O foco principal do trabalho, primeiro produto de uma linha de pesquisa desenvolvida pelo Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do IG, chefiado por Salles- Filho, são os instrumentos de financiamento à C,T&I criados entre a década de 90 e início de 2000. De acordo com a autora do estudo, embora o país disponha de vários mecanismos destinados a este fim, eles não atendem às diversas fases do processo de inovação. “De maneira geral, as linhas de financiamento contam com um baixo volume de recursos e são pouco acionadas. Além disso, elas não contemplam etapas importantes da atividade produtiva. Falta dinheiro para a produção inicial, para a expansão e para o capital de giro”, afirma.
Na prática, destaca a pesquisadora, o crédito à C,T&I está disponível em apenas duas modalidades no Brasil: crédito padrão baseado na TJLP + spreads; que são taxas menores que as do mercado, porém ainda elevadas para o investidor; e crédito com juro reduzido (equalizado), no qual até 6% da TJLP pode ser coberta com recursos mantidos no FNDCT originados do Fundo Verde Amarelo (um dos fundos setoriais). A equalização é um dos instrumentos criados pela Lei n. 10.332/01 e oferecido pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), empresa vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Para o acesso ao crédito, as empresas precisam, ainda, apresentar garantias, o que as de menor porte ou as entrantes no mercado em geral não dispõem. A referida Lei n. 10.332/01 também permite que a FINEP venha avalizar estas garantias de liquidez em apoio às empresas, mas ainda nenhuma operação deste tipo foi realizada até o momento.
Mesmo as boas iniciativas, como os Fundos Setoriais, não estariam conseguindo incentivar a geração de processos e/ou produtos inovadores nas empresas, de acordo com o estudo. Boa parte do dinheiro disponível nos Fundos Setoriais, segundo Solange, é apropriada pelas universidades e instituições de pesquisas, que estão mais preparadas para atender às exigências dos editais públicos. “Isto se deve à própria formatação do incentivo, fortemente orientado por critérios e procedimentos acadêmicos”, aponta. Outro problema seria a falta de transparência no uso dos recursos. Atualmente, dizem Salles-Filho e Solange, ninguém sabe ao certo que destino é dado ao montante arrecadado pelas leis que criaram os Fundos Setoriais e que não são alocados no orçamento do FNDCT . “Nessa questão, há ainda um ponto importante. O contingenciamento de recursos por meio de limites de gastos do PPA [Plano Plurianual] impede que o orçamento aprovado seja de fato executado”.
Mesmo os recursos aprovados e liberados pelos diversos mecanismos de financiamento à C,T&I, adverte o professor Salles Filho, não estariam sendo eficientemente canalizados para cumprir seus propósitos, em virtude da falta de definição de critérios. Dos novos instrumentos criados na esfera pública, argumenta o docente do IG, a equalização foi alvo de alguma operacionalidade nos últimos anos, mas mesmo assim o dinheiro aplicado atingiu apenas 3% do orçamento, até maio deste ano, segundo dados da própria Finep. No plano privado, a situação não é diferente. No Brasil, nota o especialista, o mercado de risco ainda é tímido. Alguns fatores, no entender de Salles Filho, parecem ter limitado o interesse dos investidores nesse segmento, principalmente os investidores institucionais (fundos de pensão, seguradoras etc).
Entre eles estão o risco potencial das operações nas etapas iniciais do processo inovativo e as possibilidades de ganhos em aplicações de baixo risco e rendimento garantido, como nos títulos públicos. “Os investidores, de maneira geral, preferem investir em empreendimentos mais consolidados, de maior porte e de menor risco, configurando-se mais um mercado de private equity do que propriamente de risco no país”, afirmam.
De acordo com a pesquisadora, o discurso da competitividade precisa ser seguido por medidas efetivas. Apesar de o país formar um número considerável de doutores e mestres anualmente [cerca de 8 mil doutores, em 2003], o quadro de pesquisadores no interior das corporações privadas ainda é pequeno, o que indica que a P&D não é uma atividade de destaque na maioria das empresas, a despeito de muitas realizarem inovações, principalmente inovações incrementais.
Em sua tese, Solange produziu um quadro no qual demonstra a inter-relação entre os mecanismos de financiamento à C,T&I e as etapas do processo de inovação. Basta uma breve observação para perceber que a maioria dos instrumentos, como já foi dito, além de não cobrir todas as fases do processo inovativo, dispõe de baixos recursos e tem um uso relativo reduzido.
Propostas Mais do que apontar falhas, o estudo desenvolvido por Solange Corder propõe ações para o aperfeiçoamento dos mecanismos de financiamento ao sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação. Segundo o trabalho da autora, é preciso ampliar o montante de recursos de subvenção e equalização para as pequenas e médias empresas, lançando mão inclusive das verbas disponíveis nos Fundos Setoriais (e não somente no Verde Amarelo, como é atualmente). Também se faz necessário rever os incentivos da lei 8.661/93, de forma a fazer com que a dedução do imposto de renda volte ao patamar de 8%, sem que seja onerada pelo programa de alimentação do trabalhador (PAT), assim como fazer com que a isenção da alíquota do IPI retorne à taxa de 100%. Outra ação importante, diz, é incentivar a canalização de recursos dos fundos de pensão para o mercado de risco, por meio da oferta de garantias e liquidez. “Além disso, é altamente recomendável que estas e outras medidas sejam executadas de forma combinada, de modo a estabelecer um cardápio integrado de opções para o investimento em C,T&I no país”, analisa a pesquisadora.
Tais ações dependem fortemente do empenho governamental, como vem ocorrendo em outros países, especialmente nos desenvolvidos, que aportam recursos diretamente ao investimento em P&D e em inovação nas empresas. “A ciência, a tecnologia e a inovação são fatores estratégicos para o desenvolvimento do Brasil. Para que sejam fomentados, dependem de políticas claras e eficientes. Estamos falando de políticas de Estado e não de políticas de governo, que podem ser alteradas ou mesmo interrompidas segundo as preferências dos eventuais ocupantes do poder”, pondera o professor Sergio Salles-Filho.