qualidade de vida, sociabilidade, cultura, cuidados ambientais, sem criar um número de difícil interpretação. Certamente não estamos esgotando o assunto.
JU Há dificuldades para elaboração de índices confiáveis no Brasil?
Pedro Luiz Acredito que não. Já dispomos de um volume importante de informações. O esforço que estamos fazendo deverá valorizar ainda mais o trabalho das instituições que levantam esses dados, como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e o Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados). O trabalho indicará para quem faz a pesquisa primária por onde é possível aperfeiçoar.
José Norberto Não há propriamente um impedimento, mas às vezes o processo fica mais difícil. O caso dos índices de mortalidade infantil é um exemplo típico. Há evidência de sub-registro e da qualidade da certificação. Mas é possível corrigir, desde que haja investimentos no processo de construção e análise dos índices.
Geraldo Biasoto De fato há um esforço expressivo nessa área no Brasil. O grande problema é a heterogeneidade. As diferenças regionais complicam muito a análise. Os dados globais do Brasil são confiáveis, mas quando se desagrega o indicador para aspectos regionais, as dificuldades aparecem. O único jeito de melhorar a qualidade das estatísticas é revelando os problemas que elas ainda apresentam. O uso da estatística como instrumento para políticas públicas exigirá mais recursos nessa área. Se melhorarmos a qualidade dos indicadores, também melhoraremos o direcionamento das políticas.
JU Em que medida o Índice DNA poderá facilitar o desenvolvimento de políticas públicas?
Pedro Luiz Quando se tem um bom diagnóstico também é possível contar com um bom sistema de monitoramento e avaliação. Tanto avaliação de processo como de impacto. O Brasil tem de fazer esse trabalho de maneira integrada. É preciso um esforço a fim de constituir um sistema nacional de avaliação, o que já existe em vários outros países da América Latina. Acho que um indicador como esse que está sendo apresentado deverá chamar atenção para esse aspecto. Isso favorece a discussão sobre as políticas necessárias para conduzir o país no rumo do desenvolvimento.
Geraldo Biasoto O conjunto das políticas públicas brasileiras hoje tem baixo nível de diagnóstico. Em geral são implantadas idéias que não estão bem ancoradas na realidade. Por exemplo, a questão da fome. Nosso grande problema não é a fome e sim de ordem nutricional e educação alimentar. Claro que devemos ter um programa emergencial para combater a fome. Mas se fosse feito um diagnóstico correto, se perceberia que o problema está muito mais no âmbito nutricional.
José Norberto Concordo com tudo isso, mas há um ponto adicional. Esse tipo de trabalho impede o ambiente de falso ufanismo no sentido de que, ou somos os melhores do mundo nisso ou naquilo, ou somos os piores nisso ou naquilo. O projeto traz a discussão ao nível da realidade no que está acontecendo nas sete dimensões que foram examinadas.
JU O Brasil visto pelo Índice DNA é muito diferente do Brasil visto pelo IDH?
Pedro Luiz Acho que os dois sistemas olham o Brasil sob ângulos diferentes. O IDH fez um esforço para olhar o Brasil, mas o fato é que vivemos numa realidade tão dinâmica, multifacetada e heterogênea do ponto de vista socioeconômico, que esse esforço não foi suficiente. Ao fazer esta cesta de indicadores estamos tentando mostrar que há outros filtros igualmente importantes para olhar a realidade. Mais do que isso, mostrar as condições necessárias para alcançar as metas desejáveis. Se não houver um esforço organizado no sentido de olhar tudo isso simultaneamente, corre-se o risco de errar o alvo ou a medida, em termos de políticas públicas e de sua implementação.
José Norberto É diferente. O IDH mostra apenas três dimensões, que são expectativa de vida, renda per capita e educação. O objetivo é não ter apenas um indicador sintético, mas sim um elenco de indicadores para formulação de políticas públicas. Os índices disponíveis, por exemplo, também mostram que a expectativa de vida no Brasil é baixa mas não mostram os outros fatores que contribuem para isso.
Geraldo Biasoto Também acho que há diferenças. Tomemos, por exemplo, a questão da renda. Se olharmos simplesmente que um cidadão obteve uma certa quantia em reais, temos uma dimensão de sua situação. Mas se além de informar a renda, também mostramos que ele teve acesso a políticas públicas de saúde e educação, a situação já é outra.
JU Que tipo de contribuição adicional uma experiência como a promovida pelo Instituto DNA Brasil, ao reunir 50 notáveis para pensar o futuro do país, pode oferecer na formulação de políticas públicas mais eficientes?
Pedro Luiz Tem validade porque força pessoas, com atuação destacada em várias áreas, a se preocuparem com os problemas da nação, que também são problemas de sua vida cotidiana. Essa diversidade, de alguma maneira, provoca duas atitudes importantes: olhar um conjunto de problemas que são relevantes e chegar a algum tipo de conclusão independente da própria especialidade; e levantar alternativas para tentar resolver esses problemas. Essa já é uma prática recorrente e sistemática em países do centro do capitalismo.
José Norberto O fato dessa discussão ganhar espaço na mídia de uma maneira mais intensa é importante porque muitas vezes temos uma tendência a esconder problemas. Essa experiência nos obrigou a expor os problemas.
Geraldo Biasoto O processo de desenvolvimento econômico está cada vez mais complexo. Isso repercute em vários aspectos, como questões culturais, ambientais, religiosas, etc. Hoje é impossível desenhar uma estratégia de desenvolvimento econômico sem compreender a complexidade social. A maneira como o Índice DNA foi construído reflete a preocupação de trazer para o debate os temas que expressam nossa sociedade.
(Clayton Levy)
Não chegamos ainda na metade do caminho |
O índice DNA Brasil já produziu dois exercícios concretos. No primeiro deles, os pesquisadores do NEEP compararam a situação brasileira atual com o nível de desenvolvimento da Espanha. No segundo, os dados levantados pela Unicamp foram submetidos ao encontro “50 Brasileiros Param para Pensar o País”, realizado de 16 a 18 de setembro em Campos do Jordão. Com base nos indicadores apresentados, os participantes, considerados personalidades representativas em suas áreas de atuação, tiveram de estabelecer um quadro desejável e realista de desenvolvimento para ser alcançado nos próximos 25 anos. Nos dois levantamentos constatou-se que o Brasil andou menos da metade do caminho para se tornar um país menos injusto, mais próspero e com maior qualidade de vida.
O primeiro exercício, realizado pelo NEEP, mostrou que, tomando como parâmetro as condições de desenvolvimento social e econômico atuais da Espanha, o Brasil percorreu apenas 49,2% do caminho. Segundo o coordenador do NEPP, Pedro Luiz Barros Silva, a escolha da Espanha como modelo levou em conta a disponibilidade de informação para a maioria dos indicadores e a percepção de que aquele país alcançou, em curto período, altos níveis de desenvolvimento. “O objetivo é, também exemplificar a possibilidade de comparabilidade de situações propiciada pelo índice”, explica.
Já no trabalho efetuado pelos participantes do encontro em Campos do Jordão, a distância entre o real e o desejável e possível ficou ainda maior. O trecho percorrido não passa de 46,8%. Ou seja: para alcançar o desenvolvimento econômico, social, cultural e ambiental esperado nos próximos 25 anos, ainda falta ao país percorrer 53,2% do caminho. Nesse contexto, os participantes do evento destacaram três índices considerados prioritários: desigualdade da renda, renda per capita e mortalidade infantil.
A média das metas apontadas revela que o índice de mortalidade infantil, que mede a probabilidade de morte no primeiro ano de vida, deveria cair de 34 para 7,9 em mil nascidos vivos até 2030. Em relação à renda per capita, o país teria de perseguir um patamar na casa dos US$ 22.500 (PPC) anuais contra os atuais US$ 7.770 (PPC), o que significa triplicar o valor em um quarto de século. Já a desigualdade de renda deveria ser reduzida pela metade no mesmo período. “São expectativas realistas e não ufanistas, se perseguidas com persistência, obstinação e coragem”, observa Barros Silva.
Outros indicadores também mereceram destaque dos participantes do encontro. A capacidade de entendimento dos alunos do ensino médio de conteúdos de língua portuguesa, por exemplo, deveria saltar de 16,6% para 57,4% de estudantes que conseguem atingir um nível razoável de capacidade de compreensão das leituras realizadas. Os homicídios de homens jovens deveriam decrescer dos atuais 385,1 para 62,3 em 100 mil habitantes. E a participação do Brasil nas exportações mundiais deveria saltar dos atuais 0,89% para pelo menos 3,6%.
Para expressar a situação e a comparação dos indicadores selecionados nas dimensões, os pesquisadores do NEEP definiram uma forma geométrica. Para efeito de comparabilidade, foi atribuído o valor um para cada indicador na situação desejável, cabendo aos participantes do encontro definir os valores atuais na escala de zero a um. O intervalo entre os dois pontos equivale à distância que o país ainda tem de percorrer para alcançar as metas desejáveis e realistas.
O próximo passo do NEEP será refinar os índices, levando em conta as diferenças em cada região. “Queremos estabelecer várias comparações para apresentar um retrato do Brasil, o mais fiel possível”, diz o coordenador. Para iniciar essa nova fase, a equipe se reuniu na última sexta-feira, no auditório do Núcleo, em Campinas. Na mesma data, foi realizado o mesmo exercício do encontro de Campos de Jordão, agora com os membros integrantes da coordenação dos movimentos sociais, na sede da CUT em São Paulo.Também está prevista a realização de seminários para divulgar o trabalho na comunidade acadêmica. Um dos trabalhos em vista é estabelecer comparações entre estados brasileiros com outros países. “O objetivo final é estabelecer uma agenda de discussão que contribua para a formulação de políticas públicas de médio e longo prazos, tendo em vista um projeto de transformação real do país”, conclui Barros Silva. (CL)
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