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Agenda domina
jornalismo cultural, diz Piza

DA REDAÇÃO DO JU

“Cultura é romper fronteiras”. A opinião é do jornalista Daniel Piza, editor-executivo do jornal O Estado de S. Paulo. Piza esteve na Unicamp no último dia 1º para participar como palestrante do debate sobre jornalismo cultural dentro da programação do Fórum Permanente de Arte & Cultura, evento promovido pelas Coordenadorias Geral da Universidade (CGU) e de Relações Institucionais e Internacionais (Cori). Na entrevista que segue, o jornalista fala sobre o papel dos cadernos de cultura.

Jornal da Unicamp – Os anos 1920 e 1960 foram décadas de valorização dos temas nacionais. Basta mencionar a SAM e os movimentos de vanguarda e de cultura popular. Por que essa busca da identidade cultural brasileira não tem se repetido?
Daniel Piza – Hoje as coisas funcionam de modo diferente. Não há mais os grandes movimentos, as utopias estéticas, os “ismos”. Isso é bom porque valoriza a arte não esquemática, mas é ruim porque sanciona o conformismo, o maior dos “ismos”... Quanto à busca da identidade, acho que existe sim uma consciência de que a cultura brasileira deve ser estudada e apreciada. Veja os discos e livros mais vendidos, os programas de TV mais assistidos, a retomada do cinema brasileiro, o uso e até abuso de gêneros populares nos festivais de música! Ao mesmo tempo, não se crê numa arte pura, nativista, purista. E isso também é bom. Cultura é romper fronteiras.

JU – Por que os espaços dedicados à crítica, sobretudo a literária, estão cada vez menores?
Daniel Piza – Porque os jornais não enxergam sua importância. Infelizmente, não existem mais grandes críticos como Lins e Carpeaux, que debatiam e formavam. A literatura perdeu peso em relação a outras artes e temas, mas isso não significa que tenha perdido importância e especificidade.

JU – Como ficam os parâmetros de isenção e da ética jornalística quando o resenhista também ocupa a função de repórter e/ou editor?
Daniel Piza – Há resenhistas que são ou foram bons repórteres e se tornam editores. Não vejo o menor problema nisso. É só ele saber que reportar é uma coisa, resenhar é outra, editar outra ainda.

JU – Em que medida o webjornalismo cultural (zines eletrônicos, sites especializados etc) supre as demandas das nuances culturais contemporâneas. Esse formato pode substituir no futuro o modelo clássico dos jornais?
Daniel Piza – Não tenho como prever. Acho que a organização do material jornalístico em papel tem um valor intrínseco, ligado à hierarquia editorial e ao prazer do objeto táctil. Mas certamente as publicações virtuais vão ficar cada vez mais fortes.

JU – Até que ponto a massificação empobreceu a linguagem e o conteúdo dos segundos cadernos?
Daniel Piza – Se entendermos por massificação a onipresença do entretenimento e da TV, ela afetou a relação das novas gerações com a leitura e, por extensão, com a escrita.

JU – Na outra ponta, os suplementos semanais invariavelmente usam textos acadêmicos que parecem escritos para iniciados, permanecendo inacessíveis para leigos. Como chegar ao meio-termo?
Daniel Piza – Há muitos exemplos felizes de meio-termo. É preciso ter a consciência de que é possível ser profundo e culto sem recorrer a uma linguagem obscura e pomposa. Usar a coloquialidade, sem banalizar o texto e a abordagem, é o caminho.

JU – Em que medida os segundos cadernos ficam a reboque da agenda e da indústria cultural?
Daniel Piza – Em grande medida. A agenda domina as páginas. Mas ainda há reportagens que contextualizam perspectivas, assim como colunas e resenhas. Elas precisam ampliar seu espaço e seu alcance.

JU – Em seu livro, você menciona que um dos problemas do jornalismo cultural é não perceber o cromatismo resultante de dicotomias (entretenimento x erudição etc) relacionadas ao debate filosófico que opõe o “compreender” e o “julgar”, que muitas vezes deságuam em soluções intermediárias. Você poderia falar sobre?
Daniel Piza – Muita gente que escreve sobre produtos e eventos culturais acha que não deve emitir opinião sobre eles, que devem “suspender o juízo”, que criticar é abrir mão do compreender. Mas uma coisa não existe sem a outra. Quando você busca compreender a intenção e a realização de uma obra, está também valorizando seus aspectos, tirando conclusões a respeito dele. Da mesma forma, o leitor que saber se, afinal, vale a pena ler/ver/ouvir aquilo ou não. Mesmo que discorde. O importante é a qualidade da argumentação. Não cair no descarte adjetivado ou no oba-oba. Mas também não se supor “neutro”, uma suposta modéstia que não passa de uma grande pretensão.

JU – O conceito de “furo” e de “hard news” parece ter deixado de ser prerrogativa das demais categorias do jornalismo para migrar para os segundos cadernos. Na mesma medida, a modernização dos meios de produção – agilidade, horário de fechamento etc – passou a ser uma exigência ditada por pressões de natureza industrial. Em que medida esses dois fatores interferem na produção de um jornalismo cultural mais reflexivo e crítico?
Daniel Piza – Há hard news e furos em jornalismo cultural. Mas eles pesam menos no resultado final da editoria sobre o leitor. O fechamento prematuro é ruim porque atrapalha o acabamento das matérias, a edição de texto verdadeira, tão rara no Brasil. Mas nenhuma das duas coisas pode ser desculpa para não produzir um jornalismo crítico e reflexivo.

JU – Não raro o jornalismo cultural erra a mão na linguagem ao incursionar pelo território do “moderno” e do “cosmopolita” (sobretudo na área musical). Quando, na sua opinião, essa tendência passou a ser adotada? Quais são seus efeitos?
Daniel Piza – Isso ficou muito forte a partir dos anos 80, quando se supunha que o que vem de fora é que é bom... Além disso, houve uma balcanização da própria cultura, da própria indústria cultural, subdividida em número cada vez maior de gêneros e patamares. Assim o sujeito que escreve sobre rap, digamos, acha que tem que usar a linguagem característica, o glossário de jargões e gírias do “meio”, até para se auto-afirmar nele. Com isso, esquece o leitor, que quase nunca vai saber o que é “dubbing” ou “afrobreat” ou sei lá o que mais.

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