Volta
O problema da legitimidade nos pensamentos políticos de Rousseau e de Nietzsche
Thiago Mota F.
Silva
Universidade
Federal do Ceará
- I -
Esta reflexão nasce de uma inquietação
em relação à leitura que faz Keith Ansell-Pearson do problema da
legitimidade política em Nietzsche. Ansell-Pearson, quiçá hoje o principal
intérprete em língua inglesa do Nietzsche político, parece ter chegado à
conclusão que Nietzsche não se deu conta da exigência imposta, sobretudo,
pelo pensamento moderno de se pensar a legitimidade do poder. Este parecer
pode ser encontrado tanto no trabalho panorânico de An introduction to
Nietzsche as political thinker como na abordagem mais densa de Nietzsche
contra Rousseau: a study of Nietzsche’s moral and political thought. Em
ambas as obras, Ansell-Pearson trabalha com a idéia de que Nietzsche omite
ou mesmo negligencia o problema da legitimidade, ou seja, seu pensamento
político seria deficitário em relação a este aspecto e, uma vez que tal
questão é central em política, essa deficiência de Nietzsche seria
imperdoável. Tal diagnóstico da filosofia política de Nietzsche, em minha
opinião, não pode ser subscrito sem restrições. Com efeito, parece que Ansell-Pearson
não foi capaz de captar o cerne da crítica de Nietzsche ao conceito de
legitimidade política, que é precisamente do que se trata aqui. Essa
crítica, entretanto, não pode ser pode ser compreendida sem que antes
efetuemos um esforço inicial de explicação e crítica, ainda que
preliminares, do filósofo moderno da legitimidade par excellence:
Jean-Jacques Rousseau.
- II –
Dentro da temática das origens em
Rousseau, a questão da origem do Estado é primordial. Rousseau, inserido no
capítulo central da filosofia política moderna que é o do contratualismo,
pensa que o Estado não é algo eterno, incriado, que deve ser sempre
pressuposto, mas algo que foi engendrado na história, isto é, o Estado tem
uma origem. Contrapondo-se à perspectiva do organicismo político, Rousseau
procura radicalizar o aspecto histórico da reflexão sobre o Estado. Nem
sempre os homens viveram em sociedade, organizados sob um Estado. Segundo a
hipótese histórico-filosófica rousseauniana, antes de ingressar na vida
gregária, o homem viveu isolado, em um estado de natureza. A teoria do
estado de natureza de Rousseau é a antropologia pressuposta em seu
pensamento político, com base nela podemos pensar a origem do Estado.
Façamos, portanto, uma breve incursão por ela.
Logo no início do Discurso sobre
a origem da desigualdade entre os homens, Rousseau escreve:
Sendo o
corpo o único instrumento que o homem selvagem conhece, é por ele empregado
de diversos modos, de que são incapazes, dada a falta de exercício, nossos
corpos, e foi nossa indústria que nos privou da força e da agilidade que a
necessidade obrigou o selvagem a adquirir. Se tivesse um machado, seu punho
romperia galhos tão resistentes? Se tivesse uma funda, lançaria com a mão,
com tanto vigor, uma pedra? Se possuísse uma escada, subiria a uma árvore
tão ligeiramente? Se tivesse um cavalo, seria tão veloz na corrida? Dai ao
homem civilizado o tempo de reunir todas essas máquinas à sua volta; não se
poderá duvidar que, com isso, sobrepassa, com facilidade, o homem selvagem.
Se quiserdes, porém, ver um combate mais ainda desigual, deixai-os nus e
desarmados uns defronte dos outros, e logo reconhecereis qual a vantagem de
sempre ter todas as forças à sua disposição, de sempre estar pronto para
qualquer eventualidade e de transportar-se, por assim dizer, sempre todo
inteiro consigo mesmo.
Faço desde já a menção de que este
trecho poderia estar dentre os escritos de Nietzsche, o que nos permitiria
ver “bigodes” em Rousseau. Essa é, sem dúvida, uma relação híbrida. Retornarei
a ela a seguir. Por ora, é suficiente guardá-la enquanto possibilidade.
Em uma palavra, pode-se dizer que
Rousseau faz nesta e em muitas outras passagens o elogio do homem selvagem.
Na contramão da concepção hobbesiana do homo homini lupus, que
justifica a instauração do Estado como um meio para nos livrarmos da guerra
de todos contra todos que é o estado de natureza, Rousseau pensa que a
sociedade é degenerada e degenerante, ou seja, é a sociedade que corrompe o
homem. Na natureza ele é mais sadio, mais forte, mais humano. E o é,
precisamente porque não depende de nada nem de ninguém além dele mesmo. A
natureza não engendra falsas necessidades, sempre que cria uma necessidade
provê o ser necessitado dos meios para supri-la. O homem é, portanto, naturalmente
autônomo, livre. A sociedade o encaminha no sentido da dependência e da
submissão.
Dependência e submissão: eis o
diagnóstico que Rousseau faz de seu tempo e que poderíamos também aplicar
ao nosso. Ante este diagnostico impõe-se a necessidade da revolução. O status
quo da época, o século XVIII, encontrava sua legitimação na teoria
teocrática do direito divino dos reis, expressão do absolutismo político. A
monarquia baseava sua legitimidade na concepção organicista de que o poder
é divino, a soberania é de Deus, o titular do poder é o criador, que ao
criar o mundo organizou todas as coisas em seus devidos lugares e delegou o
exercício do poder a seu representante direito, o monarca. Este detém o
poder devido à ascendência divina e o exerce conforme os desígnios de Deus.
O absolutismo era a base de legitimação do Estado da época e, portanto, era
a partir de uma crítica incisiva a essa argumentação que se iniciaria a
mudança do status quo. Rousseau avocou-se essa tarefa.
O contrato social delineia-se neste horizonte.
Problema urgente ali é instaurar uma nova teoria da legitimidade. Rousseau
parte em busca de um novo fundamento do poder político. Para embasar esta
afirmação é suficiente que se cite algumas passagens do Livro I obra há
pouco referida: “Quero indagar se pode existir, na ordem civil, alguma
regra de administração legítima e segura, tomando os homens como são e as
lei como podem ser”. Mais a frente: “O homem nasce livre, e por toda a
parte encontra-se a ferros. O que se crê senhor dos demais, não deixa de
ser mais escravo do que eles. Como adveio tal mudança? Ignoro-o. Que poderá
legitimá-la? Creio poder resolver esta questão”. E, para chegar a meu
ponto, a diante, ele escreve: “‘Encontrar uma forma de associação que
defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com toda a força
comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece a si mesmo,
permanecendo assim tão livre quanto era antes. Esse, o problema fundamental
cuja solução o contrato social oferece’”. Em outras palavras, a
legitimidade é o problema central do projeto filosófico definido pel’O
contrato social, o contrato mesmo é aí o fundamento da legitimidade da
constituição do corpo político e, conseqüentemente, do exercício do poder.
Tal contrato é definido nos termos de uma união em que cada um unindo-se a
todos só obedece a si mesmo, restando, portanto, garantida a liberdade de
todos.
Bem entendido, o contrato social
repousa sobre a enigmática noção de vontade geral, da qual não poderemos
fazer mais que um breve comentário. Segundo Rousseau, “A primeira e a mais
importante conseqüência decorrente dos princípios até aqui estabelecidos é
que só a vontade geral pode dirigir as forças do Estado de acordo com a
finalidade de sua instituição que é o bem comum”. Portanto, a legitimidade
do próprio pacto tem de ser pensada a partir da vontade geral, que é
remetida ao bem comum. Digo enigmática a vontade geral porque não se pode
chegar a uma definição inteiramente racional, “matemática” dessa noção. Não
se trata de simples concordância, de mero somatório, ainda que ponderado,
das vontades particulares. Isto porque as vontades particulares se mostram
inúmeras vezes antagônicas, existem antinomias entre elas, entretanto,
nenhuma dessas vontades pode ser inteiramente suprimida, sob pena de pôr-se
a perder alguma liberdade particular, o que acarretaria a dissolução do
caráter geral da vontade geral, isto é, uma contradição em termos. Esse
antagonismo das vontades foi o que levou Rousseau à formulação enigmática,
incompatível uma logicidade matemática, entretanto, não de todo
impraticável. Se pudermos ver novamente aqui “bigodes” em Rousseau,
poderíamos dizer que enquanto vontade a idéia de vontade geral não precisa
se comprometer com essa espécie de racionalidade e, a despeito disso, manter-se
válida enquanto fundamento da legitimidade.
Com a reflexão de Rousseau, impõe-se
uma exigência crucial à filosofia política, que define todo o panorama
desse tipo de pensamento desde então: o cerne da reflexão política é a
teoria da legitimidade do poder político, toda investigação em política
deve ter como fim último o estabelecimento de certos critérios de
legitimidade, princípios legitimantes, que, presentes, fazem com que o
poder se legitime e, ausentes, fazem com que o poder perca sua legitimidade
e se torne mero arbítrio, força bruta. Esta relação entre poder, força e
legitimidade dá o mote para o movimento que se desenvolve a seguir, acerca
do problema da legitimidade no pensamento político de Nietzsche.
- III –
Um capítulo Do contrato social interessa
particularmente à relação que tentamos vislumbrar entre Rousseau e
Nietzsche: aquele intitulado “Do direito do mais forte”. Para Rousseau, a
teoria do direito como força é ilegítima por natureza, obsta mesmo a
questão da legitimidade. Assumi-la, portanto, significaria deixar de lado
aquilo que é o cerne da reflexão política: a legitimidade. Para Rousseau,
esta teoria faz o efeito, a força, tomar o lugar da causa, o direito.
Definido como força, o direito é sempre ilegítimo e, por conseguinte,
legítimo passa a ser desobedecer os comandos desse direito. O direito que é
força, paradoxalmente, não tem força, pois é ilegítimo. A confusão resulta
da inversão da ordem dos termos, da troca da causa pelo efeito. Daí que
Rousseau conclua: “Convenhamos, pois, em que a força não faz o direito e
que só se é obrigado a obedecer poderes legítimos”.
Essa discussão ficaria no ponto em
que Rousseau a deixou se fosse possível destituir algum poder por meio de
uma intervenção teórica, simplesmente denunciando uma infração ao princípio
de causalidade. Infelizmente, a prática, a realidade histórica, não se
mostra dessa maneira. Nesse contexto, o realismo político de Nietzsche e
sua articulação da teoria do direito como força pode nos ajudar a
esclarecer essa situação. É neste ponto que a divergência entre as
reflexões políticas de Nietzsche e de Rousseau se faz sentir com toda a
intensidade.
Uma idéia fundamental de Nietzsche,
que nos permite entrever como a questão da legitimidade surge em seu
pensamento, é a de que a humanidade transita, na história, não da barbárie
à civilização, mas de barbárie em barbárie, de dominação em dominação, de
tirania em tirania, sem que esta sucessão de crueldades possa ser rompida,
pois é, em última instância, o próprio modo de ser do mundo enquanto
vontade de poder.
Com isto, pode-se perceber que no
Nietzsche político há uma sutileza que inviabiliza seu enquadramento entre
políticos de direita ou de esquerda. Nietzsche não pode ser considerado
conservador, reacionário ou conformista, isto é, de direita – e direita
aqui é uma palavra para a situação, para o governo, para aqueles que
atualmente estão na direção do Estado e que, portanto, se contrapõe à
esquerda, que seria a oposição, aqueles que pretendem tomar o poder, seja
por vias institucionais e pacíficas (reformistas) ou revolucionárias e
violentas. Não se pode dizer que Nietzsche é de direita sem levantar graves
problemas, uma vez que ele rejeita a exigência da direita de negar o
caráter violento de seu exercício do poder – violência que está, de um modo
ou de outro, em todo exercício de poder. À direita interessa dizer que em
seu poder não há violência nem força, que sua dominação não é uma
dominação, e tem nisto, na dissimulação, sua principal estratégia para
perpetuar-se no poder. Na medida em que a ideologia de direita é
assimilada, a dominação pode ser efetivada de modo tranqüilo e pacífico,
especialmente para a própria direita. Eis um aspecto fundamental do
refinamento da vontade de poder: quando se retira de uma força seu caráter
de força (poder, violência, dominação, barbárie, tirania), o que é criado
não é uma força sem força – o que seria um evidente absurdo –, mas uma
força que tem força absoluta, poder absoluto, precisamente porque se
desconsidera seu caráter de força, porque esse seu caráter não se revela,
mas é dissimulado.
De outro lado, Nietzsche não pode
ser encarado como um vermelho. Com efeito, existe em Nietzsche uma repulsa
aos movimentos de esquerda, o que já é o suficiente para não enquadrá-lo na
sinistra. A crítica de Nietzsche às esquerdas atinge sua base, qual
seja a idéia de que é possível a efetivação de um status quo em que
já não haja violência, dominação, barbárie, tirania, poder, força. Toda
esquerda, tanto a reformista quanto a revolucionária, mas em especial esta
última, baseia sua estratégia de tomada do poder em uma crítica do atual
estado de dominação e violência que se articula como uma promessa, a utopia
de um mundo onde já não haverá violência, exploração ou força, um mundo de
liberdade. Eis a sutileza do modo esquerdista de exercer a dominação:
enquanto a direita, como pressuposto de sua dominação, nega a existência da
dominação atual; a esquerda afirma criticamente a dominação presente,
condena e se contrapõe, portanto, à direita, mas ao mesmo tempo afirma a
não dominação futura e, com base nesta utopia, exerce uma dominação
presente.
Do ponto de vista de Nietzsche,
pode-se criticar a direita, pois ela, em nome de sua dominação presente,
nega que haja dominação atual; mas pode-se criticar também a esquerda, uma
vez que ela, apesar de criticar a dominação presente exercida pela direta,
justifica sua forma de dominação atual com a promessa de uma não dominação
futura. Numa palavra, uns dominam afirmando a não dominação presente;
outros dominam, de modo mais sutil, afirmando a não dominação futura. Todos
dominam e dissimulam a dominação; nenhum exerce a força como força. Aí é
importante lembrar que Nietzsche afirma na Genealogia da moral que
“exigir da força que não se expresse como força, que não seja um
querer-dominar, um querer-vencer, um querer-subjugar, uma sede de inimigos,
resistências e triunfos, é tão absurdo quanto exigir da fraqueza que se
expresse como força”. Ora, essa exigência de que a força não se manifeste
como força é a exigência da modernidade em relação a toda teoria e práxis
política, é a exigência de que todo pensamento político se articule com
base em uma hipótese de legitimação. Desse modo, na modernidade, as teorias
da legitimidade estão no cerne do pensamento político. Direita e esquerda
se legitimam na medida exata em que obliteram o caráter violento de suas
formas de dominação presentes ou futuras; esquerda e direita expressam a
força como se não fosse força, como se fosse força legítima; e legítima é a
força sem força porque é força absoluta.
Mas se Nietzsche não é direita nem
de esquerda, que diabos ele há de ser? Essa questão é, antes, a questão da
legitimidade em Nietzsche. Ouso dizer que se Nietzsche não desenvolve em
momento algum de sua reflexão política uma noção de legitimidade, como bem
notou Ansell-Pearson, isso não se deve ao desconhecimento da problemática,
à sua incapacidade de tratar da questão nem a um inocente esquecimento. Não
se trata de uma omissão ou negligência, mas de uma tomada consciente de
posição. Me parece que a não articulação de uma teoria da legitimidade em
Nietzsche é algo deliberado e tem uma função no âmbito de seu pensamento
político. Na medida em que Nietzsche pretende articular sua política a
partir do conceito de vontade de poder, ele não poderia desenvolver uma
teoria da legitimidade. Nada é mais contrário a uma teoria da legitimidade
do que o conceito de vontade de poder. Uma política que se articule
coerentemente com a doutrina da vontade de poder somente pode ser uma
política que subverte a questão da legitimidade, ou mesmo, uma política sem
legitimidade, ao menos nos termos em que esta foi concebida pela tradição
moderna.
Mas se o problema da legitimidade
não tem muito sentido no pensamento político nietzschiano, em que sentido
ele pode, ao contrário de ser reacionário, propor uma mudança, uma
transformação, certamente não uma revolução, mas uma transvaloração do
valores e do mundo? O que haveria neste mundo transvalorado de que
Nietzsche fala e que seria preferível em relação ao mundo atual? O que
haveria de mais “legítimo” neste mundo transvalorado, se não são dele
eliminadas a violência, a barbárie, a dominação, a tirania, o poder nem a
força, mas são perpetuadas de algum modo mais refinado? Para Nietzsche, o
que há de doente nos políticos sejam de esquerda, sejam de direita, é a
dissimulação, é o exercício do poder como se este não fosse poder, é o
exercício da força como fraqueza: eis a doença do homem moderno. A fraqueza feita força é um refinamento
sublime da crueldade, porém é também a maior de todas as doenças. A força
que para se exercer se dissimula em fraqueza, se espiritualiza, se refina,
a força que se fez fraqueza é uma força doente, é fraca.
O que Nietzsche propõe, o mundo
transvalorado, esta sua “utopia”, o novo estado da grande política, dos
tiranos artistas, dos filósofos legisladores, a aristocracia do espírito
não é um estado mais legítimo que o atual, no sentido em que é somente um
refinamento da crueldade. O que este novo Estado tem de desejável é,
simplesmente, o fato de que nele a força já não se dissimula, não se
disfarça, não se mascara, não é obliterada em nome de seu próprio
exercício, mas exerce-se como tal, como força, como dominação, violência,
barbárie, tirania, poder, crueldade. No novo Estado, a força é e pode ser
forte e, assim, se amplia. Portanto, no novo Estado, a força tem a
legitimidade de se exercer como força e de assim se expressar, sem ter mais
de recorrer a subterfúgios, ainda que novos refinamentos sejam promovidos
no lugar onde, no Estado anterior, haviam-se esgotado. Em uma palavra, o
mundo transvalorado é a “utopia” de Nietzsche porque nele a força se exerce
como força, eis sua legitimidade.
Assim, a concepção de legitimidade
de Nietzsche é a de que legítimo é o Estado em que a força se exerce como
força. Eis aí o paradoxo fundamental do Nietzsche político: pois o
exercício da força como força não pode ser pensado como legitimidade, uma
vez que, por definição, legítimo é o não violento, a não dominação, a não
barbárie, a não tirania, a não crueldade, o não poder, a fraqueza. A uma
eventual objeção de que lhe falta uma teoria da legitimidade, parece-me,
que Nietzsche rebateria com um dar com os ombros e com uma pergunta entre
os dentes: que tenho eu com teorias da legitimidade, que temos nós com legitimações?
Entretanto, como disse,
esse ataque de Nietzsche não significa necessariamente uma eliminação do
problema da legitimidade, mas sua subversão. A questão da legitimidade é,
assim, reposta em outros termos. O que se elimina é a pretensão de
legitimação racional do poder, interdita-se a teoria racional da
legitimidade. E aqui o Rousseau de bigodes vem em nosso auxílio. Pois, se
pudéssemos enfatizar na vontade geral seu caráter de vontade, afirmativo,
impositivo, desfazendo-se de seu aspecto geral, consensual, negador de
todos os antagonismos, talvez fosse possível com isso galgar um novo
conceito de legitimidade, onde legítima é a expressão da força, da vontade
e ilegítimo é tudo aquilo que pretende embargá-la. Essa legitimidade da
vontade, dos antagonismos seria, então, uma teoria agonística da
legitimidade. Resta saber se há vontade para tanto, se poderíamos querer no
nosso presente, colonizado e escravizado o aristocratismo nietzschiano da
vontade.
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