Volta
O dilema da liberdade e igualdade do
homem segundo Rousseau
Wilfrido Palacios Paredes
Universidade
de São Paulo
O estudo das idéias de Jean-Jacques
Rousseau nos induz necessariamente a uma análise obrigatória referente a
suas diversas propostas, as quais intrinsecamente articuladas geraram
transformações estruturais na sociedade de sua época e na posteridade.
O conhecimento da
proposta exposto por este pensador, seria incompleto se prescindisse da
origem cultural de seu contexto histórico; pois seu discurso de referência
possui o selo da herança cultural que correspondeu à sua época.
Essa bagagem
conceptual que lhe permitiu gerar e expor suas idéias, e que ao mesmo tempo
as condicionasse ou determinasse, remonta-se mais propriamente aos séculos
X e XI quando as sociedades européias efetuam a transição do escravismo à
sociedade feudal, caracterizada pela estruturação das classes depois
definidas: nobreza, clero, artesãos, camponeses e servos. A propriedade da
terra e o exercício do poder correspondem aos primeiros, e a produção e
servidão aos segundos. A concepção religiosa do estado de coisas, a
degradação moral dos estratos dominantes e a dialética social e do
pensamento, contribuíram para o desgaste do poder.
De modo que, a cultura se converteu em
patrimônio exclusivo das escolas palatinas, dos monastérios e das escolas
catedralísticas, as quais teriam que derivar nas universidades.
Além disso, podemos
considerar que o contexto produzido pelo humanismo através de quatro
séculos, estava preparado para o desenvolvimento de outro movimento da
humanidade, só que já não seria parcial, mas sim repercutiria no político,
social, econômico, cultural, educativo, filosófico e religioso.
Este período
evolutivo foi o Renascimento, que aparece nos séculos XV e XVI, na etapa
denominada Baixa Idade Média. Por ser de grande influência no mundo de
Rousseau e suas idéias. Nesse contexto é necessário compreender o grau de
inter-relação das idéias e do pensamento filosófico deste pensador.
A idéia de liberdade em
Rousseau
Para entender o
homem como tal, Jean Jacques Rousseau expõe em primeiro lugar a necessidade
de resgatar a liberdade inicial do ser humano como ser natural e como
cidadão, que lhe permita manifestar-se como um elemento integrado a uma
sociedade política e moral, apesar de suas diferenças individuais, ou seja,
Rousseau nos fala de que o homem como ser natural possui de fato uma
igualdade indestrutível e real.
Quer dizer,
trata-se de compreender o homem como um ser “bom e livre por natureza, que não conhece a propriedade nem a
desigualdade social que ela produz” (Rousseau, 1995: p. 236), porque para falar a verdade, “os homens não são naturalmente nem reis,
nem grandes, nem cortesãos, nem ricos; todos nascem nus e pobres, todos
sujeitos às misérias da vida, às tristezas, aos males, às necessidades, às
dores de toda espécie; e finalmente todos estão condenados à morte. Eis o
que é realmente do homem, eis o de que nenhum mortal está isento”
(Rousseau, 1995: p. 248).
Portanto, a
liberdade inicial é aquela que como ser vivo o homem compartilha com outros
animais, e que as únicas restrições da dita liberdade são sua força e
capacidade para interagir com seu meio ambiente. Reconhece-se também que
devido a suas debilidades, comparativamente com outros animais esteve em
muita desvantagem para sobreviver, por isso foi vital desenvolver suas
capacidades de organização, assim “seu
estado primitivo não tem mais condições de subsistir, e o gênero humano
pereceria se não mudasse sua maneira de ser” (Rousseau, 1995: p.
30).
Entretanto, o
problema da liberdade começa a partir do momento em que ao associar-se,
cada elemento se vê, de repente em uma diversidade de interesses e forças
que ao ser adicionadas, põem em perigo sua liberdade inicial, mas “a força e a vontade de cada indivíduo
são os principais instrumentos de sua conservação” (Rousseau, 1995:
p. 30)
Embora pudesse
isto lhe trazer conseqüências graves é necessário que aconteça, porque
somando suas forças o homem foi capaz de subsistir, e quanto a sua
liberdade só deve fazer alguns ajustes em seu esquema, isto é, deve
entender que para subsistir, agora deve compartilhar a idéia de uma
liberdade comunal, ou seja, “a
liberdade de cada um é protegida pela força da comunidade e a esta
liberdade não pode renunciar-se. Renunciar à liberdade é renunciar à
qualidade de homem, aos direitos da humanidade e inclusive aos deveres. Tal
renúncia é incompatível com a natureza do homem” (Sanchez, 1994: p.
14).
Até aqui devemos
entender que a liberdade, como manifestação do gênero humano, tende ainda,
no social, a manter a mesma proporção da liberdade inicial, mas que é
necessário normatizar a organização de modo tal que a “Encontrar uma forma
de associação que defenda e
proteja de toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela
qual, cada um, unindo-se a todos, não obedeça portanto senão a si mesmo, e
permaneça tão livre como anteriormente.” (Rousseau, 1979: p.
30).
É preciso que o
homem se realize como ente racional em sociedade, já que a busca de um
modelo de organização foi a base de sua convivência, uma vez que se
reconheceu que “cada um de nós não pode viver sem os outros, com a
possibilidade de tornar-se outra vez miserável e fraco” (Rousseau,
1995: p. 76).
Porém o modelo
familiar parece que responde mais adequadamente a esta necessidade, ao
menos como ponto de partida, em uma organização política “o chefe é a imagem do pai, e o povo a
imagem dos filhos, e havendo nascido todos iguais e livres, não alienam a
liberdade a não ser em troca de sua utilidade” (Rousseau, 1979: p.
22) Rousseau quer dizer com isto que, certamente, ao integrar-se ao grupo
deve abandonar parte de seus interesses, na medida em que estes não sejam
os comuns ao grupo. Propõe ainda que o homem se integre a um grupo social
mediante um contrato, já que “quando
se respeita este contrato, o homem adquire mais do que tinha, incluindo a garantia
de sua própria liberdade. Dado que o principal direito natural do homem é a
liberdade” (Sanchez, 1994: p. 47 – 48).
Quando Rousseau
nos fala da liberdade, deixa também expresso que o sentido contrário, a
escravidão, é um estado social que não tem razão de ser, posto que “por natureza, ninguém tem autoridade
sobre seus semelhantes, e que a força não produz nenhum direito, só ficam
as convenções por base de toda autoridade legítima entre os homens” (Rousseau,
1979: p. 8).
Quer dizer, o fato
de que o homem se agrupe não o obriga a submeter totalmente a outros
homens, a não ser para estabelecer acordos que lhe permitam uma melhor
convivência e um mútuo amparo a todos, “assim, de qualquer modo que as coisas se considerem, o direito à
escravidão é nulo, não só porque é ilegítimo, mas sim porque também é
absurdo e porque nada significa. As palavras escravidão e direito são
contraditórias e se excluem mutuamente” (Rousseau, 1979: p. 12).
Portanto, uma
pessoa que ingressa em um grupo, adquire o direito a ser livre, mas de
maneira nenhuma a ter escravos. Mas eis que o homem as engenhou para
escravizar, atentando contra a natureza do ser humano; este fato é
lamentável, mas tem realidade histórica devido ao abuso do poder emanado da
força de um grupo sobre outro, nesta ação de submissão lhe tiram ao
submetido “toda classe de
liberdade a sua vontade e porém toda moralidade a suas ações”
(Rousseau, 1979: p. 10).
Entendida a
vontade como o desejo de ser, e a moralidade como a capacidade própria de
atuar em sociedade, “logo só há
escravos por natureza, porque os houve contra ela. A força tem feito os
primeiros escravos, sua covardia os perpetuou” isto é, alguns homens
que foram submetidos, permanecem assim por covardia, por não recuperar sua
vontade, nem moralidade, necessárias para lutar por sua liberdade. Mesmo
assim ainda existem homens que aceitam assim sua realidade e a induzem, a
seus descendentes, ao qual Rousseau assinala: “ainda quando o homem pudesse alienar-se a si mesmo não pode alienar
a seus filhos; estes nascem livres, sua liberdade lhes pertence; ninguém
mais pode dispor dela” (Rousseau, 1979: p. 6 – 10)
Desde essa
perspectiva, o homem como pai deve aproveitar o nascimento de seu filho
para recuperar a consciência de sua realidade como homem e “recuperar sua independência, se
continuarem unidos, obterão a liberdade e esta liberdade comum é finalmente
uma conseqüência da natureza do homem”(Rousseau, 1979: p. 4), já que ‘fomos
criados para ser homens” (Rousseau, 1995: p.76).
Fica, pois claro,
que a essência de ser homem é ser livre, mas que esta deve manter-se
sempre, e se perde é preciso lutar por ela, pois se deixa de ser homem
moral se permitir a perda da liberdade.
Rousseau também reconhece, que certamente
o homem, com o contrato social, perde “sua liberdade natural é um direito ilimitado a tudo o que tenta e
que pode alcançar, o que a vontade, é a liberdade civil e a propriedade de
tudo o que possui” (Rousseau, 1979: p. 20), quer
dizer, obtém a legitimação de seus bens com os quais ingressa no grupo e
nisso vai sua vontade e liberdade, assim que “o único que faz sua vontade é o que para fazê-lo não precisa
valer-se de outro; de onde se colige que o mais apreciável dos bens não é a
autoridade, mas sim a liberdade” (Rousseau, 1995: p. 73).
A idéia de igualdade em
Rousseau.
Nos diferentes momentos em que Rousseau
aborda o tema da igualdade, parece indispensável contrapor o termo de
desigualdade, tentando fazer um balanço entre estes dois e esclarecer sua
proposta que vai da análise concreta de sua realidade até à especulação
sobre as origens de igualdade e desigualdade nas primeiras sociedades. Em
uma de suas obras mais conotadas, Emilio, menciona: “No estado de natureza há uma igualdade
de fato indestrutível e real, porque não é possível que neste estudo seja
tão grande a mera diferença de homem a homem, que constitua dependente um
de outro. No estado civil há uma igualdade de direito, vã, fantástica,
pelos mesmos meios destinados para mantê-la” (Rousseau, 1995:
p. 45-46).
Fica clara então a
relevância que o autor da à natureza sobre as leis que o homem em sociedade
produziu para reger-se, mesmo quando reconhece que o ser humano deverá
submeter-se por si mesmo às normas estabelecidas pela sociedade de maneira
que não perca sua entidade como ser natural: “...em troca não pode existir
nenhuma sociedade sem medida comum. De modo que a primeira lei de todas as
sociedades é uma igualdade de convenção, seja nos homens, seja nas coisas.
A igualdade de convenção, muito distinta da igualdade natural, faz necessário
o direito positivo, isto é, o governo e as leis... A igualdade de convenção
entre as coisas, levou a inventar a moeda (verdadeiro vínculo entre a
sociedade)” (Rousseau, 1995: p. 242).
Entre o uso do
termo unido a outros se pode apreciar a idéia central de Rousseau, que
embora outorga um valor importante à igualdade natural como elemento
substancial no desenvolvimento do indivíduo, reconhece também que esta
deverá submeter-se aos interesses gerais, propõe diferentes enfoques que
ajudam a que isto se dê de maneira tal que não cause maiores
desenquadramentos tanto individuais como coletivos. Adverte que deve dar-se
como substancial a alienação entendida, esta como a doação voluntária dos
direitos pessoais para o bem comum e menciona: “A cláusula fundamental é a alienação dos direitos de cada associado
a favor da comunidade, alienação que por ser total estabelece a igualdade
formal para todos e assegura a liberdade de cada um ao ser protegida pela
força da comunidade” (Sánchez, 1994: p. 46).
Dá-se por efetuado
então, em forma natural o que nos indivíduos se dê uma mudança que
proporcione estabilidade e segurança comum, ainda a custo de ceder parte de
seu estado natural primário, sem que isto signifique que, ao falar de ceder
se esteja doando o direito a alguém específico mas, sim à sociedade mesma:
“...dando-se cada qual a todos, não se dá a ninguém em particular, e
como não há sócio algum sobre o que não se adquira o mesmo direito que
alguém adquire sobre si, ganha nesta mudança o equivalente de tudo o que
alguém perde, e uma força maior para conservar o que alguém tem” (Rousseau,
1979: p. 15).
Poder-se-ia
interpretar que Rousseau vê a organização social como uma seqüência
natural, seguinte do Estado primário ou um degrau mais alto na escola do
desenvolvimento harmônico do indivíduo, primeiro como ser, com um fato
eminentemente pessoal e circunscrito no âmbito de seus próprios
sentimentos, motivações e interesses e, segundo, como um ser que partindo
das perspectivas pessoais se engrene perfeitamente em seu meio social
mediante o amparo mútuo de interesses com seus semelhantes: “cada um de nos põe em comum sua pessoa e
todo seu poder sob a suprema direção da vontade geral, recebendo também a
cada membro como membro indivisível de tudo” (Rousseau, 1979: p.
15-16).
Rousseau reconhece que, para que isso se
concretize de maneira real, deve-se ver este pacto como um compromisso que
o indivíduo adquire ao encontrar-se no contexto social, e que além disso o
acatamento de suas normas não fique no livre-arbítrio, mas sim se reserva à
vigilância de sua aplicação à sociedade mesma, menciona que, “A fim de que o pacto social não seja um
formulário inútil, encerra tacitamente a obrigação, quem se negue a
obedecer a vontade geral, obrigará a isso por todo o corpo”
(Rousseau, 1979: p. 19). Significa então que em nível social, os homens
adquirem igualdade comum na medida que se apegam ao interesse geral, aquele
que desobedece as normas estabelecidas se encontrará fora da proteção que a
mesma sociedade proporciona e, portanto será castigado pelo tudo.
Entretanto, ainda quando as leis
proporcionem igualdade de direito e obrigações a todos os homens em geral,
Rousseau adverte que não deve interpretar-se isto como uma proposta que
inclua que todos os bens, direitos e deveres sejam indiscriminadamente
exercidos por igual: “não se dá a
entender por esta palavra que os graus de poder e de riqueza sejam
absolutamente os mesmos, mas sim o poder esteja sempre isento de toda
violência e se exerça só em virtude das leis; e quanto à riqueza que nenhum
cidadão seja tão opulento que possa comprar ao outro, e nenhum tão pobre
que se veja na necessidade de vender-se: o que supõe moderação de bens e de
crédito por parte dos grandes e pela dos débeis, moderação de avareza e cobiça”
(Rousseau, 1979: p. 55-56).
Do anterior,
desprender-se que Rousseau adverte a existência dos clãs sociais em
conflito, tanto pela riqueza como pelo poder, ao falar de igualdade civil
se faz um intento de conciliar por meio de leis, mais que por meio de
rupturas, admitindo além de que nestas mesmas “Leis igualitárias”, o
direito da igualdade se perde, e menciona: “No estado civil a igualdade de direito é nula: a força pública se
une ao forte para submeter ao fraco” (Rousseau, 1995: p. 17),
“Rousseau vê, pois no
nascimento da desigualdade um progresso. Mas este progresso era antagônico
pois implicava ao mesmo tempo um retrocesso” (Sánchez, 1994:
p. 38-39).
Alguns analistas
da proposta rousseauniana se atrevem a ver nas anteriores afirmações,
antecedentes de posturas posteriores, como a postura da negação hegeliana
ou das idéias que se desenvolvem no Capital
de Marx.
Rousseau, ao falar sobre a desigualdade,
as conformações da sociedade e suas leis, especula e trata de explicar o
fundo político e econômico que motivaram a criação dos tipos e formas de
legitimação que se adotaram para conseguir estabelecer a dominação das
classes no poder. “Unamos-nos, disse-lhes, para garantir
contra a opressão dos fracos, e só assim poder conter os ambiciosos e
assegurar a cada um a posse do que lhe pertence. Instituamos regulamentos
de justiça e de paz aos quais todos estejamos obrigados a nos conformar sem
exceção de pessoas” (Rousseau, 1995: p. 101-102). “Se nos unirem por interesse nossas
necessidades comuns, por efeito nos unem nossas misérias comuns”
(Rousseau, 1995: p. 21).
Conclusão
É fundamental ter em consideração ao
estudar os escritos do Rousseau, precavermo-nos que estes são em grande
parte vigentes nos dias de hoje. Os paradigmas de liberdade e igualdade,
nos termos expostos pelo filósofo genebrino são dignos de ser re-estudados
em um mundo que se emoldura na globalização econômica, precisamente em uma
conjuntura histórica concreta, onde tudo parece indicar que essas situações
estão de fato na realidade imperante, em razão de que o fundamental na
globalização é outra escala de valores, onde precisamente a liberdade e a
igualdade não são elementos substanciais na liberação do ser humano como
ente social.
Reconhecemos, além disso, que a proposta
do Rousseau, ainda quando tenha tomado idéias de outros personagens como
Locke, Platão, Aristóteles, entre outros, não se pode negar que o que
construiu foi decisivo para o devir da humanidade, por aquilo queimaram
algumas de suas obras e foi banido pelos diversos governos que viram nas
propostas e críticas rousseaunianas, um atentado à autoridade e a sua
imagem diante do povo.
Bibliografia
Rousseau, J.J. Emilio ou da educação. Versão portuguesa, Ed. Bertrand Brasil,
Tradução de Sérgio Milliet. 1995
Sánchez Vázquez,
Adolfo. Rousseau en México,
Editorial Conejo, México D.F. 1994
Rousseau, Juan
Jacobo. El Contrato Social.
Editorial Linotipo, Bogotá, Colombia, 1979.
Rousseau, Juan
Jacobo. Emilio o de la
Educación. Versão española. Tomos 1 y II,
Editorial UNAM, México, D.F., México, 1981.
Rousseau,
Juan Jacobo. Discurso sobre el origen
y los fundamentos sobre la desigualdad entre los hombres. Edimat Libros
SA., Madrid, España, 2000.
Início
do documento
|