De repente, surge o diagnóstico de um filho com asma ou alguma outra doença crônica, como fibrose cística. A rotina do lar, dificilmente, não sofre uma drástica mudança. Como, então, são encarados os relacionamentos e o cuidado com o paciente? Como a criança encara a realidade de ser portadora de uma doença que provavelmente carregará para o resto de sua vida? Estas são algumas das questões abordadas no trabalho de campo feito pelo sociólogo Marcelo Eduardo P. Castellanos.
“Crianças afetadas por doenças crônicas ocasionam uma transformação no cotidiano familiar. Os médicos possuem uma perspectiva da questão clínica. A Sociologia da Saúde, no entanto, procura analisar os pensamentos, sentimentos e ações que envolvem a situação”, argumenta o sociólogo que defendeu tese de doutorado na Faculdade de Ciências Médicas (FCM).
Castellanos foi orientado pelo professor Everardo Duarte Nunes e tomou como base do estudo dez casos de crianças com asma e outras dez com fibrose cística, na faixa etária entre 5 e 12 anos, que recebem atendimento no Ambulatório de Pediatria do Hospital das Clínicas da Unicamp. Entrevistou não só os pacientes, como os pais e, em alguns casos, os irmãos e professores dessas crianças, em busca de diferentes percepções a respeito da doença nas suas vidas. A maior parte das entrevistas foi realizada na própria casa dos pacientes para que a narrativa dos entrevistados não fosse constrangida pelo ambiente hospitalar e também para propiciar um maior contato com a realidade familiar.
Em suas análises, Castellanos percebeu que as crianças geralmente não se sentem doentes. “Elas se dão conta do problema durante as crises e no acompanhamento assistencial, que deve ser constante. Ressentem-se por ter que faltar às aulas e dos limites impostos pela enfermidade. Mas, não vêem a doença como um peso, algo negativo”, observa.
Para os pais, no entanto, a percepção é diferente. A doença, segundo o sociólogo, ganha um peso bem maior. Muitos tentam explicações que não se apóiam apenas na perspectiva biomédica. “Os pais compreendem os fatores científicos, mas procuram em suas trajetórias de vida a explicação para o problema. Alguns até recorrem à origem espiritual do problema. Entendem que é uma missão que precisam cumprir”, esclarece.
A fase anterior ao diagnóstico, especialmente nos casos de fibrose cística, pode representar um verdadeiro calvário, segundo o sociólogo. Chegar ao diagnóstico é uma tarefa difícil e exige uma elevada quantidade de exames clínicos. Muitas vezes, os profissionais de saúde não estão devidamente preparados para detectar o problema de forma precoce.
“Diante das várias interpretações e cobranças feitas pelos profissionais de saúde, familiares e amigos, os pais ficam tão fragilizados que, por vezes, chegam a receber o diagnóstico como um alívio, mesmo sabendo que se trata de doença incurável e que pode levar à morte”, conta Castellanos.
Uma surpresa para o sociólogo foi perceber a capacidade das famílias em reconstruir e reorganizar os projetos de vida em razão da doença. “É como se reelaborassem o projeto de felicidade, vencendo os desafios”, observa. Em nenhum caso ficou constatada falta de cuidado ou abandono. Porém, as análises evidenciaram diferentes maneiras de vivenciar o problema.