Miss Cíclone
A figura da Miss é desenhada muito vagamente . Seus companheiros falam de uma "silhueta de mistério terminando na mecha interrogativa a cair sobre os formosos olhos ingênuos". E contribuem mais ainda para a indefinição do seu perfil: "Ela é multiforme e variável, na sua interessante unidade de mulher moderna". Perfil este gravado por Brecheret com maestria no busto "Dasy" que Oswald, em dificuldades financeiras durante a década de 30, foi obrigado a empenhá-lo na Caixa Econômica e não conseguiu recuperar. A certa altura do manuscrito, suas aparições tornaram-se repentinas e escassas, transmitindo uma visão de mundo amargurada e pessimista: "Que será que eu tenho em mim? uma ansiedade má que me tortura um pouco...Sinto a premeditação que a alma tem para a desgraça. Que será que eu tenho em mim". Sentimentos inusitados numa normalista de dezoito anos e conflitantes com a frivolidade e o vazio das discussões dos literatos. De certo modo as duas atitudes se explicam. Pelo lado da jovem, provavelmente um pouco da sua melancolia se relacionasse com a situação social familiar. Em São Paulo, morando de favor na casa de parentes, dependia da mãe, que por sua vez experimentava um segundo casamento na pacata Cravinhos. Da parte dos seus cortejadores - literatos, pequeno burgueses - muitos casados ou comprometidos afetivamente, o estúdio da Líbero Badaró era o espaço onde poderiam estar livremente sem as amarras familiares; um esconderijo do qual as respectivas famílias não tinham conhecimento.
Pode-se montar uma pequena história, costurada à mão pela linguagem aforismática do manuscrito, cujo fio narrativo estaria resumido no interessante duelo verbal que se disputava pelo amor da Cíclone - "o pecado imortal". As frases mais criativas são autografadas por Miramar. Ao nivel do discurso, esse amor é disputado de forma elegante e democrática. Todos fazem bem humoradas declarações de amor e as atenções da Miss no ambiente do "covil de Miramar" parecem oscilar entre João de Barros (Pedro Rodrigues) Ferrignac ou Ventania (Inácio da Costa Ferreira) e Oswald. Este último venceu o duelo, perseguindo a Miss, depois de se surpreender com saudades ciclônicas: "Pela primeira vez - percebi uma coisa séria - que ela me faz falta". Nessa intervenção Oswald figurou com um significativo pseudônimo: "mirabismo".
O Perfeito Cozinheiro sobreviveu praticamente um mês, depois da partida "da musa gravoche" para Cravinhos. Os parentes com quem morava em São Paulo, descobriram a ausência constante à Escola Normal de Maria de Lurdes Dolzani de Castro, também conhecida por Dasy, Gracia Lohe, Miss Ciclone, Miss Tufão e deram-lhe um ultimato. A certa altura do diário a Miss desabafou os motivos das suas escapulidas da Escola: "fui à aula! Mas como envelheceram os meus pobres lentes (biconvexas)... cada vez mais chato e mais encardido fazendo uma profusa distribuição de "hinos nacionais" de sua lavra... Da parte do pessoal miúdo da classe, recebi uma manifestação respeitosa e escrupulosa". De agosto de l9l8 a fevereiro de l9l9, Dasy passou por vários problemas de saúde. Acometida da gripe espanhola, e de outros a chaques, atenuados pelo uso do ópio e cocaína, aproveitou o período de convalescença para escrever um diário (ver Semana de 22. São Paulo, Masp, 1972.), passar o tempo numa cidade pequena e muito pacata: "neste meio que me puseram, eu não posso ser Miss Ciclone, nem Gracia Lohe: só serei a Lurdes... que chegou de S.Paulo: conhecem?"