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Jorge Lima
 

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O consultório-ateliê
de Jorge de Lima

LUIZ SUGIMOTO

Flávia Carneiro Leão, supervisora do Cedae: busca de trabalhos do lado kenos conhecido de Jorge Lima (Foto: Antoninho Perri)Jorge de Lima não é editado no Brasil há alguns anos, sendo difícil encontrar um livro do poeta e romancista alagoano em catálogo. Algo a lamentar, considerando que as primeiras edições eram enriquecidas por ilustrações do próprio autor e de artistas como Lasar Segall, Portinari, Goeldi, Fayga Ostrower, Santa Rosa, Guignard e, inusitadamente, Manuel Bandeira. Por dois meses, uma equipe do Centro de Documentação Alexandre Eulálio (Cedae) se empenhou na busca de documentos que mostrassem a faceta menos conhecida do autor: a do pintor, escultor e pioneiro da fotomontagem no país. O resultado está na exposição “Trabalhos de um poeta”, aberta até 25 de novembro no Cedae – do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp.

A exposição surgiu de Altair e Violante, óleo sobre tela produzido por Jorge de Lima no ano de sua morte, 1953, e que integra o fundo do professor Alexandre Eulalio. “Acredito que o Cedae seja o centro de documentação da Unicamp com maior número de obras de arte em seu acervo. Guardamos muitos acervos cuja área de interesse de seus titulares levava a uma convivência natural com artistas. No caso de Altair e Violante, a tela foi presenteada a Alexandre Eulalio pelo próprio Jorge de Lima. Além disso, alguns titulares também se se arriscavam nas artes plásticas, como Monteiro Lobato e Hilda Hilst”, explica Flávia Carneiro Leão, supervisora do Cedae. A realização de mostras periódicas, segundo ela, possibilita divulgar o acervo e, sobretudo, a parcela composta por obras de arte. Este material, que é pouco conhecido e menos consultado, ganha visibilidade com mostras desta natureza.

Jorge Lima caricaturado por Mendez em 1946: médico com espírito para as artesJorge de Lima, no entanto, nem era um pintor diletante, nem sua relação com os artistas apenas de amizade. Ele, que já se tornara mais poeta do que médico, era membro também do mundo artes, onde permanecia tão imerso que praticamente transformou em ateliê o seu consultório da Cinelândia, no Rio de Janeiro. Cavaletes e telas predominam no ambiente, que serviu ainda como ponto de encontro de escritores e artistas. Esta página traz uma foto do consultório em que Altair e Violante aparece na parede, e uma caricatura de Mendez na qual Jorge de Lima esconde o pincel em uma mão e mostra a seringa na outra, traduzindo bem o espírito do médico-poeta. “Dizem que ele puxava conversa sobre literatura e, quando o paciente menos esperava, aplicava a injeção”, conta Flávia Leão.

No consultório da Cinelândia havia uma prensa, onde Jorge de Lima retomou a prática da tipografia, iniciada na década de 20 em Alagoas. Esta faceta gerou relíquias como O mundo do menino impossível (1927), livro de poemas que marca sua adesão ao modernismo. Capa e ilustrações são do autor, e os desenhos, infantilizados, foram coloridos a lápis pelo irmão Hildebrando de Lima. O poeta imprimiu 300 exemplares do livro, numerados e autografados, e mais dois exemplares impressos em fina cambraia. “Um deles, Jorge de Lima deu ao irmão e o outro a Oswald de Andrade, que meses antes havia lançado Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade, livro no mesmo estilo e formato, comprovando o diálogo que havia entre os dois. Gostaria de ter encontrado o exemplar de cambraia no acervo de Oswald que está na Unicamp, mas infelizmente a obra não integra o fundo documental”, lamenta Flávia Leão.

Retrato de Jorge de Lima e José Lins do Rego (Maceió, 1928)  - Foto: DivulgaçãoSurrealismo – Em A Pintura em Pânico (1943), Jorge de Lima edita suas fotomontagens e dá asas a sua visão surrealista do mundo. “Ele se converte ao modernismo, mas é interessante como vai beber diretamente em De Chirico, Max Ernst e outros surrealistas europeus. Essas referências são evidentes não só nas fotomontagens, como nos quadros”, observa a supervisora do Cedae. Como o autor foi pioneiro das fotomontagens no Brasil, a equipe se empenhou em localizar este livro, encontrando inicialmente apenas dois exemplares, um no Instituto de Estudos Brasileiros da USP e outro na Casa de Rui Barbosa, no Rio. “Solicitar o empréstimo de um deles exigiria trâmite complicado, incluindo o seguro. Assim, fomos surpreendidas ao descobrirmos um volume aqui mesmo no Cedae, no acervo de Flávio de Carvalho, com dedicatória e tudo”, recorda.

Fotomontagem, sem data: pioneirismo na técnica e referências a De Chirico e Max ErnstNa busca, muitas referências sobre uma obra artística extensa e de altíssima qualidade, mas pouco material para mostrar. Daí que A Pintura em Pânico foi apenas uma das raridades que as pesquisadoras do Cedae encontraram nos vários acervos da Unicamp, entre eles os da Biblioteca Central, do Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) e da biblioteca do AEL. Do Fundo Octavio Brandão, do AEL, Flávia Leão obteve Poemas escolhidos (1932), que tem a capa de Manuel Bandeira. “Desconhecia essa peculiaridade de Bandeira. Me chamou a atenção que um poeta tivesse feito a capa para o livro de outro. A arte da capa é um belo exemplar de arte moderna”, afirma.

Negrista – Autora de Imagens eloqüentes – A escritura plástica de poetas e artistas latino-americanos, tese de doutorado defendida na USP, a professora Gênese Andrade concedeu palestra na abertura da exposição no Cedae. Segundo ela, O Mundo do Menino Impossível (1927), A Pintura em Pânico (1943) e a Poesia em Pânico (1938), este em colaboração com Murilo Mendes, trazem capa ou ilustrações de Jorge de Lima. Outras obras têm a colaboração de vários artistas, como Lasar Segall em Poemas negros (1947), Faya Ostrower em Invenção de Orfeu e Santa Rosa em O Anjo (1934) e Guerra dentro do beco (1950). Noemia, Guignard e Santa Rosa ilustraram poemas publicados em jornais e revistas. Poemas negros reúne 37 poemas, três prosas e 13 ilustrações de Segall.

Altair e Violante, óleo sobre tela (1953) do Acervo de Alexandre Eulálio: inspiração para a exposição o Cedae (Foto: Divulgação)Assim como títulos de Jorge de Lima não são facilmente encontrados em bibliotecas, a não ser em edições de obras reunidas, telas do poeta também não estão em museus, mas em mãos de particulares. “Encontramos referências de que ele simplesmente as presenteava a quem aparecesse no consultório-ateliê e as apreciasse. É o lado muito generoso do artista”, diz Flávia Leão.

Traços de identidade

Altura – 1 metro e 68 centímetros. Pêso – 59 quilos e meio. Colarinho – 37. Usa óculos. Grisalho, meio careca, meio surdo. Não precisa dizer que sua vista é cansadíssima. É católico praticante. Comunga sempre. Seu Santo: São Jorge, padroeiro da Inglaterra e santo de macumba. Veste sempre cinza. Prefere andar de automóvel. Acorda sistemàticamente às 4 horas da madrugada com os galos e a aurora. Faz visitas só como médico. Não gosta de doce. Gosta de cozinha brasileira; principalmente comidas de sua terra: sururu, peixe de côco, etc. Sua fruta preferida: manga. Não fuma. Sua leitura predileta: poesia. Não gosta de rádio. Poetas que prefere: T. S. Eliot, Claudel, Spender, Patrice de La Tour Du Pin, Valéry. Gosta de música – seus músicos preferidos são: Mompou, Strawinsky, Bach, Mozart, Beethoven. Romancista estrangeiro que prefere: Sthendal. Dos nacionais: José Geraldo Vieira, José Lins do Rêgo, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Otávio de Faria, Clarice Lispector e Diná Silveira de Queirós. Não costuma roncar quando dorme. Tem idiossincrasia pelo ruído, principalmente. É casado e tem dois filhos e quatro netos. Êstes netos, além de possuírem o seu sangue, possuem o sangue de Alberto Torres. Passatempo preferido: pintar, esculpir e compor. Adora o mar. Em Alagoas, na Bahia, no Rio sempre morou perto do mar. Gosta de viajar de avião também, mas os aviões sempre o molestam. Gosta de permanecer horas inteiras nas velhas igrejas: em Igaraçu, Goiana, as de Olinda; as da Bahia de Todos os Santos; as de São Bento e Santo Antônio dos Pobres no Rio. Como pintor não tem preferências por côres e sim as suas combinações.

Falando sobre a literatura brasileira disse: “Uma das mais fortes, das mais construtivas do mundo atual. Infelizmente a língua portuguêsa nos isola perante os escritores de outras línguas. Se fôssemos traduzidos, certamente teríamos uma influência universal.”

Falando sobre o Brasil, disse: “É um país semicolonial, com as maiores possibilidades de ser uma verdadeira democracia e o maior país do futuro.”

Gosta muito de crianças. Sente muitas saudades de seus vizinhos da província. Finalmente disse: “Nunca saí do Brasil e não sinto necessidade disso.”

(Auto-retrato de Jorge de Lima publicado na Folha da Manhã, de São Paulo, em 3 de agosto de 1952).

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Foto: Antoninho PerriFoto: Neldo CantantiFoto: Antoninho PerriFoto: Gustavo Miranda/Agência O GloboFoto: Antoninho Perri