De lá para cá, o projeto desdobrou-se, colheu bons resultados e fez importantes constatações. “Ao longo do trabalho, nós pudemos identificar que a deficiência na formação desses educadores é apenas um ponto da chamada crise da educação. O outro lado dessa moeda é a inexistência de programas que permitam o engajamento desses profissionais em atividades que aprimorem seu conhecimento, como a pesquisa”, afirma o professor Pedro Wagner Gonçalves, um dos coordenadores dos projetos.
Participam atualmente da experiência cerca de 80 professores do ensino básico. Ao longo dos anos, foram envolvidos professores de Campinas, Jaguariúna, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto e Machado, esta última localizada em Minas Gerais. De acordo com o docente do IG, a adesão é voluntária e aberta a profissionais de todas as disciplinas. “Esse critério é importante, pois nos permite trabalhar os assuntos relativos às Geociências de forma interdisciplinar”, explica Gonçalves.
A estrutura do projeto, prossegue o docente do IG, é horizontal, pois considera que os professores-alunos são os que melhor conhecem a própria prática. Freqüentemente, os temas dos estudos são definidos por eles. A maioria tem relação com a realidade da cidade onde vivem ou com dúvidas surgidas em sala de aula. A partir de algumas questões preliminares, os educadores da rede estadual partem então para a pesquisa propriamente dita, que envolve desde levantamento histórico e bibliográfico até trabalho de campo.
Um exemplo desse tipo de atividade, segundo Gonçalves, vem do grupo formado em Ribeirão Preto. Lá, os professores-alunos decidiram investigar os motivos da ocorrência de sucessivas enchentes em variados pontos da cidade. Para isso, fizeram um levantamento sobre a série histórica de chuvas e a relacionaram aos episódios de inundações. Depois, fizeram visitas aos locais afetados, entrevistaram moradores e comerciantes e analisaram o modelo de ocupação urbana. “Ao final do estudo, eles perceberam que a questão das enchentes é muito complexa e vai além, por exemplo, do problema do lixo que é jogado na rua e entope as bocas-de-lobo. Além disso, também aprenderam sobre como a água circula no planeta e como é o comportamento de um rio, desde a nascente até a foz”, relata o docente do IG.
Como conseqüência desse aprendizado, os professores da rede estadual de Ribeirão Preto decidiram formular, junto com seus alunos, uma explicação para as inundações que ocorrem no centro da cidade. Compreenderam, então, porque as soluções aplicadas no decorrer do tempo mostraram-se ineficazes. Em Campinas, um grupo também produziu um estudo relacionado com a questão ambiental na região do Distrito Industrial.
Na opinião de Gonçalves, esse tipo de aprofundamento tende a contribuir para a melhoria do ensino e da aprendizagem nas escolas públicas. Ao participarem dessa experiência, analisa o docente do IG, os educadores adquirem um olhar mais crítico em relação ao mundo e à própria função. Dessa forma, conseguem estabelecer um contraponto à realidade encontrada na escola pública, onde o ensino é quase sempre superficial e fragmentado. No caso específico das disciplinas que tratam dos temas relativos às Geociências, explica Gonçalves, os conteúdos normalmente são abordados de forma precária.
As aulas, diz, são freqüentemente pautadas por informações divulgadas pela mídia. “O professor usa notícias para cativar o aluno, mas na aula seguinte muda de assunto e não aprofunda nexos ou idéias que permitiriam melhorar o conhecimento do mundo”, destaca o docente do IG. Tal superficialidade se deve, em boa parte, à inexistência de disciplinas ligadas às Geociências nas grades curriculares dos ensinos fundamental e médio, ao contrário do que ocorre em países como Estados Unidos, Portugal, Espanha etc.
“No Brasil, a partir dos anos 60 e 70 houve uma redução gradual desse conteúdo na formação dos professores. Não é de admirar que o ensino nessa área seja tão ruim”, analisa Gonçalves. A esse problema, some-se também a falta de programas para a capacitação dos educadores, como dito anteriormente. “Sem incentivo ao estudo e à pesquisa e diante da inexistência de um plano de carreira que valorize essa qualificação, fica difícil alcançar a qualidade”, pondera.
Uma metodologia para
a formação continuada
Outro resultado proporcionado pelos projetos de educação continuada diz respeito à busca de novos desafios por parte dos professores-alunos. Alguns deles sentiram-se motivados a ingressar na pós-graduação. Uma professora da rede estadual desenvolveu sua dissertação de mestrado sobre conflitos e intolerância religiosa. Como conta o professor Oscar Braz Mendonza Negrão, outro participante dos trabalhos, o tema nasceu de situação prática vivenciada na sala de aula. “Embora fosse bastante experiente, essa educadora não havia notado a existência de conflito religioso entre seus alunos”, relata o docente do IG.
Ela só teve essa percepção depois que começou a participar do projeto, visto que desenvolveu um olhar mais atento e crítico sobre os diversos aspectos que envolvem a educação. “Assim que identificou o problema, ela decidiu investigá-lo no seu trabalho de pós-graduação, com o objetivo de propor soluções. Esse caso ilustra bem o que acontece hoje em dia em sala de aula. A atividade do professor tornou-se muito rotineira, o que faz com que ele dê pouca atenção ao que ocorre ao seu redor. Um dos nossos objetivos é ajudar a transformar essa realidade. Penso que a maior contribuição desse projeto é o desenvolvimento de uma metodologia de pesquisa sobre formação continuada desses professores”, analisa Gonçalves.
Os participantes dos projetos recebem uma bolsa de aperfeiçoamento pedagógico fornecida pelo Programa de Ensino Público da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), cujo valor atual é de cerca de R$ 360,00 mensais, referente a 20 horas de atividades por semana. Eles são obrigados a apresentar relatórios sobre suas tarefas, que são analisados tanto pelos coordenadores quanto pela Fapesp. Também colaboram com os projetos a Petrobras, Universidade de São Paulo (USP), Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Ao longo dos anos, outras agências apoiaram essa experiência, como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Atualmente, os projetos contam com o suporte de seis docentes e oito pós-graduandos do IG da Unicamp.