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Sanitarista defende modelo alternativo para controle do vetor da doença

Pesquisadora sugere metodologia
ecossistêmica de combate à dengue


MANUEL ALVES FILHO


“Fumacê” em rua de Campinas: de acordo com especialista, pulverização aleatória representa um risco para a saúde das pessoas (Foto: Élcio Alves/AAN)Nos primeiros três meses de 2005, a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), órgão do Ministério da Saúde, registrou 38.989 casos de dengue no Brasil. Em 2004, foram feitas 54.322 notificações da doença no mesmo período. Embora confirmem uma tendência de queda das ocorrências, os números também comprovam que o país está longe de superar o problema. Um dos fatores que contribuem para a persistência da endemia e das epidemias, conforme a médica sanitarista Lia Giraldo da Silva Augusto, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), é o modelo adotado em âmbito nacional voltado ao controle do mosquito Aedes aegypti, hospedeiro do vírus causador da enfermidade. Baseado no uso de produtos químicos e na execução de pesquisa larvária, o programa, além de não estar proporcionando resultados expressivos, ainda tem sido prejudicial ao ambiente e à saúde das pessoas, segundo a especialista. Preocupada com essa situação, Lia propõe uma metodologia alternativa para controlar a proliferação do vetor da dengue, classificada por ela de “abordagem ecossistêmica”.

Pesquisas estão registradas em livro

A proposta da médica sanitarista, que fez mestrado e doutorado na Unicamp, está registrada no livro “Abordagem Ecossistêmica em Saúde – Ensaios para o controle do dengue”, recém-lançado pela Editora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A obra, co-organizada por Lia, é resultado de duas pesquisas e de um seminário sobre o tema, este último realizado em 2004. Na publicação, diversos autores discorrem sobre questões necessárias para estruturar alternativas de enfrentar as constantes epidemias da doença no país. De maneira geral, os modelos sugeridos pelos especialistas convergem para uma abordagem ecossistêmica do problema. As ações sugeridas são apoiadas na formação de redes sociais e no controle mecânico do vetor da doença, mediante ações integradas de vigilância ambiental, entomológica e epidemiológica.

De saída, os especialistas condenam o uso de produtos químicos para tentar eliminar o Aedes aegypti na forma larvária e adulta. Os inseticidas, de acordo com a pesquisadora da Fiocruz, têm sido usados indiscriminadamente tanto pelos programas oficiais de combate à dengue quanto por iniciativas individuais. Para exemplificar o problema, Lia relata um caso ocorrido em Recife, em 1994, onde ela reside. Ao observar um agente da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) despejando um determinado produto na caixa d’água de um hospital, a médica sanitarista quis saber do que se tratava. O funcionário explicou, então, que o produto era um larvicida. Disse, ainda, que o procedimento era repetido com freqüência nos últimos 15 anos, e que tinha o objetivo de impedir que a caixa d´água se transformasse num criadouro do mosquito da dengue. “A medida, obviamente, é inadequada. Primeiro, porque a adição do larvicida retira a potabilidade da água. Segundo, porque esse produto químico pode causar problemas de saúde em quem consumir a água contaminada”, afirma a pesquisadora.

A aplicação de inseticidas por meio de veículos que passam na rua, método conhecido como fumacê, também é criticado pela pesquisadora da Fiocruz e por seus colegas. Segundo ela, ao ser pulverizado, o veneno representa um risco para a saúde das pessoas. Ademais, ele mata outros animais além do mosquito vetor da dengue, como abelhas, lagartixas, borboletas e pássaros, bem como alguns predadores naturais do Aedes aegypti. Tudo isso, diz, favorece a ocorrência de um possível desequilíbrio ecológico. A especialista contesta, ainda, a eficiência da pesquisa larvária. Os agentes de saúde, no entender dela, deveriam fazer mais do que visitar residências e imóveis comerciais para procurar criadouros. “Eles deveriam atuar no controle ambiental, especialmente nos condicionantes que determinam a proliferação do mosquito nas áreas urbanas”.

Lia e os demais autores do livro propõem que o combate à dengue elimine o uso de produtos químicos e passe a considerar as especificidades de cada local. “Atualmente, existe uma receita única sendo aplicada em todo país. Não me parece que isso seja razoável, pois cada cidade apresenta características próprias em termos ambientais, de população e de configuração geográfica”, pondera a pesquisadora da Fiocruz. De acordo com ela, um método alternativo que tem sido testado com sucesso para controlar a proliferação do mosquito da dengue é o que utiliza uma armadilha, batizada de ovitrampa. Esta nada mais é do um vasilhame simples, que pode ser feito a partir de uma garrafa do tipo PET cortada ao meio.

Ao recipiente, que é pintado de preto, é acoplada uma palheta de madeira áspera, onde o Aedes aegypti deposita os ovos. O mosquito é atraído para a armadilha, fixada a um metro e meio do solo, por meio de um “molho” feito com capim fermentado naturalmente em água, durante cinco dias. “O odor exalado por esse líquido funciona como um atrator para as fêmeas do inseto”, explica Lia. De acordo com ela, o método tem se mostrado muito eficiente, pois a ovitrampa concorre diretamente com os demais reservatórios de água que poderiam ser transformados em criadouros do vetor do dengue. “Além do mais, a inspeção pode ser feita a cada cinco dias pelos agentes de saúde ou pelos próprios moradores, que são orientados como proceder”. Teste comparativo realizado em 101 quarteirões de Recife constatou que o índice de positividade da pesquisa larvária tradicional atingiu apenas 2,9%, enquanto o da técnica que emprega a armadilha alcançou 80,2%. “Com esse modelo, estamos retirando milhões de ovos do ambiente e reduzindo a quantidade de insetos adultos sem prejudicar o ambiente”, acrescenta.

A médica sanitarista lamenta que a abordagem ecossistêmica de combate à dengue tenha sido adotada, até aqui, por poucas cidades, entre elas Campinas. Ela considera que o método deveria ser difundido para todo o país, pois do contrário as epidemias da doença continuarão se sucedendo. Mas se a técnica é tão eficaz, por que ela não está sendo incorporada pelo programa nacional conduzido pelo Ministério da Saúde? Na opinião de Lia, isso possivelmente se deve ao fato de o modelo convencional estar enraizado na mente das autoridades federais, que estariam convencidas de que os ajustes sucessivos feitos nos programas oficiais vão trazer bons resultados. “Talvez também haja interesses econômicos com a compra de inseticidas e equipamentos. Outro obstáculo é o clientelismo político. Os prefeitos podem contratar agentes de saúde sem concurso para atuar no controle da dengue, e o fumacê dá impressão de que estão fazendo alguma coisa, mas na verdade nunca foi realizada uma avaliação sistemática da efetividade dessas ações”, critica.

A dengue é uma doença considerada benigna, conforme a pesquisadora da Fiocruz. Segundo ela, o Aedes aegypti faz parte do ecossistema e não pode ser erradicado sob pena de ocorrerem grandes prejuízos ecológicos e de saúde humana. “Nós precisamos aprender a conviver com o mosquito”, afirma. Na entender de Lia, isso se faz por meio do controle da infestação do vetor e do tratamento adequado das pessoas acometidas pela enfermidade. “A dengue pode causar choque hipovolêmico por desidratação, e é isso que complica o quadro da doença. Assim, a melhor forma de tratar o doente é identificar o tipo de vírus, fazer o acompanhamento médico e hidratá-lo precocemente. O autodiagnóstico e automedicação devem ser evitados. Já a dengue hemorrágica nada mais é do que uma complicação da dengue original, e pode ser perfeitamente evitado e tratado se houver o já mencionado controle. Ninguém deveria morrer por infecção de dengue. Em Cuba, onde esse conjunto de medidas já é adotado, ninguém morreu da doença na última epidemia de 2002, quando milhares de pessoas se infectaram”.

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