O jovem pesquisador, de 27 anos, conta essa história quando prepara as malas para o pós-doutorado no Instituto Max Planck de Pesquisa de Carvão, centro de excelência em catálise sediado em Mülheim, na Alemanha. Foi lá, justamente, onde Franz Fischer e Hans Tropsch inventaram o processo que leva seus nomes.
Roberto Rinaldi viaja em novembro para trabalhar em catálise aplicada a celulose. Por três anos, estará integrado a um grupo que estuda um processo catalítico inédito em instituições de pesquisa brasileiras. O objetivo uma obsessão da atualidade é a obtenção de produtos químicos a partir de fontes agrícolas renováveis.
“A celulose ainda é um grande desafio para os químicos. Viabilizar produtos de alto valor agregado a partir desta matéria-prima, e não do petróleo, seria algo como transformar ferro em ouro”, compara o pesquisador.
Além de estar em um ninho de cérebros que tradicionalmente gera importantes descobertas, Rinaldi atenta para a chance de aprender sobre uma tecnologia desconhecida no Brasil, mas de particular interesse para um país onde sobra biomassa. “Como o petróleo ameaça escassear, a indústria química do século 21 passa obrigatoriamente pela agricultura”.
Essência da indústria A catálise é absolutamente essencial para a indústria moderna. A tecnologia acelera a velocidade de reações químicas recorrendo a substâncias chamadas de catalisadores, que não se transformam ao final da reação. Esta velocidade de reação é que assegura a fabricação em escala e a competitividade de produtos como a margarina.
O catalisador também aumenta a seletividade. Quando se faz a reação química de A+B em busca do C, há o risco de o resultado ser D ou F. A utilização de um catalisador garante a reação apenas para o produto C. “O catalisador ideal seria aquele que permanecesse ativo por longo tempo, com rendimento de 100% e que não fosse poluente”, sonha Rinaldi.
Embora distantes deste ideal, metais de transição como a platina e o paládio transformam óxidos nítricos em nitrogênio, nos catalisadores de escapamentos de veículos. Na indústria de alimentos, o níquel de Raney transforma óleos vegetais em gorduras (hidrogenação), garantindo o ponto de fusão para mantê-los sólidos em temperatura ambiente.
As enzimas também são catalisadores complexos e altamente eficientes e seletivos, apesar das aplicações restritas, como em certos fármacos e compostos de química fina. “Elas ainda atuam na fermentação, caso das leveduras para a produção de álcool a partir da cana-de-açúcar”.
O pesquisador estima que 95% dos produtos da indústria química sejam obtidos através de processos catalíticos. “Na área de petroquímica, todo o craqueamento de petróleo que resulta nos insumos básicos desta indústria é feito com catalisadores ácidos como zeólitas”, acrescenta.
Segundo Roberto Rinaldi, desde a década de 1970, as indústrias dobraram sua produção gastando a mesma quantidade de energia. Isto foi possível graças à adoção de técnicas avançadas, que incluem catalisadores extremamente ativos. “Se analisarmos um saquinho de supermercado, a quantidade de catalisador será tão ínfima que não conseguiremos encontrá-lo”.
Tese premiada A questão é que, apesar dos níveis ínfimos, catalisadores como os metais de transição os mais utilizados pela indústria devido à sua reatividade especial apresentam alta toxidade. “O catalisador geralmente desativa-se com o tempo, sendo preciso reativá-lo ou descartá-lo no meio ambiente. Por isso, há uma busca por processos que dispensem os metais de transição ou utilizem metais menos tóxicos”, diz o pesquisador.
Esta preocupação ambiental norteou a tese de doutorado de Rinaldi, que mereceu da Sociedade Brasileira de Catálise um prêmio patrocinado pela Degussa, indústria química alemã líder mundial no desenvolvimento de catalisadores e especialidades químicas. A pesquisa orientada pelo professor Ulf Schuchardt, do IQ, visou um processo com catalisador e oxidante não-tóxicos, viável economicamente.
“O trabalho está na área de epoxidação catalítica, que é uma espécie de ‘reação pivô’ que propicia vários compostos na indústria química. Um dos produtos mais comuns são as resinas epóxi que compõem os pisos deste laboratório e das indústrias”, ilustra o pesquisador.
Um dos objetivos do estudo foi mostrar que, em reações catalíticas, é possível utilizar oxidantes muito mais amigáveis ao meio ambiente, no caso, o peróxido de hidrogênio, que nada mais é do que a água oxigenada. “A grande vantagem é que o subproduto do peróxido de hidrogênio é a água”.
A alumina Como catalisador, Rinaldi escolheu o óxido de alumínio, ou alumina, principal componente da bauxita. “Embora sua composição seja simples alumínio, oxigênio e, por vezes, hidrogênio ela permite obter, naturalmente, materiais com a dureza do talco até à do coríndon (que se assemelha ao diamante). Fornos de cerâmica para altas temperaturas são feitos de cimentos que também contêm grande teor de alumina”.
Rinaldi demonstrou na pesquisa que é possível mudar as propriedades da alumina por meio de métodos sintéticos, correlacionando essas propriedades com a atividade catalítica na epoxidação. “Promovemos apenas reações modelos, mas sabemos que o método pode ser estendido para outras substâncias de interesse farmacêutico e industrial”.
O Brasil possui uma das duas maiores reservas de bauxita do mundo, ao lado da Austrália, sendo, portanto, grande fornecedor de alumina. Isto confere um viés econômico importante ao estudo premiado. Atualmente, apenas 10% da produção mundial de alumina é destinada para fins tecnológicos os 90% restantes são transformados em alumínio metálico.
O detalhe realçado por Roberto Rinaldi é que a aplicação tecnológica da alumina está concentrada nos países industrializados, enquanto o Brasil se contenta com a condição de fornecedor da matéria-prima. “O preço de cada tonelada de bauxita equivale ao preço de um quilo de alumina catalítica. O valor agregado nesta transformação é uma riqueza que o país está deixando de produzir”.
Da desilusão ao futuro promissor
Com apenas 9 anos de idade, Roberto Rinaldi Sobrinho valeu-se do privilégio de ter um pai mecânico, que o incentivava a montar circuitos elétricos, para fazer um experimento descrito no livro da 3ª série. Na prateleira da oficina, apanhou as peças do circuito, um punhado de ácido sulfúrico e empenhou-se em provar que era mentira aquela história de que uma solução de ácido ou de sal podia conduzir eletricidade.
“Quando vi que a coisa funcionava, minha desilusão foi grande”, lembra Rinaldi. Assim, acidentalmente e meio que para tentar ir à forra, ele mergulhou por conta própria nos livros de química, área de conhecimento tão distante do pai que queria vê-lo engenheiro eletricista.
Aos 15, Roberto Rinaldi entrou na Etecap, um dos melhores colégios técnicos públicos do país, especialmente na área de química. Aos 19, entrou no Instituto de Química da Unicamp, também um dos melhores do país. Aos 22, foi premiado pelo Conselho Regional de Química por seu desempenho na graduação.
Dispensado do mestrado, Rinaldi partiu diretamente para o doutorado, que concluiu aos 26, com a tese que lhe valeu o prêmio da Sociedade Brasileira de Catálise. O prêmio mais recente foi sua aceitação, por conta da produção na Unicamp, no grupo do professor Ferdi Schüth, que coordena os estudos com catálise heterogênea no Instituto Max Planck.
A propósito do famoso instituto alemão, Roberto Rinaldi lembra uma descoberta casual nos idos de 1950, que remete ao experimento na oficina do pai. “No laboratório em Mülheim havia um reator sujo. Ao promover uma reação com etileno, um aluno notou que no fundo do reator apareceu um material inesperado”.
O professor Karl Ziegler identificou de imediato o plástico de alta densidade e mandou que seu grupo estudasse cada família da tabela periódica dos metais de transição, a fim de descobrir o que havia provocado a reação. “Tinha sido titânio o catalisador presente no reator sujo”.
Rinaldi informa que, até então, a produção de polietileno e de polipropileno era economicamente proibitiva, pois exigia pressões e temperaturas extremas. “Os saquinhos de supermercado espelham bem o significado daquela descoberta, que rendeu o Nobel de 1963 a Ziegler e alguns bilhões de dólares ao Instituto Max Planck”.