um breve olhar sobre o Eu em As confissões MARIA DE LOURDES DIONIZIO SANTOS mlourds@hotmail.com Mestranda em Estudos Literários pela Universidade Estadual Paulista UNESP – Campus de Araraquara
É pensando desse modo, que propomo-nos aqui, fazer uma breve relação entre As confissões de Rousseau e a narrativa poética. Observando a narrativa de sua obra, percebemos sê-la de uma poeticidade fascinante, cuja marca nos conduz a uma reflexão sobre o Eu-poético, presente em As confissões. Muito embora essa relação que pretendemos estabelecer seja apenas uma rápida apreciada (visto que os exemplos são inesgotáveis), em algumas passagens que ressaltam aos nossos olhos, nessa obra auto-biográfica. Sabendo-se que a narrativa poética é um gênero de discussão recente no meio literário – liderado por Tadié e M. Schneider entre outros – têm ocupado, de certa forma, as margens desse meio, podendo, contudo, ser aplicado à temática rousseauniana. Uma vez que Rousseau, desde os primórdios do Romantismo, faz da poesia a expressão do indivíduo, conferida em sua obra (As confissões, Diálogos e Devaneios), bem como traz o homem de forma dicotomizada pela sua atitude paradoxal – "razão-consciência". Essa dicotomia proposta por Rousseau leva o homem ao autoconhecimento. A consciência, sentimento interior, segundo Fúlvia Moretto, domina a razão e a obriga a agir pela sua interiorização subjetiva. Esse sentimento romântico, onde o conhecimento está centrado no eu presente em toda obra de Rousseau, especificamente em As confissões. A narrativa poética - de acordo Jean-Yves Tadié – é a forma narrativa que capta do poema os seus meios e os seus efeitos, considerando as técnicas pertinentes ao romance e ao poema, simultaneamente. Considerando essa definição de Tadié a respeito da narrativa poética, remetemos ao intuito formal do Romantismo ao se opor ao classicismo, quando, no seu afã da liberdade de expressão, lançou, pioneiramente, a poesia na forma narrativa. Aqui nos deparamos com o exemplo de Rousseau. Como acontece na narrativa poética, lugar de expressão lírica do autor, em que este se utiliza do tempo e do espaço para falar de si – uma forma de buscar o seu eu no mito narcísico – vamos encontrar em As confissões, um narrador-personagem eu faz um retorno à sua vida e nos lança a sua história romanceada e recria sua vida, perpetuando-a. Vejamos o nível de vaidade do narrador, já no início da Primeira Parte de As confissões: Somente eu. Conheço meu coração e conheço os homens. Não sou da mesma massa daqueles com quem lidei; ouso crer que não sou feito como os outros. Mesmo que não tenha maior mérito, pelo menos sou diferente. Se a natureza fez bem ou mal quando quebrou a fôrma em que me moldou, é o que poderão julgar somente depois que me tiverem lido" [ROUSSEAU. As confissões, Primeira Parte, p. 15] A propósito das lacunas da memória pode relembrar ainda, no início da Primeira Parte, das Confissões, é um fato que levou Rousseau a se apaixonar pela música: Rousseau, como um grande romântico, se interessa pela natureza humana. Nesse interesse, rompe o gênio que mantém aberto o canal EU e NÃO-EU. O romance poético é marcado, portanto, por uma narrativa pessoal, onde existe um EU rousseauniano muito grande. Esse é um fator que aproxima os gêneros Romantismo e Narrativa Poética. As confidências, peculiares ao lirismo – o eu-poético – são freqüentes em As confissões, como é constante a presença do narrador, contrapondo-se ao tempo, que é descontínuo e o momento axial – acontecimento importante espera para dar rumo às coisas, torna-se o ponto de retorno do personagem. A Narrativa Poética e o Romantismo rousseauniano estabelecem uma ligação estreitíssima entre o personagem e a paisagem. Na semântica espacial de As confissões, presenciamos o deslumbramento de Rousseau ao entrar em contato com o campo, experiência ainda não desfrutada por ele – que vivia preso aos cuidados dos parentes, e tomado pelos estudos e pela leitura: A simplicidade campestre da vida campestre me fez um bem inestimável ao abrir meu coração à amizade" [p. 23-24]. O espaço da narrativa poética, intervém na narração e determina os acontecimentos e o destino. É o que podemos conferir na seguinte passagem de As confissões, a propósito do amor que uniu seus pais: "Ambos ternos e sensíveis... O destino, que parecia contrariar-lhes a paixão,não fez senão alimentá-la". A obscura verdade que o espaço cotem é descoberta pelo caminho trilhado pelo personagem. Assim, a narrativa em As confissões perde em número de personagem, mas ganha em espaço, cujos lugares privilegiados constituem cenários favoritos e recorrentes. É o lugar das imagens. A mãe de Rousseau era sensata, virtuosa e linda; "a beleza de minha mãe, seu espírito, seus dons, atraíram-lhe homenagens". Essa é uma pequena amostra da possibilidade de um olhar sobre
a obra de Rousseau que poderia ser mais aprofundada de maneira minuciosa.
Contudo, não o faremos no momento por razões que não
caberia justifica-las aqui. Fica o desejo de retoma-lo numa outra oportunidade,
onde talvez o aprofundemos mais e possamos assim elucidar com mais exemplos
o nosso próximo estudo.
Bibliografia Citada: ROUSSEAU, Jean-Jacques. Rousseau. As confissões.Tradução por Wilson Louzada. Rio de Janeiro : Tecnoprint, 1965. (Clássicos de Bolso – Edições de Ouro – Águia de Ouro –AG 1219). Tradução de: Les confessions. SCHNEIDER, Marcel. Le roman poétique. La Revue de Paris, 1962. TADIÉ, Jean-Yves. Le récit poétique. Paris : Gal1imard, 1997. (Coletion Tel). |