O biólogo Laerte Antonio Machado conseguiu bons resultados recorrendo ao controle biológico no combate a pragas de solo que infestam a cultura de cana-de-açúcar em São Paulo. Ele obteve um produto a partir do isolamento de um verme, que se mostrou eficaz contra o Migdolus fryanus, conhecido como broca do rizoma da cana e normalmente controlado através de inseticidas. A pesquisa, que originou tese de doutorado orientada pelo professor Mohamed Habib, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, apresenta os estudos biológicos e comportamentais de Migdolus fryanus e sua interação com nematóides entomopatogênicos, utilizados na sua mortalidade. Machado atua no Centro Experimental de Campinas do Instituto Biológico de São Paulo.
Aplicação de
nematóides
apresenta alta
eficácia contra
broca do rizoma
O cultivo da cana-de-açúcar teve expressivo crescimento nas últimas décadas no Brasil, que se tornou líder no setor com 370 milhões de toneladas por ano (27% da produção mundial). Perto de 55% desta produção são convertidas em álcool e 45% em açúcar. De cinco anos para cá, o mercado tem crescido seguidamente, exigindo planejamento estratégico e mudança de tecnologias para garantir alta produtividade, competitividade e harmonia com as questões ambientais. Cerca de 50% das terras cultivadas no estado de São Paulo são ocupadas pela cana-de-açúcar.
A broca do rizoma da cana é motivo de grande preocupação no estado. No combate a essa praga, segundo o pesquisador, os nematóides entomopatogênicos revelam-se bastante promissores e já comprovaram eficiência contra várias espécies de insetos. Além disso, não são prejudiciais ao homem ou animais de interesse zootécnico, oferecem possibilidade de produção em massa a custos viáveis e encontram, no caso da cana, ambiente favorável à sua atuação e preservação, especialmente em áreas de colheita mecanizada em que se forma uma espessa camada de palha cobrindo o solo. Esses organismos são produzidos em escala comercial em países como Estados Unidos, Canadá, Japão e Austrália, mas pouco estudados no Brasil.
Existem três produtos comerciais registrados para combater o Migdolus fryanus, mas que podem perder a eficiência ao longo do tempo e causam impacto ambiental. Os clorados, por exemplo, foram proibidos na década de 1980, um risco que preocupa os usineiros, levando-os a se interessar pelo controle biológico. A pesquisa desenvolvida de Machado foi custeada pela Fapesp, Unicamp, Instituto Biológico e por usineiros da região centro-oeste do estado, onde mais ocorre a praga – Catanduva, Promissão, Olímpia, Pontal do Paranapanema.
O biólogo concentrou-se nos nematóides entomopatogênicos pelo fato de já serem estudados e utilizados no combate a pragas de solo em países avançados, mas de custo de importação proibitivo para o produtor nacional. Inicialmente, ele levantou a ocorrência desses nematóides no estado, localizando e isolando mais de vinte espécies, embora depois trabalhasse com apenas uma. “Na verdade, é uma bactéria que o nematóide carrega no intestino que mata o inseto, quando introduzida nele. Isolamos esta bactéria e a multiplicamos no meio de cultura apropriado. Quando o meio de cultura atinge o estágio adequado introduzimos os nematóides, que se alimentam das bactérias e se reproduzem de forma mais rápida. Isso permitiu chegar à quantidade de nematóides suficiente para os testes de campo. Colocados no solo, os nematóides localizam o inseto, entram por suas aberturas naturais (boca, ânus e espiráculos) e liberam as bactérias que o levam à septicemia”, explica.
Os resultados – De acordo com Laerte Machado, os nematóides são disseminados pela área cultivada juntamente com o plantio, a exemplo do que se faz com os inseticidas, acompanhando a prática agronômica vigente. Monitorados durante os três primeiros anos, os plantios experimentais foram realizados seguindo o sistema convencional das usinas, com a área dividida em parcelas distintas: as que receberam inseticidas químicos, aquelas em que foram disseminados os nematóides e outras em que nada foi adicionado (os blocos de testemunho ou controle). Os resultados foram bastante promissores nas duas primeiras colheitas – as principais, pois a partir delas a produção cai progressivamente.
“O rendimento das parcelas tratadas com inseticida foi de 4 a 5 toneladas por hectare, superior à parcela de controle, ao passo que a produção nas áreas tratadas com os nematóides foi de 14 a 15 toneladas por hectare”. Este grande salto na produção, no entanto, não implica na imediata adoção dos nematóides pelos usineiros. “Ainda é preciso aprimorar o sistema de produção para atender à demanda brasileira. A fim de estudar meios de produção em escala, estamos desenvolvendo pesquisas que permitam montar uma biofábrica piloto. Obtido este processo, será necessária a participação do setor privado, já que nossa função é a pesquisa”.