O uso de agrotóxicos no processo de produção agrícola requer ações de controle dos seus resíduos para identificar prováveis contaminações nos alimentos e, consequentemente, prevenir a exposição dos consumidores. O Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp é um dos pioneiros no Brasil na análise de agrotóxicos em produtos agrícolas. O trabalho, de caráter estratégico na prevenção e controle dos riscos à saúde humana decorrentes do consumo de alimentos contaminados, ganhou novo impulso, na semana passada, com a inauguração das novas instalações do Laboratório de Análises de Resíduos do complexo. Com 350 metros quadrados de construção, a planta é cerca de quatro vezes maior do que o espaço anteriormente ocupado pela Divisão e permitirá até quintuplicar a média de 200 análises mensais quando estiver operando com sua capacidade plena.
Relatórios da
unidade sobre
agrotóxicos
são exigência
da Anvisa
Os serviços prestados pela Divisão de Análises de Resíduos há 20 anos atendem às exigências da Resolução 44 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aos fabricantes de agrotóxicos. O laboratório analisa as concentrações dos princípios ativos de inseticidas, acaricidas, nematicidas, fungicidas, bactericidas e herbicidas em frutas, legumes, verduras e grãos para verificar se os resíduos dos defensivos estão dentro dos limites máximos permitidos ou se até mesmo se degradaram completamente. Os relatórios técnicos que o CPQBA emite contendo os resultados das análises são parte integrante da regulamentação do registro dos novos agrotóxicos na Anvisa, no Ministério da Agricultura e no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). São exigidos também na reavaliação dos produtos já registrados ou ainda para a extensão de uso de seus componentes e afins para cultivares diferentes daqueles para os quais foram originalmente desenvolvidos.
O processo analítico envolve o plantio experimental do produto agrícola ao qual o agrotóxico se destina, a administração da substância química e a coleta de amostras segundo a boa prática agrícola. Posteriormente, são executados o processamento laboratorial e a análise das amostras em equipamentos específicos denominados cromatógrafos, capazes de revelar a presença ou não de resíduos do agrotóxico pesquisado. As etapas laboratoriais demandam em média dois meses de trabalho.
“Os dados referentes à degradação do princípio ativo no vegetal nos informam em qual intervalo de tempo após a aplicação o produtor poderá realizar a colheita com a segurança de que o agrotóxico dissipou-se ou que seus resíduos encontram-se nos níveis aceitáveis”, explica a química Nádia Regina Rodrigues, coordenadora da Divisão. Segundo ela, os limites máximos permitidos variam de acordo com a substância química utilizada e são estabelecidos após cruzamento dos resíduos observados com os dados de Ingestão Diária Aceitável (IDA), obtidos em testes toxicológicos.
Monitoramento – Mas se por um lado as simulações de campo são conduzidas com o emprego das boas práticas agrícolas e a aplicação dos agrotóxicos ocorre de maneira rigorosamente controlada, a realidade do cotidiano do produtor rural freqüentemente pode ficar muito aquém desse rigor. É comum o agricultor realizar a colheita antes do intervalo de segurança estabelecido para a degradação do agrotóxico, ou mesmo utilizá-lo de forma incorreta, seja em quantidade superior à indicada pelo fabricante ou aplicando produtos que não possuam registro para uma determinada cultura, colaborando para elevar os riscos de contaminação dos alimentos.
Portanto, para garantir a qualidade e a segurança alimentar em relação aos resíduos de agrotóxicos é necessário também o monitoramento dos produtos agrícolas que estão no mercado. Essa atividade, de acordo com Nádia, é um promissor campo de prestação de serviços para a Divisão de Análises de Resíduos após a sua ampliação. “É o monitoramento que vai revelar se estamos consumindo produtos contaminados ou não”, enfatiza a doutora.
O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) é desenvolvido há cinco anos pela Anvisa em conjunto com coordenadorias de vigilância sanitária estaduais e com apoio de cinco institutos de pesquisa. Entre julho de 2001 e dezembro de 2004, foram analisadas amostras de alimentos in natura (alface, banana, batata, cenoura, laranja, maçã, mamão, morango e tomate) coletadas em pontos de venda de grandes redes de supermercados nos estados do Acre, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e no município de São Paulo.
A medida segue exemplo de nações como os Estados Unidos, a Holanda, a Suécia e a Inglaterra, que mantêm programas de monitoramento de resíduos de agrotóxicos, com análises contínuas e programadas. Nesses países, conforme a Anvisa, é freqüente a identificação de resíduos de agrotóxicos nos alimentos e, em muitos casos, se detectam concentrações acima dos limites máximos de resíduos permitidos além dos não autorizados. O PARA, ressalta a agência, tem demonstrado que esta realidade se repete também no Brasil.
4º no ranking – Segundo informações do último relatório de atividades do programa, publicado em 2005, o país consumiu no ano anterior US$ 4,2 bilhões de agrotóxicos. Dessa forma, considerando-se o consumo em dez países que representam 70% do mercado mundial de agrotóxicos, o Brasil aparece em 4º lugar no ranking. O emprego de agrotóxicos nos estados do Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins representa atualmente 70% do total utilizado no país.
Com o novo prédio do Laboratório de Análises de Resíduos, o CPQBA começa a se capacitar para monitoramento de resíduos de agrotóxicos em alimentos e de drogas veterinárias no leite. Desse modo poderá vir a integrar a rede de laboratórios nacionais credenciados para os programas de monitoramento como o PARA e o PAMVet (Programa de Análises de Resíduos de Medicamentos Veterinários em Alimentos de Origem Animal) e de produtos agrícolas importados pelo país, conforme plano de fiscalização do Ministério da Agricultura.
Um espaço também
de ensino e pesquisa |
O Laboratório de Análises de Resíduos do CPQBA conta com salas para cromatografia gasosa, cromatografia líquida, almoxarifado com exaustão, extração de amostras com capelas, preparo de amostra, sala para procedimento especial de lavagem de vidrarias e espaço para a área administrativa. Oitenta por cento do investimento de R$ 500 mil na obra foram obtidos com a prestação de serviços para cerca de uma dezena e meia de clientes, entre empresas nacionais e multinacionais do setor agroquímico, e 20% vieram da Reitoria da Unicamp.
A infra-estrutura inaugurada no dia 11 de setembro não só possibilitará a ampliação de serviços à comunidade como também permitirá ao laboratório desenvolver com melhores condições outras atividades de relevância para o meio acadêmico: as de ensino e pesquisa, voltadas à formação de técnicos e de pós-graduandos. “Oferecemos bolsas para alunos de cursos técnicos, de cursos de graduação e de pós-graduação. Eles desenvolvem pesquisas de iniciação científica, de mestrado e doutorado, nos auxiliam nos serviços e se capacitam para o mercado de trabalho”, afirma a coordenadora Nádia Regina Rodrigues.
Três funcionários (a coordenadora, um técnico e um auxiliar) compõem a atual equipe da Divisão. Além de investimentos em novos equipamentos com tecnologia avançada, o laboratório necessita também ampliar o quadro de recursos humanos para poder atender adequadamente o aumento da demanda prevista, observa Nádia. Com pelo menos mais cinco integrantes, seria possível, no prazo de aproximadamente um ano, levando em conta o período necessário ao treinamento dos recursos humanos, executar entre 800 e 1.000 análises laboratoriais mensais, estima a responsável. O espaço de 80 metros quadrados anteriormente ocupado será utilizado agora pela Divisão de Química Orgânica e Farmacêutica do CPQBA. |