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Expectativa é aprofundar conhecimento sobre as
transformações no capitalismo e no mundo do trabalho
Juízes do trabalho buscam especialização na área econômica em curso da Unicamp
LUIZ SUGIMOTO
Trinta juízes do trabalho, vindos de várias partes do país, estão participando de um curso intensivo de formação na área econômica oferecido pelo Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), do Instituto de Economia. O curso despertou grande interesse entre os juízes e as vagas foram definidas por sorteio pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra). A demanda levou à criação de uma segunda turma, com mais 40 alunos que terão aulas em novembro de 2005 e maio de 2006. Tanto interesse é justificado diante das profundas e aceleradas transformações no mundo do trabalho, que acarretam não só importantes mudanças no plano das relações de trabalho, mas em todo ambiente sobre o qual os juízes decidem.
Procura resultou em segunda turma
A expectativa da Anamatra, com este curso de especialização em economia do trabalho e sindicalismo, é de contribuir para aprofundar o conhecimento dos magistrados sobre as transformações ocorridas no capitalismo contemporâneo, especialmente sobre os problemas associados ao mundo do trabalho no Brasil e nos países avançados. “A formação tradicional do curso de direito não oferece um conjunto de disciplinas que abrigue uma discussão sobre economia. São pessoas bem informadas, que lêem muito e acompanham o que é divulgado na mídia, mas um curso concentrado como este é importante para que ampliem sua visão sobre as questões econômicas”, afirma o professor Denis Maracci Gimenez, que coordena o curso juntamente com os professores Carlos Alonso Barbosa de Oliveira e Anselmo Luís dos Santos.
Segundo Gimenez, o curso é resultado de uma aproximação da Anamatra com o Cesit. “Na verdade, foi uma iniciativa da Associação, diante da necessidade de oferecer aos juízes do trabalho uma formação na área econômica e, particularmente, de economia do trabalho. O Cesit já teve uma experiência anterior, circunscrita à Escola de Magistratura do TRT da 15ª Região em Campinas, o que despertou o interesse em levar o curso para magistrados de todo o país”, acrescenta. Os juízes estão recebendo aulas em tempo integral com carga de 360 horas divididas em dez disciplinas. Depois deste primeiro módulo em setembro, os alunos voltam para o segundo módulo em março do próximo ano.
Emenda 45 “Interessei-me imediatamente pelo curso porque a economia é uma área afim do direito, intrinsecamente ligada à questão do emprego, e com a qual não temos contato. O mundo jurídico é meio à parte e estávamos fora desse contexto. Tem sido interessante compreender a formação e as estruturas do sistema capitalista. O grupo está muito satisfeito”, afirma a juíza Regina Maciel Lemos, de Recife. Para ela, o curso torna-se ainda mais oportuno diante Emenda Constitucional nº 45, que amplia a competência dos juízes de trabalho. “Agora vamos julgar não apenas causas relativas aos contratos de emprego fixo com carteira assinada e todos os direitos reconhecidos , mas também causas envolvendo sindicatos e outros trabalhadores, como autônomos e eventuais”, informa.
A Emenda 45 introduziu reforma no Poder Judiciário, com importantes reflexos na Justiça do Trabalho. Mais do que as causas envolvendo unicamente o emprego subordinado, os juízes do trabalho ficam responsáveis por litígios de profissionais autônomos e liberais, representantes comerciais, corretores e trabalhadores eventuais, entre outros. A emenda também transferiu para a Justiça do Trabalho as ações relativas às penalidades administrativas e a competência em matéria sindical, antes sob as esferas, respectivamente, da Justiça Federal e da Justiça Comum. Estabeleceu ainda novas regras para a instauração de dissídio coletivo de natureza econômica, cabendo aos juízes do trabalho, na falta de negociação entre empregadores e empregados, decidir sobre o conflito.
“Esperamos poder ampliar a nossa compreensão da questão do emprego, aprendendo sobre os processos que geraram situações por vezes peculiares que encontramos hoje. Em nosso ramo do Judiciário aplicamos sobretudo a legislação trabalhista em defesa dos direitos do trabalhador, mas não apenas ela. A Justiça do Trabalho possui um perfil social que a caracteriza. Deve-se lembrar que o direito do trabalho surgiu para responder ao modo de produção capitalista, depois da Revolução Industrial, como suporte contra a desigualdade que permitia abusos como as jornadas intensas e o trabalho infantil. Dizem, então, que a Justiça do Trabalho é protecionista, quando na verdade ela tende a corrigir as desigualdades entre patrões e empregados”, observa Regina Lemos.
Sindicatos Gilmar Carneiro de Oliveira, magistrado de Salvador, admite que foram as disciplinas tratando de sindicalismo que o atraíram para o curso do Cesit, incentivado também pela Emenda 45 que ampliou a competência da Justiça do Trabalho para esta área. “Embora as relações sindicais sejam travadas dentro do espectro da relação do trabalho, questões como eleição sindical, problemas com associados, disputas por base territorial ou por categorias profissionais, nunca estiveram sob nossa competência, por preconceito ou por outros motivos. Conhecendo a origem do sindicalismo e sua evolução, pode-se analisar melhor suas causas e contribuir para que ele avance”, pondera.
Gilmar de Oliveira salienta que os juízes lêem muitas obras jurídicas, mas que o curso na Unicamp vem abrindo outros horizontes muitas vezes por eles ignorados. “Até esse momento do curso tivemos um panorama de como as relações de trabalho evoluíram ao logo do tempo até alcançar os moldes que conhecemos hoje. Vendo por outro prisma e não pelo contratualismo que basicamente estudamos -, fica claro que nessas relações o lado econômico veio antes do que o lado jurídico. Chama a atenção, por exemplo, o fato de que o seguro-desemprego tenha sido criado nos Estados Unidos em 1935 e, no Brasil, nos anos 80. Lá, o seguro surgiu por causa da grande depressão de 1929”, observa.
A juíza Cláudia Lima, de Recife, acha que o curso vem atendendo à sua expectativa de realizar uma reciclagem, permitindo que tome ciência de outros aspectos fora do dia-a-dia na Justiça do Trabalho, focado no problema do emprego e da realidade do trabalhador. “O mercado de trabalho mudou muito e os juízes vêem na prática as conseqüências desta desvinculação do emprego formal. Só entendendo a história, o fundo social e econômico do trabalho, é possível entender porque isso está acontecendo”, conclui.
Ana Elise, juíza de Belém, enfatiza a importância da multidisciplinaridade, a correlação do direito com outras disciplinas como história econômica, do trabalho e do sindicalismo para conhecer melhor a realidade social. “Considerando as transformações no mercado de trabalho, é fundamental, por exemplo, que as relações sindicais acompanhem essas mudanças. Os sindicatos têm que se fortalecer. Provavelmente, é um tema que discutiremos nesse curso, inclusive porque já desmembraram recentemente a emenda da reforma sindical. Em razão da crise política no país, que tornaria a reforma demorada, defende-se uma mini-reforma para se atender de imediato a algumas expectativas do trabalhador”.
Da globalização ao desenvolvimento econômico
A mera descrição feita pelo professor Denis Gimenez das disciplinas oferecidas aos juízes do trabalho, já indica que não se trata de coisa pouca. O primeiro módulo envolve cinco disciplinas, sendo a primeira sobre “conceitos básicos de economia”: são conceitos relativos a produto e renda, contas externas, e políticas monetária, fiscal e cambial. Outra disciplina trata de “história e desenvolvimento sócio-econômico”: conformação do capitalismo e revolução industrial, liberalismo no século 19, capitalismo monopolista e imperialismo, crise de 1929, subdesenvolvimento na América Latina, problemática do desenvolvimento capitalista no Brasil, Constituição, e impulsos e limites à industrialização.
Outros temas reservados ainda para este mês são emprego e distribuição de renda, globalização, instabilidade econômica, política econômica e pleno emprego, homogeneização do mercado de trabalho, as políticas neoliberais, os processos de globalização financeira e de expansão do comércio mundial, os desajustes econômicos dos anos 90 e seus impactos gerais sobre o mercado de trabalho. “Finalizando esse primeiro módulo, abordaremos especificamente o desenvolvimento econômico do Brasil”, adianta Gimenez. Serão discutidas, segundo ele, questões fundamentais relacionadas ao processo de industrialização, as transformações econômicas e sociais no período desenvolvimentista entre 1930 e 1980, procurando localizar a problemática do desenvolvimento brasileiro nesses últimos 25 anos de estagnação, onde em meio a programas de estabilização, mudanças na estrutura produtiva, privatizações e constrangimentos ao financiamento da economia e o financiamento público, o país apresenta o mais lento crescimento de sua história republicana.
“No segundo módulo, em março, teremos cinco disciplinas mais específicas, que tratam, por exemplo, do mercado de trabalho e de salários no Brasil, e de empresas e relações industriais. Outra preocupação dos professores é promover uma discussão não apenas sobre economia do trabalho, mas vinculada à questão social do país, mostrando as relações entre mercado de trabalho e política social”, informa Denis Gimenez. O professor assegura que o curso vai atender à demanda da própria Anamatra, incluindo disciplinas como de organização sindical e de relações de trabalho no Brasil, debatendo principalmente os marcos regulatórios, e chegando-se às reformas atuais nesses campos.
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