| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 372 - 17 a 23 de setembro de 2007
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Unicamp vai sediar reunião anual da entidade,
que promoveu seu primeiro encontro em Campinas

SBPC volta ao berço onde nasceu

CLAYTON LEVY

Marco Antonio Raupp, presidente da SBPC: “O pesquisador perde tempo cuidando dos procedimentos impostos pela contabilidade pública” (Fotos: Antônio Scarpinetti)A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) quer comemorar o seu 60º aniversário em Campinas, cidade onde a entidade promoveu seu primeiro encontro, em 1948, ano de sua fundação. Para isso, escolheu a Unicamp para sediar a sua próxima reunião anual, marcada para julho de 2008. “A escolha tem razões históricas”, disse o presidente Marco Antonio Raupp, que na última quinta-feira foi recebido pelo reitor José Tadeu Jorge. O encontro, do qual também participou o secretário estadual de Ensino Superior, Carlos Vogt, teve como objetivo apresentar o campus a Raupp e dar início ao planejamento do evento. Considerada um dos mais amplos e diversificados fóruns de debates do país, a reunião anual tem atraído cerca de quatro mil participantes por ano.

Reunião atrai cerca de 4 mil participantes

Matemático, especialista em análise numérica, professor livre-docente da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Núcleo do Parque Tecnológico de São José dos Campos, Raupp traz na ponta da língua suas principais metas como recém-empossado presidente da SBPC: apresentar propostas para reduzir a burocracia do sistema de pesquisa; reduzir o desnível dos investimentos nas diversas regiões; e aproximar o sistema de pesquisa do sistema produtivo. Na entrevista que segue, ele aponta os caminhos para o país superar distorções e consolidar uma política voltada para CT&I.

Jornal da Unicamp – A assumir a presidência da SBPC, o senhor fez críticas à burocracia dos sistema de financiamento às instituições. Como a SBPC pretende contribuir para reduzir esse obstáculo?
Raupp – Temos de reunir informações sobre a utilização de recursos governamentais para o financiamento da pesquisa e mostrar os absurdos que acontecem em sua utilização. Parece que a coisa em vez de se flexibilizar fica cada vez mais rígida. Em nome da eficácia, todos têm interesse em que haja maior flexibilidade. Não se trata de deixar de prestar contas. Mas é preciso haver um regime diferenciado. Nos Estados Unidos, por exemplo, é totalmente flexível. Lá se dá mais ênfase à análise de méritos e não só de procedimentos. Aqui a fiscalização ocorre nos procedimentos. Às vezes, isso faz com que se perca a questão do mérito, o que não poderia acontecer. Isso entrava a capacidade do sistema de produzir conhecimento porque muitas vezes o pesquisador gasta mais da metade do tempo cuidando dos procedimentos impostos pela contabilidade pública. E o pesquisador não é um especialista nisso.

JU – Outro aspecto apontado pelo senhor é diferença dos investimentos entre as diversas regiões do país. Na sua opinião, qual a saída?
Raupp – Acho que temos de aperfeiçoar o sistema. É preciso despertar vocações de uma forma mais massiva e não concentrar apenas onde já existe a tradição de fazer pesquisa. Veja, por exemplo, o caso das Olimpíadas de Matemática. É notável o número de talentos descobertos em regiões marginais quando se trata de ciência. Isso mostra que temos de disseminar as oportunidades. Essa ação traria um retorno muito maior para o sistema de pesquisa. Por outro lado, trata-se de uma questão estratégica para o desenvolvimento do país. O Brasil não conseguirá consolidar um desenvolvimento sustentável se não equacionar, por exemplo, a questão da ocupação da Amazônia. Da maneira como aquela região está sendo ocupada está-se destruindo um patrimônio da biodiversidade. É preciso apresentar idéias racionais sobre como intervir nesse sistema. Com isso, não estou querendo dizer que a Amazônia deve ser transformada num santuário intocável. Há uma demanda social para o desenvolvimento daqueles recursos e a ciência pode oferecer uma grande contribuição nesse sentido. Ganha-se mais vendendo toneladas de madeira ou extraindo produtos biotecnológicos? Do ponto de vista do mercado, algumas miligramas de determinadas substâncias valem mais que toneladas de madeira. Nesse aspecto, a ciência tem como contribuir. Entretanto, não será possível fazer desenvolvimento científico para a Amazônia à distância. Claro que é preciso contar com o apoio das regiões mais desenvolvidas, mas terá de haver cientistas trabalhando no local. A ciência depende de dados, e os dados são coletados no local.

JU – O senhor também afirmou que é preciso incrementar a cooperação entre centros de pesquisa e indústria. Qual o caminho?
Raupp – Temos de estimular os mecanismos existentes. No fundo, o que estamos precisando é ter mais pesquisadores trabalhando nas indústrias. Esse é o caminho. Enquanto isso não acontecer, a aproximação entre universidade e indústria continuará difícil. Temos de criar mecanismos, como por exemplo os parques tecnológicos, os sistemas de incubação de empresas de base tecnológica e os escritórios para transferência de tecnologia. O processo fica mais fácil quando se tem a atividade de pesquisa dentro da empresa. Até o diálogo com a universidade fica facilitado porque se trata de cientista conversando com cientista. O que temos hoje em nossos sistema de C&T é uma idiossincrasia. A proporção de cientistas atuando na indústria vai na contramão do que ocorre em países desenvolvidos. Há uma distorção, os dois sistemas – indústria e pesquisa – andam separados. Para suplantar esse quadro, temos de incrementar os mecanismos capazes de levar a pesquisa para dentro das empresas. E isso só se faz através de políticas públicas.

JU – E como o senhor analisa o desempenho do atual governo no que diz respeito às políticas para C&T?
Raupp – O governo anterior ofereceu uma contribuição muito importante ao criar os fundos setoriais. Mas esse sistema acabou não sendo utilizado totalmente. Por razões de política macro-econômica houve muito contingenciamento dos recursos. O atual governo, no início, adotou a mesma postura, mas gradativamente está retomando os investimentos, utilizando os recursos acumulados pelos fundos setoriais. Mesmo assim, ainda há um estoque de recursos retidos no passado, que, ao que tudo indica, vão continuar retidos. Apesar disso, acredito que o governo vem tentando maximizar a utilização desses recursos através de um programa de aumento gradativo para a sua utilização. Fala-se no PAC (Plano de Aceleração do Crescimento). Uma das melhores maneiras para acelerar o crescimento é utilizar aquele estoque de recursos investindo em C&T. Minha avaliação, portanto, é que o desempenho está melhorando, mas está melhorando aos poucos.

JU – De que maneira a SBPC pretende contribuir para a consolidação de um plano de Estado voltado para C&T?
Raupp – A SBPC procura convencer a sociedade de que ciência, tecnologia e inovação são mecanismos importantes para o desenvolvimento social, econômico e cultural do país. Nossa atuação é sempre no sentido de conscientizar e mobilizar. Nós não somos executivos, portanto não cabe a nós fazer plano de governo. Mas nós atuamos no sentido de chamar a atenção para os gargalos existentes e apontar soluções. Nosso grande aporte é a visão do cientista, que é uma visão racionalista, o que é uma contribuição importante no atual estágio de desenvolvimento do país. Fazer com que essa visão permeie a sociedade, analisar com objetividade as diversas questões e experimentar soluções novas. A cultura do cientista é essa e acredito que seja uma grande contribuição que a SBPC pode oferecer, mesmo sem entrar em formulações específicas.

JU – E quanto à integração com a América Latina, quais as ações previstas?
Raupp – A questão da colaboração internacional, em particular na América Latina, é um dos focos de atuação da SBPC. Temos parcerias com o Ministério da Ciência e Tecnologia para a promoção de cooperação internacional no âmbito do Mercosul. Estamos chamando a atenção para a questão amazônica. A Amazônia não pode ser discutida apenas entre nós. As águas da bacia amazônica também vêm de outros países. O entendimento sobre como a ciência pode colaborar na questão amazônica tem de levar em conta o pacto entre os países amazônicos. Nós defendemos o desenvolvimento de programas de cooperação científica no pacto amazônico assim como há no Mercosul. Se houver bons programas nessa área, estaremos cooperando com toda a América Latina. Isso não significa que não devemos olhar para a cooperação internacional fora da América Latina. O Brasil desenvolve projetos de cooperação com Europa, Estados Unidos e Ásia. Com a China, por exemplo, há um programa de satélites importantíssimo.

JU – Ao realizar a sua 60ª Reunião Anual em Campinas, a SBPC de certa forma volta à cidade onde nasceu. Isso tem algum significado especial?
Raupp – Sim. Estamos escolhendo Campinas por uma razão histórica. A SBPC foi criada em Campinas e queremos comemorar os 60 anos da instituição na cidade onde tudo começou. Além disso, a região de Campinas é muito vigorosa em termos de desenvolvimento científico, industrial e do agronegócio. Nesse momento, esse contexto é importante porque há temas a serem percorridos pelo país, como por exemplo os biocombustíveis e a energia renovável de um modo geral. A ciência certamente poderá contribuir de forma mais ampla para debater determinados aspectos. O aumento na produção de etanol , por exemplo, poderá interferir na questão da segurança alimentar? É uma das muitas questões a serem discutidas. O tema da próxima reunião anual da SBPC deverá girar em torno de energia e meio ambiente, sempre olhando o contraditório. Precisamos responder às diversas questões sob o ponto de vista científico.

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