Os cursinhos pré-vestibular e pré-vestibulinho do Programa de Extensão Colmeias da Unicamp, em parceria com a rede Indigenistas Associados (INA), ampliaram o número de aulas online oferecidas a indígenas candidatos ao Concurso Público Nacional Unificado (CPNU). O objetivo é preparar os alunos desse cursinho, membros dos povos originários, de maneira virtual e gratuita, para preencher as vagas do concurso reservadas a essa população, facilitando o acesso desses candidatos a cargos públicos.
Neste ano, no Colmeias, são 813 inscritos de 16 etnias que, durante dois meses, podem frequentar, no período noturno, as aulas com foco em conteúdos do ensino médio. Das vagas gerais de um dos critérios de contratação do concurso, 30% são destinadas aos povos indígenas na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Além das matérias tradicionais, entre as quais português, matemática e direito, serão tratadas matérias sobre atualidades, como por exemplo, temas da realidade brasileira e a emergência climática.
Josely Rimoli, coordenadora do Colmeias e docente da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira, relata que a formação desses candidatos indígenas visa fazer com que um percentual das vagas de concurso público sejam ocupadas por pessoas dos territórios indígenas. “Nossa missão é fazer com que os indígenas que estão aldeados passem no concurso e continuem nas comunidades, pois eles conhecem a cultura e as singularidades das populações indígenas.”
Para a professora, há desafios que precisam ser vencidos a fim de se alcançar esse objetivo. Um deles, oferecer condições de acesso ao estudo virtual. “A educação é um direito. É muito mais difícil de ela chegar às comunidades tradicionais e de vulnerabilidade social. Os estudantes indígenas têm dificuldade de acesso. Muitas vezes não dispõem de sinal [de celular] ou usam uma rede com capacidade de conexão limitada. Procuramos firmar convênios com escolas que possam dar acesso a equipamentos e à internet”, explica. Outra barreira é a falta de equipamentos de informática para os que estudam por esse meio. “Nós sabemos que a concorrência do concurso é alta. Queremos estimular os inscritos a gostarem de estudar e terem informações sobre o concurso. Quem permanecer pode fazer também os cursos pré-vestibulares do Colmeias”, complementa a coordenadora.
Nesses desafios, a parceria com a INA, um grupo de servidores da Funai que desde 2017 atua pela defesa dos direitos dos povos indígenas e sua inserção em cargos públicos, entra em ação oferecendo apoio tanto no que diz respeito a informações sobre o concurso e aos procedimentos de inscrição quanto ao fornecimento de materiais didáticos digitais e de auxílio financeiro para os candidatos do Colmeias conseguirem chegar aos locais de prova. Serão ofertadas, aos candidatos que solicitarem, bolsas-auxílio para o deslocamento e até mesmo para hospedagem em regiões mais próximas dos locais de prova, no valor de R$ 300 por candidato. O dinheiro está sendo arrecadado pela INA por meio de uma vakinha. “Com o concurso do CNPU, surgiu a necessidade de ajudar os candidatos indígenas. Essa foi uma demanda deles mesmos.”
“Muitos jovens, principalmente na Amazônia, têm dificuldade de entender o que é um cargo de servidor público, como é a prova, como estudar e como realizar a inscrição, visto que o concurso é todo informatizado. Uma ferramenta simples pra nós pode ser muito complexa para os indígenas”, explica João Kafa, secretário da INA e especialista da Funai em indigenismo desde 2010. A colaboração com o Colmeias surgiu dessa necessidade de vencer os desafios, principalmente os de deslocamento. “Não adianta nada a gente auxiliar na inscrição e ajudar nos estudos, para que estejam preparados, se eles não conseguirem chegar ao local de prova”, afirma.
Outra estratégia de ajuda, segundo o secretário, passa por complementar o material didático disponibilizado aos professores do Colmeias. A INA tem acesso à plataforma do Instituto Conhecimento Liberta (ICL) quando se trata do tema dos direitos indígenas, área coordenada pela procuradora da Funai Carolina Augusta de Mendonça Rodrigues dos Santos, e do tema das realidades brasileiras. Ambos os temas são objeto da prova do concurso. Além disso, o instituto conta com a plataforma gratuita Aprova +, do governo do Estado do Maranhão, para apoio didático aos concurseiros.
Desafio positivo
São 17 estudantes, entre graduandos e pós-graduandos da Unicamp, e seis monitores a participar das aulas, a dar apoio no ambiente virtual, a registrar a frequência dos alunos e a responder suas perguntas. Todos os professores recebem bolsa-auxílio do programa de extensão da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (Proec). Já os monitores contam com bolsas de auxílio do Serviço de Apoio ao Estudante (SAE).
Kellen Natalice Vilharva, da etnia Guarani-Kaiowá, da aldeia de Jaguapiru em Dourados (MS), é doutoranda em Clínica Médica na Unicamp e professora do Colmeias. Agora, além de atender as turmas do pré-vestibular online na disciplina Rodas de Conversa, Vilharva presta atendimento aos concurseiros indígenas do CNPU. Para a professora, a reserva de vagas a esses povos e a ampliação dos grupos atendidos pelo Colmeias é um desafio positivo, assim como a parceria com a INA. “Essas vagas de cotas indígenas são uma conquista, um marco na história do Brasil para nós, povos originários. Isso é desafiador, mas é muito bonito esse movimento dos indigenistas, das pessoas que estão ajudando os candidatos indígenas do concurso. Agora, o Colmeias, que já fazia diferença na vida dos vestibulandos indígenas, faz diferença na vida dos concurseiros”, comenta.
Nas aulas para o CNPU, a professora levanta debates sobre a vivência dos povos originários. “Eu busco trazer assuntos do mundo e do contexto indígenas, referências para nossos povos e para o empoderamento deles. Isso é muito gratificante. Dessa forma posso inspirar os alunos. Infelizmente no Brasil os estudantes indígenas não têm essa oportunidade de sonhar e de saber que podem chegar longe. Muitas vezes o preconceito corta os sonhos, principalmente os das mulheres. Isso é desafiador, mas é muito bonito. Trata-se de um aprendizado, uma lição de vida”, complementa.
Indo ao encontro do objetivo de oferecer aulas online e de promover a fixação dos povos originários em suas próprias comunidades, Vilharva comenta sobre a dificuldade de alguém quando se vê longe do seu próprio povo. “Ficar longe dos nossos territórios, da nossa comida, da convivência com a comunidade e de nossos familiares é algo muito desafiador. Todos os estudantes indígenas passam por isso”, afirma.
Histórico
Com mais de 152 candidatos aprovados no primeiro semestre de 2024, em universidades do Brasil todo, o Colmeias conta com seis pré-vestibulares e quatro pré-vestibulinhos, abrangendo os três campi da Unicamp, (Campinas, Piracicaba e Limeira).
O Colmeias surgiu da experiência de implementação de um cursinho presencial em maio de 2010, em Limeira, como um projeto de extensão da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA). O nome remete à ideia de uma rede de trabalho coletivo: as colmeias de abelhas. Um destaque são os cursinhos virtuais, com três turmas: indígenas, quilombolas e jovens da Fundação Casa (para internos de dez casas da Região Metropolitana de Campinas).
Neste ano, são mais de 2.000 vagas para os 6 cursos pré-vestibulares (presenciais e online) e 4 pré-vestibulinhos. Um dos diferenciais dos pré-vestibulares é uma turma voltada às mães solteiras poderem levar seus filhos. O Colmeias também auxilia nos cursinhos Marielle Franco, Malunga Thereza Santos, Dandara dos Palmares, Dandarinha, Responsa e Herbert de Sousa, esses localizados em regiões de Campinas, o cursinho pré-vestibulinho Jataí, em Limeira, e o pré-vestibular PiraBixo em Piracicaba.