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Universidades, Fapesp e órgãos públicos lançam projetos para pesquisas voltadas a pessoas com deficiência

Edital vai oferecer apoio financeiro de R$ 100 mil a R$ 500 mil para a realização de projetos de pesquisa por dois anos; inscrições vão até 30 de setembro

As três universidades públicas do Estado de São Paulo – Unicamp, Universidade de São Papulo (USP) e Universidade Estadual Paulista (Unesp) – e a Secretaria Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SEDPCD) lançam, nesta quarta-feira (14), dois grandes projetos voltados para a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias assistivas.

O primeiro deles é um edital conjunto, inédito, produzido pelas três universidades e que vai financiar a pesquisa científica para o desenvolvimento de produtos, equipamentos e dispositivos capazes de promover a inclusão com o objetivo de melhorar a qualidade de vida de pessoas com deficiência.

O segundo é a recente entrada em operação de órgãos voltados à pesquisa sobre acessibilidade, os Centros de Ciência para o Desenvolvimento (CCDs) – uma parceria da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) com universidades, secretarias de Estado e instituições de pesquisas.

O edital envolvendo Unicamp, USP e Unesp vai oferecer apoio financeiro de R$ 100 mil a R$ 500 mil para a realização de projetos de pesquisa por dois anos a docentes e pesquisadores que atuem nas áreas de produção científica, bibliográfica, tecnológica, artístico cultural e didática ou em atividades de extensão.

O assessor do Gabinete do Reitor Roberto Donato:  vocação multidisciplinar
O assessor do Gabinete do Reitor Roberto Donato: propostas das mais diferentes naturezas

A Unicamp e a Unesp devem alocar R$ 2,5 milhões cada para o financiamento de projetos. A USP, por sua vez, deverá reservar R$ 5 milhões.

“Esse lançamento é um marco histórico, pelo conjunto de articulações institucionais que propõe”, disse Roberto Donato, assessor docente do Gabinete do Reitor da Unicamp. Segundo Donato, o projeto “tem uma vocação multidisciplinar, sem fechar-se para nenhuma das áreas, e a capacidade de ouvir e acolher propostas das mais diferentes naturezas”.

Além disso, lembra o assessor docente, o edital prevê que as equipes de pesquisadores sejam compostas por, no mínimo, dois docentes do quadro permanente da instituição proponente e mais dois das outras duas instituições, promovendo, assim, uma integração entre as universidades.

Angela Lucas, assessora docente da Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) da Unicamp, lembra que o edital pretende abranger todas as áreas do conhecimento – humanas, exatas, biológicas – e, assim, permitir a realização de pesquisas em múltiplos setores, como educação, políticas públicas, questões de saúde, engenharias, desenvolvimento de produtos. “Temos hoje a questão do envelhecimento, a formação de cuidadores, a inclusão de crianças, a entrada e a permanência no mercado de trabalho. Ou seja, trata-se de um universo muito amplo”, disse a professora.

A ideia, segundo ela, é que o edital possa provocar o surgimento de novos grupos de pesquisa, em áreas ainda não abertas ou pouco consolidadas. “Com esse edital, a gente pretende incentivar as pessoas que estudam esses diversos temas a trabalhar, também, a partir do ponto de vista da inclusão”, explica.

O período de inscrição para o edital encerra-se no dia 30 de setembro.

O professor José Mario De Martino, da Feec: tradução automática da Libras para o português e vice-versa
O professor José Mario De Martino, da Feec: tradução automática da Libras para o português e vice-versa

Centros de Ciência

Há pouco mais de um mês, a Fapesp anunciou a formação de CCDs em parceria com universidades, secretarias de Estado, instituições de pesquisa e outros órgãos governamentais. Entre os centros voltados para pesquisa e desenvolvimento de tecnologias assistivas e acessibilidade, dois vão funcionar na Unicamp – um que envolve a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e outro que prevê a criação de materiais para atender ao aluno surdo.

O primeiro recebeu o nome de Centro de Ciência para o Desenvolvimento/Tecnologia Assistiva e Acessibilidade em Libras (CCD/Taal) e contará com a coordenação do professor José Mario De Martino, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec) da Unicamp.

O foco desse CCD, afirma De Martino, é criar abordagens visando à tradução automática da Libras para o português e vice-versa, explorando técnicas de inteligência artificial (IA).

O CCD/Taal deve desenvolver pesquisas também para o reconhecimento da Libras em imagem e vídeo e subsequente tradução para texto em português, assim como traduzir textos em português para Libras, com a apresentação do resultado da tradução por meio de avatares realistas, que sejam capazes de reproduzir os movimentos humanos, com grande fidelidade.

Para tornar os movimentos o mais naturais possível, o grupo do professor De Martino vai usar imagens produzidas nos estúdios do Laboratório Galileu, na Unicamp, onde intérpretes serão fotografados e filmados em uma roupa especial, na qual serão instalados 63 marcadores.

Além de câmeras de vídeo tradicionais, o sistema de captura de movimento conta com nove câmaras especiais, que emitem luz infravermelha e registram a movimentação dos marcadores fixados no corpo do intérprete. Essas imagens e dados serão usados na composição e animação do avatar. Pretende-se assim, conta o professor, reproduzir com grande fidelidade o movimento de mãos, dedos, punhos, braços e tronco, além de expressões faciais, durante o processo de sinalização em Libras.

Podendo vir a ser usado por órgãos públicos – como sites oficiais de secretarias e órgãos do governo –, o sistema de tradução automática da Libras também oferecerá outros usos, na avaliação de De Martino.

“Isso poderia ser usado em consultas médicas, por exemplo, para garantir a prerrogativa de confidencialidade da relação médico-paciente [ao dispensar a contratação de um tradutor]”, diz o professor. “O sistema também vai permitir a tradução de livros, o que poderá ser importantíssimo para os surdos, já que a Libras é a língua de conforto dessas pessoas.”

O CCD/Taal está em fase de implantação. De Martino afirmou que o grupo de pesquisa vai contar com um total de nove professores e uma equipe de 34 bolsistas, contemplando iniciação científica, mestrado, doutorado, pós-doutorado e capacitação técnica.

O professor trabalha com computação gráfica e animação facial associadas à síntese de língua de sinais desde 2007, mas disse estar vivendo um momento especial com esse projeto. “Esse trabalho de pesquisa é muito mais que um trabalho. É a gratificante batalha para a realização de um sonho”, revela.

O centro contará com pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

A linguista Ivani Rodrigues Silva, professora da FCM: centro criado para desenvolver materiais didáticos acessíveis de ensino da língua portuguesa para estudantes surdos
A linguista Ivani Rodrigues Silva, professora da FCM: centro criado para desenvolver materiais didáticos acessíveis de ensino da língua portuguesa para estudantes surdos

Tecnologia assistiva

O segundo CCD em implantação na Unicamp deverá trabalhar no desenvolvimento de tecnologia assistiva para a educação bilíngue de surdos (Taebs).

Coordenado pela linguista Ivani Rodrigues Silva, professora do Departamento de Desenvolvimento Humano e Reabilitação (DDHR) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), o centro foi criado para desenvolver materiais didáticos acessíveis de ensino da língua portuguesa para estudantes surdos, com vistas ao aprendizado bilíngue.

Segundo esse modelo, considera-se a Libras uma língua de interação e instrução e o português escrito, uma segunda língua. De acordo com a professora, o projeto terá como foco estudantes do sexto ao novo ano. Rodrigues conta que o projeto será executado com o apoio da Secretaria de Educação de Campinas.

Na rede municipal, serão feitas coleta de informações e uma análise de documentos sobre o atendimento a esse grupo, além de traçar o perfil de estudantes, professores e gestores. Haverá, ainda, um levantamento sobre as demandas das escolas. Essa fase deverá durar seis meses e vai formar a base para o processo de construção dos equipamentos. Em seguida, o programa passará para o estágio de formação dos profissionais das escolas.

A professora afirma que o estudante surdo acaba não tendo o desenvolvimento adequado porque nem fala e nem lê português. Por isso, diz ela, esse aluno precisa de um trabalho diferenciado.

“Para nós, ouvintes, o português é a língua materna. Entramos na escola para aprender a ler e a escrever. Para o surdo, no entanto, o processo é mais complexo, porque ele não fala a língua portuguesa. Ele entra na escola para aprender a ler e a escrever e para aprender essa outra língua, que é a portuguesa, que ele não domina”, argumenta. “Por conta disso, muitas vezes, o surdo acaba fracassando em sua escolaridade.”

Segundo a professora, os surdos, em geral, começam a ser alfabetizados no sexto ano e neste ponto inicia-se um grande gargalo.

“O professor teria de passar a conhecer a língua que o surdo usa para poder ensinar a ele essa outra língua. E esse é o grande problema, porque até agora não há materiais específicos para surdo. Eles continuam na escola, mas com tendência ao fracasso porque usam o mesmo material do estudante ouvinte”, argumenta. “Por isso, a gente quase não vê surdo na universidade. Em geral, ele termina o ensino médio e para por aí”, conta a professora, que acredita no poder transformador do projeto. “A gente aposta que um projeto como esse pode transformar a vida do estudante.”

Além de membros da Unicamp, o centro vai contar com profissionais da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal do ABC (UFABC) e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

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