BIOGRAFIA DISCRETA
Nascido
na então capital do Brasil, em 18 de junho de 1932 (filho de Elisiário
Pimenta da Cunha 1890-1961 e Maria Natália Eulalio de Sousa da Cunha
1891-1974), o carioca Alexandre Magitot Pimenta da Cunha ao atingir a maioridade
"naturalizou-se" cidadão diamantinense e trocou o inadequado
prenome Magitot pelo familiar Eulalio, lembrança do clã materno
e mais condizente com o seu obsessivo culto à ancestralidade mineira.
Apesar das férias escolares regularmente
transcorridas na terra de adoção, até 1965 sempre viveu
no Rio de Janeiro, onde seguiu todos estudos: Scuola Principe di Piemonte (1937-1941);
Colégio São Bento (1942-1948); Colégio Andrews (1949-1951)
e por último Faculdade Nacional de Filosofia (1952-1955), quando, "após
uma crise típica (típica na sua demagogia) de jovem filho-família
na América Latina", abandonou a Universidade desistindo do diploma
acadêmico.
A sua formação autodidata foi predominantemente
dirigida para a estética. Teve a sorte de ter como exigente mentor intelectual
seu primo Sílvio Felício dos Santos (1908-1986), sobrinho bisneto
do autor das Memórias do Distrito Diamantino, de cuja reedição
participaria em 1956. Com essa relação tornou-se impossível
evitar também o comichão da pesquisa histórica. Interessado
pelo passado brasileiro, tanto no campo material como no da cultura, ainda jovem
enveredou pela história das idéias, a princípio através
de dois projetos dialeticamente complementares. No primeiro, dedicou-se à
elaboração da biografia de Dom Luís, no seu modo de ver,
o mais ilustre dos netos de Dom Pedro II, que, muito preocupado com a realidade
brasileira, tentou agitar politicamente o país com idéias sociais,
pouco divulgadas no seu tempo. Alexandre deixou um vasto material iconográfico
e documental, inclusive esboços, notas, discursos sobre membros da família
real e um estudo dedicado a Dom Luís - Journal du Guerre (1960), mas
infelizmente não chegou a concluir o perfil biográfico do príncipe.
Em compensação, investiu tempo e energia para colaborar com outros
historiadores do período. Criou legendas, que se constituem num autêntico
tratado estético-cultural da época, para as iconografias dO Palacete
do Caminho Novo (1975) de Afonso Arinos Da mesma forma a seleção
e os comentários das ilustrações inseridas na reedição
da História de Dom Pedro (1977) enriqueceram esta obra de Heitor Lira
publicada também com prefácio - "O Ofício de Escrever"
- e estabelecimento de texto de Alexandre. A pesquisa em torno de Dom Luís
o levou a relacionar-se cordialmente com o ramo dos Orléans e Bragança
de Petrópolis e da Itália. Nas solenidades ligadas à família
imperial, deslocava-se para o Palácio do Grão-Pará a fim
de cumprimentar Dom Pedro Gastão com quem mantinha correspondência.
Sempre que ia à Itália não deixava de visitar os Orléans
e Braganças que reinavam no Castelo d'Alba.
Quanto ao segundo projeto, além de recuperar
vários textos de Joaquim Felício dos Santos, preparou a edição
anotada da sátira utópica estampada n'O Jequitinhonha de Diamantina
(1868-1871) - Páginas do Ano de 2000 (1957). Não parou por aí.
Deu forma de livro ao lúcido e bem fundamentado ensaio dedicado ao conjunto
da obra literária do historiador conterrâneo - Cronista Romântico
(1976).
As investigações a respeito dessa
entusiástica visão feliciana antimonarquista e o projeto sobre
aquela curiosa figura da realeza serviram de base para Alexandre pleitear uma
estadia nos Estados Unidos pela Fundação Guggenheim (1967-1969).
Estas pesquisas abriram-lhe perspectivas originais para uma série de
estudos instigantes e densos nos diferentes campos da cultura (música,
pintura, arquitetura, literatura, cinema, etc.) sobre o período de transição
que vai do Segundo Reinado à Primeira República. Momento decisivo
da formação do país, aliás, uma fase rica da vida
cultural brasileira em cuja direção Alexandre conduziu freqüentemente
seu olhar crítico e revitalizador. Para muitos desses trabalhos, a cidade
de Diamantina - a sua passárgada - serviu de inspiração.
Não foi à toa que, pouco antes de morrer, a Prefeitura local concedeu-lhe
o Brasão diamantinense, recebido carinhosamente como a mais prestigiosa
honraria do planeta.
Alexandre começou a atuar profissionalmente
na imprensa carioca e mineira desde o início dos anos 50, realizando
anonimamente reportagens de interesse histórico-cultural e mantendo colunas
fixas em vários jornais (no Diário Carioca, 1953-1955, ainda estudante
de filosofia, publicou, entre outros, três ensaios importantes e muito
atuais: "Uma farsa de Cromelynck", "O Édipo de Gide"
e "Retrato do Tiradentes"; no Correio da Manhã, 1954-1965,
da mesma forma escreveu longos artigos "Noble Brutus", "Relendo
Hesíodo", "Helena Morley vinte e dois anos", e manteve
a seção Fato Literário, juntamente com Fausto Cunha; no
Jornal de Letras assinou a coluna Notas de uma Agenda, 1955-1963; nO Globo,
1964-1965, publicou dezenas de textos avulsos e criou as colunas Matéria
& Memória e Turismo. Nesta última escondia-se sob o pseudônimo
de Roberto Sousa. Em consonância com sua "vocação viajeira",
produziu para este jornal uma série de crônicas-reportagens - "Estados
Unidos a jato" (1964) - permeadas de impressões bem humoradas e
observações curiosas sobre sua visita aquele país, a convite
do Departamento de Estado, dentro do Foreign Leaders Program; e finalmente no
Jornal da República, 1979, escreveu uma meia-dúzia de artigos,
dos quais a concentrada escrita poética de "Ampulheta de Borges"
e as pinceladas de ironia em "O Ceasa de Eckout" são lapidares.
Escritor meio esquivo, não obstante a quantidade
de artigos e ensaios dispersos em jornais e revistas, publicaria apenas um livro
A Aventura Brasileira de Blaise Cendrars (1978) premiado pelo Pen Club do Brasil
em 1979. Obra esta que recebeu o aplauso de críticos renomados e revelou
o outro lado da sua paixão de escritor: as manifestações
de vanguarda. Afora Cendrars, Corbusier, Murilo, Glauber, os Beatles, muitas
outras expressões de modernidade mereceram análises iluminadoras
deste crítico especialista no século XIX e na família imperial
brasileira. Notável também foi o exercício cuidadoso de
tradutor - O Belo Antonio (1962), Nathanael West (1964) e Isadora (1985). De
Borges, um dos seus autores preferidos, traduziu uma coleção de
textos divulgados na inesquecível Senhor e na revista Leitura, quando
pouco se conhecia do escritor argentino no Brasil. Inclusive elaborou de encomenda
para a Nova Fronteira, em convênio com a editora italiana Franco Maria
Ricci, a tradução integral de O Congresso do Mundo (1983).
Trabalhou sistematicamente em torno da nossa história
literária. "O Ensaio Literário no Brasil" (1962) rendeu-lhe
o Prêmio Brito Broca, instituído pelo jornal Correio da Manhã,
através da coluna Escritores e Livros de José Condé. Como
a premiação implicava também na edição do
texto pela Editora José Olympio, é possível que tenha postergado
infinitamente a sua publicação com o objetivo de aprofundar este
panorama crítico evolutivo de 150 anos da nossa prosa de não ficção.
Na linha de ensaios abrangentes, "A Literatura em Minas Gerais no Século
XIX" (1982), vinte anos depois, faria dessa vez uma análise recuperadora
do "passado vivo estadual" lembrando autores e obras marcantes no
contexto cultural da província.
Não se interessou menos pela ficção,
pela poesia e pelo cinema, mas divulgou muito pouco estes outros ângulos
da sua personalidade de criador, basicamente em suplementos literários
do Rio, Belo Horizonte e São Paulo. Concluiu o boneco de um livro de
poesia conhecido somente em fragmentos - LT a Murilo Mendes - espécie
de itinerário mitológico da obra do poeta-amigo, ilustrado com
grafitos de outro amigo, o escultor português Charters de Almeida (para
quem fez a apresentação da individual realizada no MASP, (1981).
Exibiu a arte de "cineasta improvisado" na parceria do roteiro de
O Homem do Pau Brasil e na direção de quatro curta-metragens.
Um deles - Murilo Mendes: a poesia em pânico - recebeu o prêmio
Governador do Estado de São Paulo (1978).
Na contabilidade de seus escritos salta à
vista a quantidade de resenhas, prefácios, introduções
e apresentações feitas geralmente sobre e para amigos, cujos textos
ganharam vida própria e se transformaram em trabalhos luminosos para
citar apenas "Um Lance Triplo de Dados. Mallarmé-Campos-Pignatari-Campos"
(1976), "Pai de Família, mas Desconfiado" (1979), "Verso
e Reverso de Gonzaga" (1983), "Exercício de Libertação"
(1985), "Duas Palavras" (1986) e "Pano para Manga" (1987).
Durante quase uma década (1956-1965), sob
o olhar cúmplice do mestre Augusto Meyer, comandou a mais importante
revista literária da época - a Revista do Livro (INL). Redator
chefe, cumpriu fantástica programação de editoração
de inéditos de autores brasileiros importantes e repôs em circulação
ilustres desconhecidos do grande público. Sem deixar também de
divulgar textos de fôlego da sua própria lavra - "Cartas a
Eduardo Prado" (1960), O Último Bom Selvagem (1960), "Cartas
de Abdir a Irzerumo" (1964), "Carranquinhas" (1966), etc. A atividade
de editoração não se limitou ao período da Revista
do Livro, ficando à frente de vários projetos de vulto. Muitos
deles ligados à sua região preferida como "Uma Educação
Mineira: a Travessia de Joaquim de Sales" (1974), inédita edição
anotada em dois volumes das mémórias desse conterrâneo ilustre.
O outro projeto, também impulsionado por ligações afetivas,
resultou na publicação da obra do jornalista Brito Broca, seu
amigo e companheiro do INL. Planejada e pesquisada por Alexandre, que em vida
publicou três volumes e deixou um praticamente concluído, a edição
planejada para 16 títulos, englobaria toda a produção do
colega dispersa em jornais. Meticulosamente estabelecia o texto, determinava
as vinhetas, fazia os índices e escolhia a dedo os prefaciadores.
Apesar de não possuir qualquer diploma
universitário, Alexandre era um verdadeiro "professor itinerante".
Autor de inúmeras palestras pelo mundo afora, muitos dos seus mais brilhantes
ensaios tiveram origem a partir dessas conferências, caso por exemplo
dos estudos sobre: Paulo Prado, Blaise Cendrars, Machado de Assis, Gonzaga Duque,
Sérgio Buarque de Holanda, etc. Ensinou algum tempo no exterior como
leitor brasileiro na Itália, comissionado pelo Ministério das
Relações Exteriores, junto ao Instituto Universitário e
Università degli Studi di Venezia (1966-1972), cabendo-lhe a regência
da cadeira de língua portuguesa e de literatura brasileira. Nesse intervalo
também atuou como Professor Visitante nas Universidades de Harvard, Princeton,
Cambridge e Massachussets (set. 1966 a jan. 1967). Paralelo ao trabalho sistemático
de divulgação da literatura brasileira por meio de conferências,
aulas, organização de antologias - Stella della Vita de Manuel
Bandeira (1971) -, revistas - Cineforum (número especial sobre o cinema
brasileiro, 87, 1969) -, bibliografias e exposições - Mostra del
Libro Portoghese (1966), da sua experiência veneziana nasceram os modelares
ensaios machadianos - "A estrutura narrativa de Quincas Borba" (1967)
e "Esaú e Jacó de Machado de Assis: narrador e personagem
diante do espelho" (1971).
Mesmo sem muita vocação, Alexandre
Eulalio não escapou à atividade burocrática e no seu exercício
procurou torná-la mais amena e proveitosa, planejando e estimulando a
promoção de eventos importantes. Enquanto Assessor Superior do
Departamento de Assuntos Culturais do MEC, de 1972 a 1975, foi roteirista e
orientador da mostra itinerante Tempo de Dom Pedro II e diretor dos filmes Memória
da Independência Exposição Piloto e Arte Tradicional da
Costa do Marfim; na condição de Chefe de Gabinete do Secretário
Municipal de Cultura de São Paulo (1975-1979), entre outras iniciativas,
montou as exposições José de Alencar e seu Mundo, seguida
de Dom Pedro II e editou vários números especiais do Boletim Bibliográfico
da Biblioteca Municipal Mário de Andrade. A partir deste momento, não
obstante continuar mantendo a sua biblioteca carioca no endereço de Copacabana,
fixou residência em São Paulo, à rua Bela Cintra num apartamento
forrado de objetos de arte e livros que generosamente franqueava aos amigos,
quando percebia algum de nós envolvido em determinado assunto sobre o
qual sempre dispunha de boa bibliografia, ou melhor de preciosas sugestões.
Atuou ainda como Comissário brasileiro junto ao Ministério das
Relações Exteriores, dentro do programa França-Brasil (1984-1985).
O desempenho na coordenação desta iniciativa estreitamento cultural
entre os dois países valeu-lhe uma comenda do governo francês.
A longa vivência de crítico e historiador da arte levou-o a participar
do Conselho de importantes Museus (MASP, MAM, em São Paulo).
Alexandre esteve ligado a inúmeras outras
atividades culturais no Rio de Janeiro e em São Paulo (palestras, cursos,
exposições, etc.) particularmente na Casa Rui Barbosa e no Museu
Nacional de Belas de Artes. São desse período a exposição
sobre o autor de Menina Morta, organizada pelo amigo Marco Paulo Alvim, cujo
catálogo estampou o conhecido ensaio, "Os Dois Mundos de Cornélio
Pena" (1979); o ensaio Henrique Alvim Corrêa: Guerra & Paz (1981)
também concebido para apresentar os trabalhos do artista reunidos na
Casa Rui Barbosa; e a coleção Tempo Reencontrado em coedição
com a Nova Fronteira, responsável pela publicação de dois
livros até então inéditos - Mattos, Malta ou Matta? (1985)
de Aluísio Azevedo e O Tribofe (1986) de Artur Azevedo. Possivelmente
o ponto culminante de sua constante e sistemática atividade interdisciplinar
foi a belíssima exposição - "Seculo XIX" - da
qual foi um dos responsáveis, dentro da mostra maior - Tradição
e Ruptura (1984), patrocinada pela Fundação Bienal de São
Paulo.
O
ano de 79 permitiu-lhe fechar um ciclo interrompido há quase um quarto
de século com o abandono do curso de Filosofia, em 1955. O "escritor
público", formado solitária e basicamente nas colunas de
jornais de grande circulação e em revistas especializadas, voltou
à Universidade brasileira, como docente notorio saber no Departamento
de Teoria Literária da UNICAMP. Na calma da província aquela figura
alegre, irrequieta, participativa, de erudição espantosa quase
ofuscava.
Como pesquisador universitário Alexandre
retomaria pontos de interesse defendidos nos artigos dos anos 60 e atuaria compulsivamente
em diferentes projetos ao mesmo tempo. Talvez o mais amplo e insistente tenha
sido "Literatura e Pintura: simpatia, diferenças, interações"
(1979), financiado pela FAPESP, em que valorizou a perspectiva comparatista
outrora presente em artigos curtos ("O Ateneu: Inspeção",
1962, "O Concreto Corbusier", 1965) e analisada em profundidade nos
textos - "De um Capítulo do Esaú e Jacó ao Painel
dO último baile" (1983) e "Ainda Reflexos do Baile" (1984).
Nessa fase acadêmica privilegiaria antigos temas e afeições
literárias: a poesia de Jorge de Lima - "A Obra e os Andaimes"
(1983), Tomás Antônio Gonzaga Lírico e Satírico -
"O Pobre, Porque é Pobre, Pague Tudo" (1983), "Verso e
Reverso de Gonzaga" (1983), bem como o planejamento e a organização
dos volumes da obra do amigo Brito Broca.
Em Campinas montou nova residência, transferindo definitivamente biblioteca
e objetos de arte - emblemas de suas afinidades e preferências culturais
(retratos da família imperial, óleos do amigo Jorge de Lima, fotos
de poetas - Murilo, o compadre O'Neill -, paisagens de Diamantina pintadas pela
amiga Hilda Campofiorito, telas de Adão Pinheiro, desenhos de Maria Leontina,
guaches de Alvim Corrêa, cálices e garrafas de Murano e outras
lembranças). Desde 1980 passou a dividir seu tempo entre São Paulo
e a nova casa campineira, até 4 de junho de 1988, quando faleceu.