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    É em Cravinhos que Oswald vai reencontrá-la no dia da pátria, graças a uma providencial conferência encomendada pela Liga de Defesa Nacional para ser pronunciada em Tijucopólis. Esta seção cívica é descrita com boa dose de humor por Oswald neste manuscrito e nas Memorias - Sob as ordens de mamãe. Na p. 198 do Perfeito Cozinheiro numa série de lances satíricos contou a sua aventura patriótica, levando o leitor a prenunciar trechos do Miramar/Serafim.

    A correspondência trocada entre Oswald e Gracia Lohe prova que esta última já tinha se ligado afetivamente a Oswald. Aliás numa carta a Ferrignac ("Minha doce ventania"), um dos seus preferidos no tempo da garçonniere, anunciava: a "miss morreu", "O tufão... abriu. Gracia Lohe, uma burguesita de boas cores e...higiênica. Nada mais". O tom das cartas para Oswald variava entre o apaixonado carinhoso -"perdoa, amo-te, espero-te, creio em ti" - e o ciumento impositivo: "tenho direito de exigir de ti grandes compensações..."

    Procurava abrandar os ciúmes de Oswald em relação à corte fei ta à Cíclone - "proponho-me a ser o anjo regenerado"; anunciando uma drástica mudança de "vício ligeiro", de "doidivanas" para "promissora virgem". Esboçou uma análise da sua personalidade inquieta e plural a fim de explicar sua instabilidade emocional: "Miss Cíclone que só amará um bandido um apache; Miss Gracia Lohe não queria ter por amante P. Vitor (pseudônimo de Oswald): escolheria acredito um velho conde ou rapaz nobre, de sangue azul! Dasy a ingênua "girl" do seminário não teria ambições tão grandes: o simples farmacêutico do Braz preencheria seus sonhos de criança". E ao constatar a sinceridade da amizade de Oswald, não escondeu a sua surpresa "Tu me amas! Tu, o boy chic da moderna literatura, com comissões diplomáticas e sorrisos amáveis nos bastidores. Tu Paulo Vitor ou João Miramar, o bas-bleu do século, amando Miss Gracia Lohe!" A vida da Miss e seu relacionamento com Oswald se revelam mais articulados a medida em que se mergulha na correspondência da Miss ( Este material pertence ao acervo Oswald de Andrade que se encontra no Centro de Documentação do IEL-UNICAMP, setor do Departamento de Teoria Literária). A maioria sem data, a primeira de 22 set. l9l8 e a última de 8 jan. l9l9. Algumas cartas foram colada pelos companheiros no Perfeito Cozinheiro, como forma de avivar a sua presença. Isolada em Cravinhos, Dasy se apaixonara por Oswald. Talvez, para não atrapalhar ou aumentar as complicações entre Oswald, Kamiá e o velho Andrade, usava vários disfarces ao se dirigir a seu amado : Paulo Vitor, meu louro Otelo, Mira, Miramar, Meu coração, minha vida; No meio das cartas apenas uma dirigida a Oswaldinho. Identificava-se também de várias maneiras: Gracia (o mais frequente), Miss C., Miss Lohe, Gracia Lohe, Miss Gracia e Dasy (uma vez). O assunto das conversas variava entre apaixonadas declarações de amor: "Je serai maintenant ton esclave, ton esclave pour toute la vie"; "tinha me esquecido que dependia de teu amor"; e pedidos de pequenos empréstimos (dinheiro para comprar injeções, para fotos, etc.).

   Esta correspondência traçou também a história da formação intelectual da Miss: conselhos de leitura e remessa de livros dos companheiros principalmente de Oswald que lhe enviou seus livros e os dos outros, como observava Viviano - Edmundo Amaral - pedindo a Dasy em carta de 22 de ago. 1918, que lhe devolvesse A Cidade e as Serras e um livro de Maupassant, emprestados por Oswald. Numa carta mais longa, enviada para Paulo Vitor, Gracia Lohe explicava como preenchia o tempo: "Leio celebridades, estudos fundos e formas de heróis literários"... Sabes acabo de ler Karamazov. Incrível! Comecei Moliere. Que contraste!"

    As leituras definiram bem o amadurecimento intelectual da normalista e as cartas endereçadas a Oswald delinearam seu percurso. A miss brinca de imitar Wilde, Fialho, Maupassant - "Literatura gripada meu amigo! em dieta! estilo doente!." Numa carta sem data um exemplo: "A miss triste é a rosa branca de Oscar Wilde! E o seu ódio é como o teu amor imortal". Dasy percebia os volteios exagerados da sua linguagem; "Perdoa o estilo imitativo mas, estou com uma senegalesca dor de garganta..." No Perfeito Cozinheiro, costumava exercitar a sua literatura cravinhense, celebrando a "missa literária" e Oswald não se surpreendia com o "estilo doente" de quem misturava Ibsen com uma brochura da Vingança da Morte. Cíclone parecia apontar para um projeto de escritora a ser articulado e burilado aos poucos pela cabeça de Oswald. Dessa forma procedeu o escritor em relação a outras mulheres com quem conviveu. Investiu tempo e dinheiro não apenas satisfazendo os caprichos femininos, mas impulsionando o desenvolvimento e independência intelectual de suas musas: Kamiá, Tarsila, Pagu, Julieta, Antonieta.

   Em muitos aspectos transparece a marca da convivência da Miss Ciclone com Oswald e sua confraria. Além de imaginar um diário similar ao Perfeito Cozinheiro, procurou transportar para a decoração do seu quarto em Cravinhos o ambiente da garçoniere, como constatou Oswald: ..." a parede do fundo reproduz de um lado a decoração do Retiro da Líbero Street. Michelangelo, além, Baudelaire, arrancado do volume e, em recortes de jornal, Miramar e Ferrignac".

    O entediante exílio em Cravinhos terminou em fevereiro de l9l9. Oswald, depois da morte do pai, (Sr. Andrade), Oswald montou na rua Santa Madalena (Paraiso) uma casa para Dasy e a avó, onde as duas permaneceram até a morte da Cíclone, em 24 de agosto de 1919. Um casamento in extremis uniu o deseperado Oswald a sua Miss, vitimada por complicações decorrentes de um aborto mal feito. Foi sepultada no jazigo da família Andrade no cemitério da Consolação, conforme recorte de jornal colado na última página do Perfeito Cozinheiro.