Volta
Princípios fundamentais da educação em
Rousseau
Aline Sarmento Coura
Universidade
Federal de Campina Grande
Rousseau, um dos mais bem conceituados pensadores
do Século XVIII, na sua obra Emílio ou da Educação, propõe um
projeto para a formação de um novo homem e de uma nova sociedade,
apresentando-nos os princípios gerais para uma educação de qualidade. A sua
influência, no campo educacional, deve-se assim a esta obra. Nela, trata da
educação de uma criança acompanhada de um preceptor que a auxiliará a ter
uma educação conforme a natureza, preservando-a da sociedade corruptora.
Pois o autor preconiza uma educação afastada do artificialismo das convenções
sociais.
A proposta de Rousseau, de uma educação de
acordo com a natureza, foi considerada inovadora e revolucionária, pois ele
se opõe a educação do seu tempo e a formação humana em geral proposta pela
educação de sua época. Dessa forma, apresenta uma proposta que valoriza a
liberdade, bem como o desenvolvimento das faculdades das crianças. Deste
modo, preconizando a educação conforme a natureza, Rousseau quer que o
homem seja educado para si mesmo. Assim ver-se-á necessidade de se repensar
a educação, considerando para tanto uma nova forma de compreender a
infância, a adolescência e a fase adulta. A partir disto chega-se aos
diferentes modos de educar segundo as diferentes etapas de formação humana,
conforme o proposto por Rousseau.
A primeira destas etapas é a infância que,
para Rousseau, é o período no qual acontece o desenvolvimento físico do ser
humano. Assim sendo, é neste período em que as faculdades naturas do
indivíduo humano se desenvolverão, constituindo-se, pois, a sua primeira
formação.
A criança precisa de liberdade para viver
e aproveitar cada fase da sua vida em seu devido tempo e não ser
considerada um adulto em miniatura. Rousseau afasta a possibilidade da
criança ser confundida com o adulto, e enfatiza a necessidade dela ser
tratada de fato como criança, quando afirma: “amai a infância, favorecei as
brincadeiras, seus prazeres, seu amável instinto” (ROUSSEAU, 2004, p.72).
Isto por ser a infância um período curto que não volta mais. Faz-se, então,
necessário deixar que a criança goze desse tempo valioso, porque, nesta
idade, o sorriso está sempre nos lábios e não se deve impor a vontade de um
adulto sobre ela, já que a mesma tem maneiras próprias de agir.
Assim, é preciso pensar seriamente no
significado da infância, para que se proporcione uma educação cujo processo
será determinado pela natureza, dando atenção às diversas fases do seu
desenvolvimento. Pois não devemos impor os saberes dos homens à criança; é
preciso considerar cada um em seu lugar, ou seja, considerar o homem no
homem e a criança na criança, sabendo-se que ambos são diferentes e têm
suas próprias características.
Seguindo esta linha de entendimento,
compreendemos que a educação é um processo natural e não artificial.
Portanto, a educação deve ser efetivada a partir do momento que se respeite
o desenvolvimento natural da criança e não forçá-la a aprender coisas de
adulto com uma educação bárbara voltada para um futuro incerto, deixando
assim de viver o presente. Ao invés disto, dar-se-á mais ênfase a uma
educação de acordo com a natureza e que valorize o presente. Isso nos diz
Rousseau, quando nos chama a atenção para o seguinte: “Que mania a de um
ser tão passageiro como o homem sempre olhar para longe, num futuro que vem
tão raramente, e desdenhar o presente de que tem certeza!” (ROUSSEAU, 2004,
p.78). Partindo disso, entende-se que o homem deve valorizar o presente e
não viver sempre em busca de um futuro incerto, tornando-se tão longe de si
mesmo, conduzido por desejos supérfluos, isto é, necessidades imaginárias
que farão o homem infeliz, não mantendo ele o equilíbrio entre os seus
desejos e suas capacidades de realizá-los.
De acordo com o exposto acima, Rousseau
nos diz o seguinte: “É na desproporção entre os nossos desejos e nossas
faculdades que consiste a nossa miséria. Um ser sensível cujas faculdades
igualassem os desejos seria um ser absolutamente feliz” (Rousseau, 2004,
p.74). Pois a felicidade consiste no uso de sua liberdade e será feliz
quanto mais puder fazer o que necessita, não adquirindo excesso de desejos
sobre suas faculdades. Ou seja, quanto mais o homem permanece perto de sua
condição natural mais se distancia dos desejos supérfluos que os torna
infeliz, por causar um desequilíbrio entre a potência e a vontade.
É indispensável conservar a criança, ao
máximo possível, numa educação de acordo com a natureza e assim deixá-la
viver o presente, evitando os vícios e os erros para que, ao chegar aos
doze anos, o seu entendimento em relação à razão seja sem preconceitos e
sem vícios. Assim o seu caráter se desenvolverá em liberdade, aproveitando
cada minuto desse tempo valiosíssimo. Pois, de acordo com Rousseau (2004,
p.97) “A primeira educação deve ser previamente negativa. Consiste não em
ensinar as virtudes ou a verdade, mas em proteger o coração contra o vício e
o espírito contra o erro”. Por isso deve-se preparar a criança desde os
primeiros anos, para que seus primeiros olhares sejam impressionados com
objetos que lhe convém, e não gerar os erros e vícios. Pois a educação
moral deve ser conseqüência natural do desenvolvimento da criança.
É importante ressaltar que as lições devem
consistir mais em atos do que em palavras. Não se deve aplicar às crianças
o castigo como castigo, mas devemos fazer com que sintam as conseqüências
naturais de sua má ação. Diante de tal contexto, Rousseau afirma que “O
primeiro de todos os bens não é a autoridade, mas a liberdade. O homem
verdadeiramente livre só quer o que pode e faz o que lhe agrada” (ROUSSEAU,
2004, P.81). Portanto, um homem livre é um homem que tem autonomia em suas
decisões, e não necessita de outras pessoas para fazer as coisas no seu
lugar. Pois a felicidade consiste no uso de sua liberdade, será feliz
quanto mais poder fazer o que necessita. E assim aprende pelos seus atos e
não porque alguém o obriga a fazer. Com isso, tornará as crianças mais
livres e menos dependentes dos adultos. Assim, elas se acostumam desde cedo
a pôr sob a dependência seus desejos e suas forças.
É necessário educarmos o homem desde o
nascimento, para que lhe seja garantida a preservação de todas suas
inclinações naturais, até que construa a sua formação física e moral
durante a infância e a adolescência, quando passa a adquirir as qualidades
que permitem inserir-se na sociedade, abrindo espaço para a construção da
sua cidadania.
A adolescência, conforme Rousseau, é um
período de modificações, um novo nascimento que remete o indivíduo a um
processo de aprendizagem em direção a autonomia da vida adulta.
No período que vai dos doze aos treze
anos, próximo à adolescência, a criança, por não ter todas as suas
necessidades desenvolvidas, as suas forças são superiores. Pois, “aos doze
ou treze anos, as forças da criança desenvolvem-se bem mais rapidamente do
que suas necessidades” (ROUSSEAU, 2004, p.211). Neste período, o progresso
da força ultrapassa o das necessidades. Assim, podendo mais do que deseja,
será um ser muito forte.
De acordo com Rousseau, a fraqueza do
homem decorre da desigualdade existente entre a sua força e seus desejos.
Nesse sentido, entende-se que, se diminuirmos os desejos, teremos
capacidades suficientes para satisfazer o que nos é necessário, como também
seremos felizes. Pois são as necessidades imaginárias que tornam o homem
infeliz.
É importante mencionar que as paixões, que
dominam e destroem o homem, não provem da natureza; o indivíduo é quem se
apropria delas, tornando-se, assim, infeliz, pois a única que nasce com o
homem é o amor de si, as outras são modificações. Nesse sentido, Rousseau
afirma: “Fiz ver que a única paixão que nasce com o homem, o saber, o amor
de si, é uma paixão em si mesma indiferente ao bem e ao mal, que se torna
boa ou má a não ser por acidente e segundo as circunstâncias nas quais se
desenvolve”. (ROUSSEAU in FORTES, 1989, p. 12). Pensando assim,
compreendemos que, na natureza, tudo é correto: o homem é quem modifica
tudo. Pois a fonte de nossas paixões é natural; as outras são modificações
que se aglutinam a esta fonte natural.
A educação de quinze a vinte anos, ou
melhor, a adolescência é o período em que se educa o coração para a vida em
comum e para as relações sociais. Neste período, deve-se encontrar meios de
satisfazer o indivíduo, colocando-o ao seu alcance o que ele deve aprender
para aquisição de sua formação moral, o que preparará para a vida adulta.
Pois é o período de preparar o indivíduo moralmente para as suas relações
com a humanidade. Partindo disso, é fundamental mencionar a importância do
princípio da utilidade, conforme nos diz o próprio Rousseau (2004, p. 234):
Assim que chegamos a dar ao nosso aluno
uma idéia da palavra útil, temos mais um grande meio para educá-lo,
pois essa palavra o impressiona muito, dado que tem para ele apenas um
sentido relativo à sua idade e que ele vê claramente a sua relação com o
seu bem-estar atual.
Pensando assim, cabe ao preceptor colocar
ao alcance do aluno o que ele deve aprender e fornecer meios de
satisfazê-lo; como também é papel do educando procurar desejar e encontrar
o que lhe é útil e conseguir conhecer a si mesmo para compreender em que
consiste o seu bem-estar.
O ser humano deve formar sua personalidade
de forma a ser um homem natural que se satisfaz, tendo assim opinião
própria e buscando se conhecer cada vez mais e não satisfazer apenas as
outras pessoas. Pois o período que constitui a adolescência é um estado turbulento
de mudanças.
A adolescência é o período em que surgem
as primeiras manifestações da consciência e dos primeiros sentimentos de
amor e ódio, como também é o período da educação religiosa, que, segundo
Rousseau, não deve ser imposta ao individuo, isto é, não deve ser imposta a
religião que ele deve seguir, mas o que se deve fazer é colocá-lo em
condições de escolher a sua própria religião e que, na sua escolha, seja
conduzido pelo melhor emprego da razão. Assim terá autonomia para escolher,
princípio fundamental para que, ao chegar à fase adulta, possa fazer as
suas próprias escolhas.
A última etapa da formação humana é a fase
adulta. Nesta, segundo Rousseau, se efetiva a educação do ser moral e, na
qual, se dá o direcionamento do indivíduo à vida sócio e política do
Estado.
Assim, na fase adulta, a educação está
voltada mais para a formação intelectual, estética e moral, como também é
importante ter conservado os bons hábitos da infância. A esse respeito,
Rousseau (2004, p. 636) diz o seguinte: “Se quiserdes prolongar pela vida
inteira o feito de uma boa educação, conservai ao longo da juventude os
bons hábitos da infância, e, quando nosso aluno for o que deve ser, fazei
com que seja o mesmo em todos os tempos; eis a ultima perfeição que vos está
dar à vossa obra”. Portanto, para se alcançar uma boa educação, faz-se
necessário preservar os hábitos da infância, pois não é porque se tornou
adulto que excluirá estes hábitos de quando criança; ao contrário, deve-se
mantê-los.
Para Rousseau, é também na fase adulta que
se enfatizam as diferenças entre o homem e a mulher. Estas diferenças,
segundo ele, pertencem ao sexo. Pois considera que, de acordo com a
lei da natureza, a mulher foi feita para agradar ao homem e que ela deve
ser conforme a constituição de sua espécie e de seu sexo, ou seja, deve
usufruir os seus direitos e não se apossar dos direitos dos homens. A esse
respeito, Rousseau afirma que “A mulher vale mais como mulher e menos como
homem; em toda parte onde faz valer seus direitos, leva vantagem, em toda
parte onde quer usurpar os nossos, permanece inferior a nós”. (ROUSSEAU,
2004, p. 525). Com isso, compreendemos que a mulher deve cultivar suas
qualidades, pois terá mais vantagens do que se apropriar das qualidades dos
homens, como também ocupará o seu lugar na ordem física e moral.
Mas, independentemente do sexo, é
importante desenvolver bem a razão para que o indivíduo possa ter suas
próprias opiniões, decidindo por si mesmo o que é melhor para si próprio, pois,
até a idade em que a razão não está formada, o que é bom ou mal é decidido
pelas pessoas que o rodeiam. Por isso, faz-se necessário proporcionar uma
educação que, o ser humano, ao ser educado intelectualmente, não seja
persuadido pelas pessoas que querem impor à forma dele se comportar. Com
isso observamos a importância de educar o homem conforme a natureza, para
que ele tenha a educação que lhe convém.
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