| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 370 - 3 a 9 de setembro de 2007
Leia nesta edição
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O escritor em capítulos

ÁLVARO KASSAB

Emerson Tin, autor da tese de doutorado: grande contribuição para a compreensão da personalidade e da obra de LobatoEm família

Os pais, José Bento Marcondes Lobato e Olympia Augusta Monteiro Lobato, em foto de 1882. Foto: Cedae-IEL/Coleção Monteiro Lobato Com a mãe, um; com o pai, outro. O primeiro capítulo da tese de Tin analisa o conteúdo de cartas enviadas por Lobato aos pais e à noiva. Fica patente, segundo o autor da pesquisa, a diferença no tratamento dispensado aos destinatários. “Lobato é brincalhão e espontâneo ao escrever para a mãe, narra minúcias do seu cotidiano, episódios divertidos, estende-se em detalhes e assina com o apelido familiar Juca, às vezes acrescido de jocosos sobrenomes: Juca Burro, Juca Tigre. Ao contrário, ao escrever ao pai, enche-se de cuidado e formalidade, tratando apenas de assuntos escolares ou de interesse paterno. Assina as cartas, na maior parte das vezes, com seu nome completo”.

Na segunda parte do capítulo, o autor da tese analisa as cartas enviadas pelo escritor à noiva Purezinha, com quem viria a se casar. Se de um lado Lobato se derrama em recursos românticos, de outro ridiculariza aos amigos os lugares-comuns da correspondência amorosa. A maior parte dessas cartas, cujos originais estão atualmente depositados no Fundo Monteiro Lobato do Cedae, foi publicada em 1969 no volume Cartas de Amor.

O escritor e o editor

Monteiro Lobato na assinatura de contrato com a editora Brasiliense, em 1945: conselhos aos mais jovens. Foto: Cedae-IEL/Coleção Monteiro LobatoO segundo capítulo da tese segue em três direções. Na primeira, Tin analisa o Lobato da juventude, um escritor em formação, empenhado na busca da sua expressão, mas ao mesmo tempo ocupando um papel de mestre entre os seus pares. “Papel e título que ele recusa nominalmente, mas que acaba assumindo ao opinar sobre livros e autores e ao recomendar leituras – sobretudo a de Nietzsche, que Lobato passa a sistematicamente indicar a vários de seus amigos”, revela Tin.

A figura do editor surge na segunda parte do capítulo. Segundo Tin, Lobato se divide entre ser daqueles “que decidem do destino das coisas literárias do país” e ser “uma pobre besta que trabalha, e nada mais”. Por fim, na terceira e última parte, surge o autor já consagrado, que escreve a escritores novos, aconselhando-os sobre quais caminhos que devem ser trilhados nos meios literários.

O mar do peixe Lobato

Lobato em Riverside, Nova Iorque, em foto de 1930: espantado com a pujança dos Estados Unidos. Foto: Reprodução de xMonteiro Lobato - Furacão da Botocúndiax, de Carmem Lucia de Azevedo, Marcia Camargos e Vladimir Sacchetta (Editora Senac, 1997)Nomeado adido comercial do Brasil em Nova Iorque, Lobato passa uma temporada nos Estados Unidos. Segundo Tin, Lobato fica estupefato diante da grandeza do país, em contraste com a pobreza do Brasil que acabara de deixar. Relata aos amigos, por meio de cartas, todo o seu deslumbramento. “Ele dizia que o país extrapaisou-se, ou seja, havia deixado de ser uma nação, tamanha era a sua grandeza e o seu progresso”.

Tin lembra que Lobato afirma ao amigo Godofredo Rangel em carta de 17 de agosto de 1927, “eu sou um peixe que esteve fora d’água desde 1882, quando nasci, e só agora caiu nela. Isto aqui é o mar do peixe Lobato. Tudo como quero, como sempre sonhei”.

Um episódio curioso, conhecido como o “caso miss Brasil”, marcou a estada do escritor em território americano. Tudo foi documentado em cartas indignadas do escritor aos amigos. Em 1929, a recém-escolhida miss Brasil, Olga Bergamini de Sá, viajou a Galveston, nos Estados Unidos, para participar do concurso Miss Universo. Os jornais brasileiros noticiavam almoços e chás em Nova Iorque para recepcionar a brasileira.

Tudo mentira, segundo Lobato. O escritor batia na tecla de que os convescotes eram “plantados” pelo então cônsul-geral do Brasil em Nova Iorque, Sebastião Sampaio. Creditava a ele a responsabilidade pelas histórias enviadas aos jornais brasileiros. A farsa seria desmontada pela revista Time em 10 de junho de 1929, por meio de uma nota irônica sobre as versões publicadas pelos jornais brasileiros. A notícia viria a ser reproduzida no jornal O Estado de S. Paulo, em 04 de agosto de 1929. Com o atraso de alguns meses, lembra Tin, a “mentira sistemática” seria desfeita.

O ferro e o petróleo

Charge de Belmonte publicada no jornal Folha da Manhã em 1936: de xNapoleãozinhox a São João Batista. Imagem: Reprodução de xMonteiro Lobato - Furacão da Botocúndiax, de Carmem Lucia de Azevedo, Marcia Camargos e Vladimir Sacchetta (Editora Senac, 1997)Destituído do cargo de adido cultural em razão da Revolução de 1930, Lobato volta ao Brasil e promove campanhas pelo ferro e pelo petróleo. É o que trata o quarto capítulo da tese. “Vemos surgir aqui um Lobato que se retrata ora como um ‘Napoleãozinho’ nas questões do petróleo, como um soldado ‘que nasceu para morrer na sentinela’, ora como um novo São João Batista clamando no ‘deserto de inconsciência’ em busca do ferro e do petróleo para o Brasil”, afirma Tin.

No cárcere, o ‘mártir gordo’

Vargas e Lobato num desenho de Hamilton de Souza para cardápio de jantar oferecido ao escritor por Lenyra Fraccaroli, diretora da Biblioteca Infantil de São Paulo. Reprodução de xMonteiro Lobato - Furacão da Botocúndiax, de Carmem Lucia de Azevedo, Marcia Camargos e Vladimir Sacchetta (Editora Senac, 1997)As cartas escritas por Lobato na condição de encarcerado são o tema do quinto capítulo da pesquisa de Tin. O autor pondera que as condições peculiares do encarcerado dão forma diversa às cartas escritas por Lobato, constituindo-se num verdadeiro subgênero epistolar. Tin menciona, nesse contexto, grandes exemplos de cartas escritas da prisão, como as de Gramsci ou, no caso do Brasil, as de Frei Betto ou de Joel Rufino dos Santos a seu filho.

Segundo Tin, a partir das cartas escritas da prisão é possível perceber como Lobato escolhe cada um dos assuntos a serem tratados, e a maneira de abordá-los, de acordo com o destinatário a quem se dirige. “Lobato apresenta-se aqui ironicamente como aquele que tentaria ser o mártir do petróleo, mas no que seria impedido pelas excelentes condições do que chama de o ‘hotel da Avenida Tiradentes’ – na verdade, a Casa de Detenção, onde estava preso –, pois não há ‘mártir gordo’ ”.

No reino das crianças

Monteiro Lobato entre duas crianças argentinas, em foto tirada em Buenos Aires entre 1946 e 1947: assumindo o papel de personagem. Foto: Cedae-IEL/Coleção Monteiro LobatoO último capítulo da tese disseca o Lobato que tem crianças como destinatárias. Segundo o autor do estudo, Lobato ora apela para o nonsense e o absurdo, ora assume a persona de um de seus personagens. “Ele chega a responder uma carta de um leitor assinando-a como sendo o Visconde de Sabugosa”. Em vários pontos, o pesquisador ressalta a semelhança das cartas com os seus livros infantis.

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