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Em audiências públicas, Unicamp discutirá cotas para pessoas trans

O evento será no próximo dia 25, às 13h, no auditório 5 da FCM; o segundo encontro está agendado para dia 22 de outubro

Painel exibido durante evento ocorrido no Teatro de Arena em 2022
Painel exibido durante evento sobre transexualidade na Unicamp

Nesta quarta-feira, dia 25 de setembro, a Unicamp realizará a primeira de duas audiências públicas para discutir a implantação de cotas para pessoas transgênero em seu Vestibular. O evento, que terá início às 13h, será realizado no auditório 5 da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade, e é aberto para todas as pessoas interessadas em debater com a comunidade acadêmica os pontos que justificam a necessidade de se criar no Brasil uma política institucional de ações afirmativas para a população trans. A segunda audiência ocorrerá no dia 22 de outubro.

A organização do encontro coube a um grupo de trabalho (GT) instituído em maio de 2024 com o intuito de estudar a questão na Unicamp. Esse grupo surgiu a partir de demandas surgidas durante a greve estudantil do ano passado e teve como primeiro objetivo fazer um levantamento das políticas a respeito já existentes em outras universidades brasileiras.

Com base nesses dados, o grupo trabalha atualmente na elaboração de uma proposta que seja viável tanto para a Universidade quanto para o movimento trans, seguindo uma tendência já observada em outras universidades, como a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a Universidade Federal Fluminense (UFF), a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA). 

De acordo com o diretor da Comissão Permanente para os Vestibulares (Comvest) da Unicamp, José Alves de Freitas Neto, responsável por coordenar o grupo de trabalho, o documento a ser encaminhado irá propor que a seleção seja feita a partir do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Isso contempla as demandas do Núcleo de Consciência Trans (NCT) da Unicamp, que integra o GT e está organizando as audiências públicas. “O objetivo dessas audiências é dar visibilidade e lugar de fala para as pessoas trans. É muito importante ouvir as demandas das pessoas que serão potencialmente atendidas por essa política e sinalizar que existe um futuro e um horizonte para elas dentro das universidades”, afirma o docente. 

As audiências públicas pretendem proporcionar um primeiro diálogo sobre o tema com o público. Após essas discussões, a intenção do GT é levar esse debate para os departamentos da Unicamp, permitindo que a comunidade interna entenda o que está sendo proposto.

O diretor da Comvest, José Alves de Freitas Neto, responsável por coordenar o grupo de trabalho: proposta de seleção a partir do Enem

Ao final desse processo, o documento produzido pelo grupo de trabalho será levado para votação no Conselho Universitário (Consu). “Isso tudo é parte de fazer com que a comunidade esteja pronta, com informação qualificada e, portanto, o mais livre possível de preconceitos, sobre o que a gente vem fazendo com esse grupo de trabalho”, explica a professora de antropologia da Unicamp Regina Facchini, que colaborou com as discussões do grupo.

A minuta atualmente em fase de finalização baseou-se nas nove alternativas de cotas já instauradas em universidades públicas federais para discutir tanto o acesso quanto a permanência de pessoas trans na Unicamp.

Além de integrantes da Comvest, estão envolvidos na elaboração do documento intelectuais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), do Pagu – Núcleo de Estudos de Gênero, do Núcleo de Consciência Trans (NCT) e do Gabinete do Reitor, além da Comissão de Gênero e Sexualidade da Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DeDH). “Esse foi um trabalho bem denso, voluntário e de construção coletiva de uma política que busca abraçar a comunidade trans do Brasil”, comenta a discente Solluá Borges de Souza.

Mais informações sobre as audiências podem ser obtidas no perfil do Instagram do Núcleo de Consciência Trans: @nct_unicamp.

Roda de Conversa com a deputada Erica Malunguinho
Roda de Conversa com a deputada Erica Malunguinho
Encontro aconteceu no Teatro de Arena, em maio de 2022
Encontro aconteceu no Teatro de Arena, em maio de 2022
Acesso à educação

A demanda pela criação de cotas para a população transgênero na Unicamp advém do reconhecimento de que há um processo social e histórico de construção de desigualdades em relação a essa comunidade. De acordo com Souza, que cursa o doutorado em antropologia, há um histórico no Brasil atravessado por algumas perspectivas quando se fala em pessoas trans. A primeira delas seria o fato de esses corpos estarem submetidos a uma violência que extrapola os níveis de humanidade. A segunda está na ausência de representatividade midiática de pessoas trans vivendo vidas possíveis. E a terceira está na relação entre prazer e perigo, que torna os corpos de travestis ora algo perigoso, ora algo prazeroso.

Além disso, apesar de haver diversos avanços legislativos em relação aos direitos de pessoas LGBTQIAP+, como o acesso ao nome social no Enem e nos concursos públicos, esses dizem respeito a conquistas advindas por meio de instâncias como o Conselho Nacional de Justiça ou o Superior Tribunal Federal (STJ) e nunca por meio da proatividade do governo constitutivo legislativo. Percebe-se, assim, que há uma inércia muito grande no Brasil quanto à proteção dos direitos dessa população e uma ausência de leis que amparem suas demandas. “Esse também é um fator a ser levado em consideração quando a gente pensa na adoção das cotas”, afirma Souza.

“A gente está falando do histórico de pessoas que desde o início da adolescência tiveram que sair de casa por abandono familiar, que passaram por violências envolvendo a sociabilidade na escola. Então há muitos corpos trans que nem terminam o ensino médio. Quando a gente fala de acesso à universidade, trata-se de um percentual ainda muito pequeno de pessoas que vão conseguir, mas essas pessoas ainda têm que ter o direito de acessar. A gente está tentando equilibrar essa balança desigual entre as pessoas que não vivem essa realidade e essa população que está extremamente estigmatizada”, esclarece.

Luara Souza, cofundadora do NCT
Solluá Borges de Souza: inércia quanto à proteção dos direitos

Vale ressaltar que a política de ação afirmativa elaborada atualmente não envolve apenas o acesso à universidade, mas também programas de permanência de forma a permitir aos alunos ingressantes concluírem seus cursos.

Devido ao histórico de expulsão do seio familiar, pessoas trans e travestis precisam desde cedo buscar alternativas de geração de renda para conseguir sobreviver sem o apoio dos pais, sobretudo no ambiente universitário. Por esse motivo, a estudante de graduação Luara Souza lembra que falar sobre ações afirmativas para pessoas trans envolve falar sobre acesso à moradia universitária e a uma alimentação de qualidade, bem como a programas de acompanhamento com psicólogos e psiquiatras.

“Essa pauta também é muito simbólica. Que a gente possa, também, ter um acompanhamento contínuo e não apenas nos momentos extremos, quando se fala de suicídio ou quando se fala no extremo da violência que opera nesses corpos”, lembra Luara Souza, que é cofundadora do NCT. “É muito importante que essas políticas de permanência sejam efetivadas. A Unicamp, nesse sentido, tem alguns caminhos a serem traçados. Hoje em dia a gente ainda não tem um cenário condicionante para essa permanência fluir, para que esses corpos consigam permanecer na universidade.”

De outra perspectiva, a professora Isadora Lins França, do Departamento de Antropologia do IFCH, afirma que a implementação de cotas não é importante apenas para a população transgênero, mas para toda a Universidade, que ganha com uma maior diversidade em seu quadro de alunos e de pesquisadores. França lembra que a Unicamp já possui modelos de cotas para pessoas trans em vários programas de pós-graduação, o que já possibilitou constatar a diferença que a presença delas faz na comunidade e na produção de um conhecimento mais afinado com as questões da sociedade.

“A gente acredita que, quanto mais diversa a comunidade universitária, melhor é o conhecimento que a gente tem condições de produzir. As pessoas trans, quando entram na universidade, entram com outras perspectivas, trazendo outras bibliografias, renovando os diálogos que a gente tem no âmbito do conhecimento acadêmico”, observa. “Assim como as cotas étnico-raciais, assim como o Vestibular Indígena, assim como as cotas para pessoas com deficiência, essas são todas políticas que tornam mais diverso e plural o nosso ambiente acadêmico.”

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