De acordo com ele, as transformações técnico-produtivas ocorridas na agricultura do Estado provocaram um enorme impacto sobre o emprego no setor. “Vale ressaltar que esse fenômeno não se esgotou. Ao contrário, ele está em curso e ainda deve trazer novas conseqüências”, adverte o economista.
Embora o recorte temporal adotado pela pesquisa seja de 30 anos, Marangoni concentrou sua investigação mais detidamente no período de 1990 a 2004. É nele, afirma o economista, que ocorreram as mudanças mais profundas na ocupação agrícola paulista, principalmente em razão da modernização dos métodos de produção. O pesquisador explica que o nível de emprego direto gerado pela agricultura depende fundamentalmente de quatro fatores: área cultivada, composição das culturas, desempenho da safra e estágio tecnológico dos empreendimentos. “No caso específico de São Paulo, dado o esgotamento precoce de sua fronteira agrícola, a ocupação no campo tem sido influenciada principalmente pelas mudanças da base técnica dos processos produtivos adotados pelos estabelecimentos”, afirma.
Um dos setores que mais experimentou transformações nesse aspecto foi o sucroalcooleiro. Nos últimos quinze anos, o nível de mecanização, sobretudo na etapa de colheita da cana-de-açúcar, aumentou muito. Só para se ter idéia, uma colhedora realiza a tarefa de 100 trabalhadores. “Vale ressaltar que, atualmente, a cana ocupa metade da área cultivada do Estado. Ou seja, qualquer mudança no processo produtivo desse segmento tende a produzir impactos importantes nos indicadores da agricultura como um todo”, analisa o autor da pesquisa.
Um dado relevante levantado por Marangoni é que a modernização é um processo ainda em curso. O economista lembra que, embora tenha evoluído, o índice de mecanização no campo, de maneira geral, segue baixo. “Ainda há muito espaço para a introdução de máquinas em substituição aos trabalhadores”, constata.
O desemprego registrado na agricultura paulista, aponta o estudo, trouxe consigo outras conseqüências igualmente sérias. Com a eliminação de 700 mil postos de trabalho ao longo dos últimos 30 anos, o que equivale a 40% da ocupação agrícola nesse período, alguns problemas de ordem social se agravaram. Marangoni lembra que muitas famílias passaram por um profundo processo de empobrecimento, visto que seus chefes não conseguiram nova inserção no mercado de trabalho. Primeiro, porque não possuíam qualificação para tentar uma mudança de atividade. Segundo, porque o mercado de trabalho urbano não conseguiu absorver esse excedente. “Isso sem falar que o próprio meio rural começou a optar por uma mão-de-obra mais qualificada, visto que passou a necessitar de pessoas capacitadas para operar máquinas e equipamentos mais sofisticados”.
Essa nova realidade, conforme Marangoni, criou situações paradoxais nas relações de trabalho no campo. O dado positivo é que parte dos trabalhadores remanescentes passou a ter vínculos mais estáveis e melhores salários. Outra parcela, porém, continua sendo explorada e enfrentando situações de trabalho ainda mais precárias. Um exemplo dessa última situação vem do noticiário veiculado pela mídia, que vez ou outra registra a existência de trabalho semi-escravo em algumas regiões de São Paulo. “Além disso, os trabalhadores que conseguem manter o emprego no corte manual da cana têm sido forçados, por exemplo, a alcançar metas de produtividade cada vez maiores. Isso tem levado ao cumprimento de jornadas de trabalho cada vez mais extensas e extenuantes, o que pode ter contribuído para a morte de vários trabalhadores agrícolas no período recente”.
De acordo com o economista, a pesquisa identificou, ainda, outras transformações relativas à ocupação agrícola. “Foi possível observar, por exemplo, que existe uma tendência de declínio da mão-de-obra residente nas propriedades. Atualmente, cerca de 60% dos ocupados na agricultura paulista moram fora dos seus locais de trabalho”, revela.
Ademais, continua Marangoni, os assalariados temporários, que nos anos 80 representavam aproximadamente 22% do total da população ocupada, passaram a responder por 19% desse mesmo segmento em 2004. Por fim, o estudo apurou que, embora todas as regiões do Estado tenham registrado redução do nível de emprego no campo, algumas foram mais afetadas do que outras. “Nas localidades onde predomina a pecuária e a monocultura, o desemprego foi mais acentuado do que nas regiões onde as culturas são diversificadas”, compara o economista, que foi orientado pela professora Ângela Kageyama.
Políticas públicas Mas se o fenômeno que levou à eliminação de 700 mil postos de trabalho na agricultura paulista nos últimos 30 anos ainda está em curso, como fazer para pelo menos minimizar os seus efeitos futuros? Na opinião de Marangoni, a resposta está na adoção de um conjunto de políticas públicas que amplie e valorize o trabalho no campo. Uma alternativa, segundo o pesquisador, é o incentivo à geração de novos negócios de base familiar. “Nesse caso, é fundamental tanto a oferta de financiamento a juros decentes quanto de assistência técnica de qualidade”, destaca.
Não se pode pensar em ações desse tipo, acrescenta o economista, sem se considerar a adoção de um amplo e consistente programa de reforma agrária. “Além disso, também é recomendável a definição de medidas para o incentivo de atividades não-agrícolas, como o turismo rural. Somente com a conjugação dessas e de outras iniciativas, nas variadas instâncias de governo, é que será possível enfrentar com determinação o problema do desemprego na área rural”, afirma Marangoni, que atualmente é professor da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp, em Marília.
Recursos humanos são tema de encontro
A questão do emprego e das relações de trabalho no setor sucroalcooleiro, um dos mais importantes do agronegócio paulista, parece já fazer parte das preocupações das autoridades do Estado. No último dia 4 de setembro, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo promoveu em sua sede um encontro para discutir a formação de recursos humanos na cadeia produtiva da cana-de-açúcar e biodiesel. Na oportunidade, estariam reunidos representantes dos cortadores de cana, dos trabalhadores em usinas, dos empregadores, das áreas governamentais e das universidades e instituições de pesquisa. O encontro faria parte das discussões dos grupos participantes da Comissão Especial de Bioenergia do Governo do Estado de São Paulo.
Na abertura do evento, o secretário de Agricultura, João Sampaio, falaria do papel da pasta na capacitação da mão-de-obra e no incentivo às políticas agrícolas alternativas para pequenos produtores. A primeira parte do debate discutiria a formação de recursos humanos na cadeia produtiva da cana, com a participação de especialistas da Secretaria de Emprego e Relações do Trabalho, Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e do pesquisador Carlos Eduardo Fredo, do Instituto de Economia Agrícola (IEA), órgão da própria Secretaria.
A segunda parte seria dedicada aos debates sobre relações de trabalho, com a participação do presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann, professor licenciado da Unicamp, e de emissários de entidades representativas dos empregadores e trabalhadores. “O objetivo desse primeiro encontro é discutir com a cadeia produtiva alternativas para a capacitação dos trabalhadores, tendo em vista o processo de mecanização da colheita da cana, assim como a profissionalização do setor sucroalcooleiro como um todo”, afirmou o secretário João Sampaio, um dia antes do encontro.