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Pesquisadores do IQ desenvolvem técnica inovadora que detecta “batismo” de perfumes
Pequenos frascos, grandes fraudes
MANUEL ALVES FILHO
No momento em que empresas e entidades representativas do setor produtivo intensificam a campanha pelo fim da pirataria e em favor da ética concorrencial, pesquisadores do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, mais especificamente do Laboratório Thomson de Espectrometria de Massas, ampliam o campo de análise para a identificação de produtos falsificados. Depois de desenvolverem metodologias capazes de detectar possíveis batismos na gasolina, bebidas alcoólicas e óleos comestíveis e azeites, agora eles estabeleceram uma técnica inovadora para verificar a originalidade de perfumes. A partir dela, os especialistas precisam de apenas um minuto para verificar com precisão se uma determinada amostra refere-se ou não a uma mercadoria pirateada.
Cada marca foi examinada cinco vezes
Segundo o cientista de alimentos Rodrigo Catharino e a química Lygia Azevedo Marques, o método utilizado para analisar os perfumes pode parecer simples, mas é conseqüência de um rigoroso trabalho científico desenvolvido no Laboratório Thomson, sob a batuta do professor Marcos Eberlin. Para identificar se um produto foi ou não adulterado, os pesquisadores tomam como referência uma amostra padrão. No caso em questão, os cientistas compraram em shoppings de Campinas e São Paulo cinco diferentes marcas de perfumes consagradas internacionalmente. Foram checados o selo da embalagem e o certificado de importação. Em seguida, porções desses produtos foram dissolvidas em uma mistura de álcool e água e posteriormente injetadas no espectrômetro de massas, equipamento que promove análises químicas. Cada marca foi examinada cinco vezes, de modo a verificar se os resultados se repetiam.
Estabelecido esse padrão, os pesquisadores reproduziram o mesmo processo com cinco marcas de perfumes análogas, mas adquiridas de camelôs e lojas de mercadorias populares da rua 25 de Março, em São Paulo, apontada como um reduto de produtos piratas. Ao confrontarem os gráficos gerados pelas análises dos dois grupos, os especialistas constataram que as amostras retiradas dos perfumes originais apresentavam características totalmente diferentes das demais. “Além disso, nós verificamos que os perfumes que não são originais trazem em sua composição traços do polímero [plástico] usado na embalagem, o que denuncia o emprego de material de baixa qualidade pelo fabricante”, afirma Lygia. Conforme Rodrigo, o próximo passo da pesquisa será investigar quais são os componentes presentes nos produtos fraudados.
O pesquisador destaca que esse tipo de análise é importante tanto do ponto de vista do combate à pirataria, quanto da preservação da saúde pública. Em relação ao primeiro aspecto, a técnica permite a certificação dos produtos, medida que vai diferenciá-los dos que foram batizados. Além de agregar valor aos perfumes originais, isso deve ajudar a inibir a venda de mercadorias adulteradas, prática que prejudica a arrecadação de impostos e a geração de empregos. Quanto ao segundo tópico, os cientistas imaginam que é possível que substâncias usadas para falsificar determinadas marcas possam causar algum tipo de reação adversa no consumidor, como alergias. “Os dois problemas são muito sérios e precisam ser devidamente enfrentados. Nós estamos colocando essa técnica à disposição dos interessados”, afirma Rodrigo.
Em relação à metodologia, o pesquisador destaca que ela difere das abordagens convencionais por aplicar a técnica da eletronspray, que tem a capacidade de identificar os compostos polares presentes na substância analisada. Esses compostos, diz Rodrigo, conferem ao produto uma característica única, como se fosse sua “impressão digital”. “Por intermédio dessa técnica, que é bastante versátil, nós conseguimos obter resultados extremamente rápidos e confiáveis”, acrescenta.
Além dos dois grupos de perfumes citados anteriormente, os especialistas do IQ também analisaram alguns produtos chamados “alternativos”, cuja venda é permitida. Estes, embora não sejam originais, também não podem ser considerados piratas. Isso porque os fabricantes assumem que suas fragrâncias são “inspiradas” em aromas consagrados em âmbito mundial. Foram tomadas para análises três marcas. Estas, de acordo com Lygia, apresentaram características que as aproximam mais dos perfumes originais do que dos pirateados. “Para esse segmento, a certificação também seria interessante, pois asseguraria a qualidade dos seus produtos”, diz a química. De acordo com Rodrigo, a pesquisa gerou um artigo que deverá ser publicado brevemente por uma importante revista científica.
Dados da Associação Brasileira da Indústria de Higiene, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec) apontam o Brasil como o sexto mercado mundial de cosméticos e produtos de higiene pessoal. Em 2004, esse segmento faturou US$ 9,8 bilhões, cifra 24,3% superior à registrada no ano anterior. Pelos cálculos do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), o país deixa de arrecadar anualmente cerca de R$ 30 bilhões por causa dos produtos falsificados. Do total das mercadorias piratas vendidas no Brasil, perto de 70% vêm do exterior, principalmente do Paraguai.
Combustível, bebida, azeite, amendoim...
Os pesquisadores do Laboratório Thomson de Espectrometria de Massas formam um time bastante afinado, sob o comando do professor Marcos Eberlin. Antes de se dedicarem à análise dos perfumes, os cientistas já haviam desenvolvido métodos específicos para identificar possíveis fraudes na gasolina e em bebidas alcoólicas e óleos comestíveis. Em relação ao combustível, vale explicar que a gasolina contém compostos polares, seus marcadores naturais que são identificados pelo espectrômetro de massas e registrados na forma de gráficos. Os solventes também possuem compostos polares que são seus marcadores naturais, mas que diferem dos da gasolina. Assim, quando há “batismo”, o gráfico denuncia a presença de ambas as substâncias na amostra.
Para analisar as bebidas alcoólicas, os pesquisadores desenvolveram marcadores específicos, capazes de identificar os elementos químicos que as compõem. Uma das vantagens do método é que ele dispensa uma preparação complexa das amostras. “No máximo, nós diluímos um pouco da bebida com água ou álcool. Há casos, como o do uísque, em que nós injetamos a amostra in natura na máquina. É como se nós embebedássemos o equipamento”, brinca Rodrigo Catharino. Em seguida, o espectrômetro de massas analisa a bebida e aponta se há alguma substância estranha na mesma, tendo como referência uma amostra padrão. O resultado sai quase instantaneamente e com 100% de precisão.
Na análise dos óleos comestíveis e azeites de oliva, os pesquisadores também tomam como referência uma amostra padrão. As demais amostras, que serão compradas com a primeira, são dissolvidas numa solução de água e álcool, que passa por um processo de agitação, centrifugação e descanso. A partir desse ponto, surge a originalidade da metodologia desenvolvida pelos especialistas da Unicamp. Ao contrário do procedimento tradicional, que tomaria para análise o material que se concentra no fundo do recipiente, eles aproveitam a mistura que fica na superfície, chamada tecnicamente de sobrenadante. “Nós usamos o que todo mundo costuma jogar fora”, explica Renato Haddad, farmacêutico bioquímico.
Por ser extremamente versátil, a espectrometria de massas não se aplica apenas à analise de produtos eventualmente fraudados. Ela também pode ser empregada para identificar a presença de possíveis substâncias tóxicas em alimentos. Nessa linha, os cientistas do IQ já utilizaram a técnica para verificar a ocorrência da aflatoxina (micotoxina produzida por fungos presentes normalmente em grãos) no amendoim. A aflatoxina pode causar intoxicação aguda, em casos excepcionais, e levar ao surgimento do câncer hepático, quando ingerida por período prolongado.
Preocupados em controlar esse tipo de contaminação, os pesquisadores conceberam uma técnica original para a identificação e quantificação da micotoxina. O método, mais rápido e preciso do que os convencionais, está sendo patenteado pela Universidade. A partir das amostras coletadas, a metodologia é capaz de confirmar a presença da substância em apenas dez segundos, de forma extremamente precisa. Pelos métodos tradicionais, o resultado não é tão rápido e são necessários testes adicionais para obter a confirmação. Por fim, a mesma metodologia, com algumas adaptações, também foi empregada pelos especialistas da Unicamp para diferenciar os cultivares da soja transgênica, normal e orgânica. Voltando à questão da adulteração de produtos, os “caçadores de fraudes” do Laboratório Thomson já estabeleceram o próximo alvo de suas pesquisas. Trata-se do mel, substância freqüentemente falsificada.
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Espectometria é tema de seminário
A Sociedade Brasileira de Espectrometria de Massas (BrMASS) promoverá de 20 a 22 de novembro o 1º Congresso Brasileiro de Espectrometria de Massas, no hotel The Royal Palm Plaza, em Campinas. O evento, voltado a estudantes, pesquisadores e representantes do setor produtivo, discutirá diversos temas relacionados a esta área da ciência. O Congresso contará com vários palestrantes internacionais, entre eles o norte-americano John Fenn, um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Química de 2002, ao lado do japonês Koichi Tanaka e do suíço Kurt Wuethrich. As inscrições podem ser feitas por meio do site da entidade, no seguinte endereço: http://www.brmass.sbq.org.br.
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